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4. Resultados e discussão

4.2 Educação Permanente para gestores 2005/2010

A Secretaria de Saúde de Campinas desenvolveu, a partir de 2005, um projeto vinculado ao Polo de Educação Permanente do Leste Paulista, denominado

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Função Apoiador Paidéia faz parte do Método da Roda, teoria desenvolvida por CAMPOS, G.W.S. sobre Apoio e Co- gestão em Saúde e propõe a ampliar a capacidade das pessoas lidarem com poder, circulação de afetos e saber, ao mesmo tempo que estão desenvolvendo o trabalho cotidiano. O autor aponta a função como a radicalização da construção de cidadania e de sociedades democráticas. Para saber mais ver CAMPOS, G.W.S. Saúde Paideia, Ed Hucitec São Paulo 2003 e CAMPOS, G.W.S. Um método para análise e co-gestão de coletivos. 3ª edição. São Paulo: Hucitec, 2007.

Programa de Educação Permanente – Construindo a Integralidade da Atenção. O programa foi elaborado para capacitar toda a gestão da Secretaria, porém, priorizou iniciar suas atividades a partir da gerência dos serviços de saúde da Atenção Básica e dos apoiadores distritais. Descreveremos brevemente as atividades relacionadas ao programa que envolveu os gerentes da atenção básica e os apoiadores distritais. As informações referentes a esse projeto foram retiradas de relatórios técnicos de acompanhamento do projeto e de diálogo com informantes chaves.

Antes de adentramos na descrição do programa, chamamos a atenção para a escolha da Secretaria Municipal de Saúde de propor programas de educação permanente que privilegiem os gestores do sistema. Essa escolha nos remete à reflexão do conceito apresentado por Ceccin e Feurwerker (2004) sobre a Política de Educação Permanente em Saúde se assentar no que os autores denominaram de “quadrilátero de formação para a área da saúde”, que inclui ensino, gestão, atenção e controle social. A escolha por um dos eixos do quadrilátero nos leva a considerar possíveis dificuldades posteriores de capilarização do processo, o que poderia se configurar em uma desvinculação da educação com a prática. Essa questão já apareceu, conforme relatado anteriormente, no momento da entrada em campo. Sobre esse assunto Ceccin e Feuerwerker (2004) consideram:

“A educação em serviço é uma proposta apropriada para trabalhar a construção desse modo de operar o sistema, pois permite articular gestão, atenção, ensino e controle social no enfrentamento dos problemas concretos de cada equipe de saúde em seu território geopolítico de atuação.”

Por outro lado, a nosso ver, o gestor de uma unidade de saúde não pode ser considerado somente como uma categoria profissional, na medida em que coordena e dirige equipes e a capilarização do processo educativo pode se configurar como um modo diferente de fazer gestão com a equipe e não como mera reprodução do vivido para sua equipe.

Voltaremos a esse tópico na discussão do PEPG-SMS 2010/2012, pois o assunto emergiu na fala dos participantes no grupo focal.

O Programa de Educação Permanente – Construindo a Integralidade da Atenção foi realizado entre 2005 a 2010, para os gestores das unidades básicas dos cinco distritos de saúde. Para a efetivação dos encontros, o conjunto de gerentes foi subdividido em dois grupos: subgrupo do Distrito Sul e Sudoeste e subgrupo do Distrito Norte, Leste e Noroeste. Os encontros foram mensais, com 04 horas de duração.

A coordenação foi realizada por três facilitadores. Um facilitador externo à instituição, médico sanitarista, doutor em saúde coletiva, livre docente em política, planejamento e gestão, com vasta experiência tanto na gestão pública como na área de ensino e pesquisa, e dois facilitadores originários do CETS (Centro de Educação dos Trabalhadores de Saúde), um deles enfermeiro, sanitarista, especialista em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde, com ampla atuação na área educacional ligada ao serviço público de saúde; e outro médico sanitarista com grande experiência em saúde coletiva, tendo atuado na gestão de unidades básicas de saúde, em cargos diretivos a nível municipal e na área educacional. A organização metodológica previa encontros presenciais e atividades de campo, denominadas atividades de dispersão, que eram realizadas entre os encontros, pelos próprios coordenadores das unidades (gerentes a quem se destinava a EP) e acompanhadas pelos apoiadores distritais e profissionais do CETS. Mensalmente, após as reuniões de processamento, a coordenação do Programa de EP emitia um Relatório, que era divulgado a todos os envolvidos e tomado como embasamento para a realização da atividade de dispersão proposta para o período.

