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2 EDUCAÇÃO COMO ESTRATÉGIA PARA CONSTRUÇÃO DA

2.2 Educação popular e saúde

Preiswerk (1997) caracteriza a Educação Popular como um movimento latino- americano cujas fronteiras e dinâmica são difíceis de delinear por abrigar diversas tendências pedagógicas, ideológicas e políticas. A partir de outros autores, este autor situa as origens da Educação Popular no final do século XIX como resistência dos povos originários da América Latina em relação à imposição da cultura dos colonizadores, passando a ser compreendida como “instrução pública” quando os países latinos, ao conquistarem a independência em relação aos colonizadores, se propuseram, por meio dos governos locais, a “integrar” a população no processo de construção das novas nações, recorrendo ao serviço militar e à educação. Esta, diferenciando-se do modelo introduzido pelo colonizador (confessional e positivista) passou a ser laica, pública e obrigatória com o objetivo de fortalecer a história e a cultura locais. Esta é a primeira noção de Educação, enquanto instituição, como meio de alavancar mudanças sociais.

No final do século XIX e início do século XX, decorrente da necessidade de preparar mão-de-obra imigrante para as indústrias, os países latinos começaram a organizar cursos, em diferentes formatos, destinados aos operários sindicalizados.

Este autor relata que entre 1920 e 1940 ocorreu uma aproximação entre Educação Popular e Movimentos Sociais, da qual derivam três tendências: a nacionalista popular que, voltada aos jovens, mulheres, indígenas e outros grupos populares e incorporando “sentimentos religiosos e tradições culturais populares” (PREISWERK, 1997, p. p. 33), tem como finalidade fortalecer a identidade da nação; a socialista leninista, que coloca a organização dos trabalhadores como instrumento pedagógico para provocar mudanças econômicas, das quais decorreriam mudanças educativas, e a socialista indigenista, que defende uma escola baseada no trabalho, na valorização da cultura local e formação de multiplicadores como forma de transformar a realidade uma vez que problemas econômicos, políticos e educacionais se inter-relacionam.

O autor relata que nas décadas de 40 e 50 os países latino-americanos deram início a um processo de reformas educacionais para atender duplo interesse: formar mão-de- obra para integrar a população à economia, e com isso assegurar sua hegemonia.

A educação de adultos como Educação Popular surge, nas décadas de 50 e 60, associada à ideologia desenvolvimentista e segue modelos estrangeiros. Firma-se na idéia de que as pessoas necessitam de educação e cultura geral, e não só escolarização.

A Educação Popular, enquanto um fenômeno latino-americano, torna-se mais explícito e melhor delineado com as contribuições de Paulo Freire que a concebe, como qualquer modalidade educativa, como uma prática política. No entanto, o adjetivo popular implica o respeito ao saber próprio dos grupos populares, que sendo objeto da reflexão de educadores e educandos torna possível a imersão e a emersão referidas anteriormente. Trata- se de um processo que tem o cotidiano como ponto de partida e de chegada, isto é, pensar e refletir sobre ele para, tendo uma melhor compreensão, nele realizar ações para torná-lo “mais humano”. Nesse processo que valoriza o saber e a sabedoria popular, as questões pedagógicas são apenas uma das partes que compõem a visão de uma educação voltada não só para a participação, mas para a libertação.

Nestes aspectos é que se pode colocar que a Educação Popular, segundo Preiswerk (1977), mais do que servir à alfabetização de adultos serve à politização das relações sociais, de modo que a relação entre a educação e a política pode ser compreendida como um lento trabalho de (re)organização e fortalecimento dos setores populares para influenciar e transformar as relações entre os indivíduos, os grupos e o Estado. O autor coloca que os setores populares “englobam não só a classe operária da concepção marxista, mas

o conjunto plural dos grupos sociais explorados e excluídos tanto da administração do poder político como da distribuição dos excedentes econômicos. São o conjunto multiforme e não organizado da classe operária, dos pequenos proprietários rurais e dos agricultores sem-terra, dos indígenas e da nações oprimidas, de diferentes estratos da pequena burguesia, dos desempregados, das mulheres em uma sociedade machista. Definem-se segundo relações de opressão tanto no âmbito econômico como de gênero, de raça, de idade...etc.

Como dito acima, a Educação Popular, por ser política, não envolve só as questões pedagógicas, mas contempla, também, os aspectos culturais, sociais e econômicos.

Preiswerk (1997), apoiado nos estudos de J. Bengoa, diz que as finalidades da Educação Popular atendem a quatro princípios:

a) Princípio da identidade – prevê que por meio da convivência e da cultura sejam desenvolvidas a auto-consciência e a formação de comunidades;

b) Princípio da participação – prevê incremento da participação individual e coletiva associada com “a aprendizagem, a formação e o exercício da democracia”;

c) Princípio da modernização – prevê que, por meio da aquisição de conhecimentos ocorra transformação individual ou coletiva;

d) Princípio da mudança social – prevê que as transformações gerem mudanças (mobilidade ou ascensão social) na posição dos grupos sociais.

Os princípios da participação e da identidade, segundo Preiswerk (1997, p. 66), conformam o eixo da constituição dos grupos e que os princípios da modernização e da mudança social representam o eixo da mobilidade e que tanto pode ocorrer a maior valorização de um do que de outros ou combiná-los de diferentes formas dependendo das finalidades instituídas pelos sujeitos. Lembra-nos, também, que se as classes médias e altas forem envolvidas segundo os princípios da participação e da mudança social tem-se, então, “uma educação libertadora que não é especificamente popular” uma vez que esta, para ser definida, deve combinar atores, finalidades, conteúdos, métodos e o saber popular.

Essa noção de educação libertadora nos parece em sintonia com o pensamento de Freire (1993) de que, ao se libertar, o oprimido liberta também o opressor, humanizando-se a si próprios e ao mundo.

Paiva (1987)* discorre sobre a Educação Popular segundo três enfoques: como um movimento de educação popular, como instrumento para sedimentar ou recompor o poder político hegemônico e como educação de adultos, detalhando como a Educação Popular e a Educação de Adultos se desenvolveram no Brasil e, a partir da qual Brandão (1980b), classifica as experiências em Formas Primitivas (campanhas de alfabetização promovidas por instituições públicas, filantrópicas e confessionais; ensino complementar de emergência como os supletivos; e cursos profissionalizantes de nível técnico ou não, para formar mão-de-obra para atender às necessidades da indústria) e Formas