Enquanto o encontro presencial se propunha a promover a troca de experiências, reflexões teóricas e sobre a prática, visando a resignificação da prática gerencial, a atividade de dispersão visava dar oportunidade ao gerente de exercitar novas habilidades e novas práticas em situações reais.

O temário foi extenso, incluindo questões relativas à gestão, à clínica, à educação e ao controle social. Segundo o relatório de avaliação do programa, ao final de 2008, haviam sido desenvolvidos 10 grandes blocos temáticos em 32 encontros presenciais. Para cada bloco temático foram elencadas atividades práticas que eram realizadas entre os encontros presenciais. Ao final do bloco, resultantes do processo de discussão, foram definidos instrumentos gerenciais que apoiavam a implantação de mudanças sugeridas no processo. A seguir, descrevemos os temas abordados e os instrumentos gerenciais implantados:

1. As Doenças Cardiovasculares: a gestão do cuidado da HAS/DM (Hipertensão Arterial Sistêmica/Diabetes Mellitus). Como resultado desse bloco temático foi realizado um seminário com apoiadores, coordenadores de UBS e pessoal da enfermagem para definição de diretrizes para o cuidado HAS/DM, a implantação do cartão do HAS/DM, a retomada do HIPERDIA e a recuperação e disponibilização dos consensos de hipertensos e diabéticos para as equipes. 2. A relação da UBS com o usuário: a partir dessas discussões foi implantada entrevistas com usuários como um instrumento de avaliação.

3. Avaliação do Programa de Educação Permanente: a discussão desse tema evidenciou a abrangência do papel do coordenador (gestor de serviços), a apropriação de que o coordenador faz gestão do cuidado, a percepção da possibilidade de atuação conjunta com a equipe, além do levantamento de temas para continuidade da EP.

4. Dificuldades na coordenação da equipe: com esse tema construiu-se diretrizes para a organização e funcionamento do Colegiado Gestor.

5. Recepção do usuário na unidade/ acesso: os resultados da discussão desse tema incluem a utilização regular e sistematizada das informações do telefone 156 (oferece informação e registra queixas de usuários), a supervisão do profissional Enfermeiro sobre o trabalho da recepção, a construção de diretrizes para o funcionamento das recepções e a elaboração de um documento com demandas para o nível central, de investimentos nas recepções.

6. Organização da agenda/acesso: as discussões desse tema redundaram na elaboração de um documento com sugestões sobre como organizar a agenda, incluindo-a como uma ferramenta gerencial central para a prática dos coordenadores.

7. Prontuário de saúde: em decorrência desse tema foi elaborado um documento de diretrizes e conceitos sobre prontuário e a construção coletiva de estratégias locais de qualificação do prontuário.

8. Trabalho da enfermagem: como produto desse tema elaborou-se o documento norteador das práticas e anotações da enfermagem na rede SUS-Campinas e a pactuação na unidade dos registros mínimos a serem feitos pela enfermagem. 9. Acolhimento dos novos trabalhadores da enfermagem: esse tema suscitou a construção de estratégias gerais para o projeto de "Acolhimento dos novos profissionais", sugestões (detalhadas) de como realizar o processo de acolhimento dos novos profissionais nas Unidades, levantamento das necessidades de capacitação técnica de novos profissionais, estabelecimento de metas e contrato com a equipe de enfermagem, observação dos impactos ocorridos nas unidades decorrentes da inserção dos novos profissionais.

10. Avaliação de serviço: esse último bloco temático retoma a discussão de linhas gerais para avaliar impacto das contratações além de ter como produtos a avaliação do papel da Unidade no alcance das metas do Pacto pela Vida no Termo de Compromisso assinado pelo Município, a recuperação e disponibilização do protocolo de Saúde da Mulher e a elaboração pela Câmara Técnica da Saúde da Mulher dos Indicadores mínimos para avaliação da área. Em 2006, o CETS e a gestão Central da Secretaria de Saúde buscaram parceria junto à PUC/Campinas para desenvolvimento de uma investigação avaliativa sobre o processo de EP. Foi denominada “Avaliação das Atividades de Educação Permanente em Saúde no SUS-Campinas”, com o objetivo de avaliar as ações de EP realizadas junto à gestão de centros de saúde na implementação do programa Saúde da Família, enquanto estratégia para a ampliação da integralidade no SUS

RIBEIRO, 2009; SMEKE e SILVEIRA, 2009; SMEKE e OLIVEIRA, 2009) com uma ampla descrição e avaliação do processo referente aos diversos distritos de saúde. Em relação ao Distrito de Saúde Sul, a avaliação foi muito positiva e os autores concluíram que:

“A conclusão foi que a EP contribuiu para a solução de vários entraves gerenciais, mas especialmente no fortalecimento da função de gestor local com foco na gestão do cuidado.” (SMEKE e RIBEIRO, 2009).

A breve descrição desse período serve para evidenciar a disposição da Secretaria de Saúde de investir em processos de educação permanente para os gestores. Esse período, identificado pelos participantes como a “primeira etapa” do processo de educação permanente, terminou em 2010, motivado tanto pela impossibilidade da secretaria de prover os recursos necessários para sua continuidade, como pela avaliação, segundo a perspectiva tanto dos coordenadores das unidades básicas de saúde como dos facilitadores, de que apesar da avaliação positiva, houve um esgotamento do processo.

Com o término dessa etapa e em decorrência de uma mudança no cargo de Diretor do Departamento de Saúde de SMS, foi proposta a realização de um curso para os gestores nos moldes tradicionais. Criou-se um espaço de debate no SUS/Campinas sobre a formação de gestores. Entre outras possibilidades, o Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp apresentou proposta à Secretaria e ao CETS para a realização de um curso de especialização para formação de gestores em redes e sistemas de saúde, utilizando metodologia baseada em casos, denominada Balint-Paideia. O projeto contava com financiamento e não implicaria em gasto para o poder local. A universidade não recebeu resposta para a oferta.

Frente a essa conjuntura, o Distrito de Saúde Sul se posicionou no sentido de garantir um processo de Educação Permanente com estratégias pedagógicas que fossem compatíveis com a Política Nacional de Educação Permanente.

Apesar do encerramento dessa etapa da EP 2005/2010, a avaliação positiva desse processo alavancou um movimento dos coordenadores das unidades de saúde e apoiadores distritais, no sentido de garantir a continuidade de algum processo que proporcionasse espaços de reflexão e formação para os gestores. Em dezembro de 2010, atendendo à solicitação dos gestores e com a possibilidade de disponibilização de recursos financeiros pelo Ministério da Saúde para atividades dessa natureza, a Secretaria de Saúde de Campinas desenvolveu o “Projeto de Educação Permanente para gestores da Secretaria Municipal de Saúde de Campinas” – PEPG-SMS

Nos dois grupos focais realizados, ao colocarmos o PEPG-SMS (2010/2012) em análise, os gestores se reportaram, quase que automaticamente, ao processo de EP desenvolvido entre 2005/2010, reconhecendo sua importância.

Identificaram uma postura ativa dos gestores locais e distritais na definição de continuidade de processos de EP para gestores e na manutenção, pela Secretaria Municipal de Saúde, de processos de EP como diretriz de governo.

Apontam diferenças entre os dois processos e reconhecem a importância do primeiro ancorado basicamente em dois aspectos: a centralidade da figura dos facilitadores e a importância da manutenção de espaços coletivos de reflexão do gestor sobre seu papel.

Várias falas, como podemos identificar na construção das narrativas, se referiram às características do papel de facilitador, colocando-o em um lugar de saber que os gestores relacionaram à possibilidade de impulsionar o processo de aprendizagem. Apontam que os facilitadores articulavam e fechavam as discussões, teorizavam, apresentavam textos para leitura, sendo ponto de apoio no processo, que os instrumentalizava para lidar com a prática gestora. As características pessoais e o modo de agir dos facilitadores produziram imagens que se associavam à valorização da figura do professor como central para o processo de ensino aprendizagem, provocando inclusive um sentimento de orfandade ao término do programa.

gestores, da necessidade de manter algum espaço coletivo de produção, onde pudessem se fortalecer ou até resistir à falta de diretrizes claras e de políticas públicas direcionadas para o fortalecimento do SUS, com produção de autonomia, de atenção qualificada e de gestão mais democrática. Uma tentativa de usar os espaços educativos em substituição a espaços gestores empobrecidos, em um movimento de resistência a um contexto adverso e pouco participativo.

Nesse sentido, o sentimento de orfandade provocado pela centralidade da figura dos facilitadores pode ser atribuído tanto à sensação de vácuo de formulação e diretrizes para a política pública de saúde como à representação social da figura do professor como detentor do saber. No caso da EP em discussão, nos parece, que os professores conseguiram concretizar na prática esta representação imaginária.

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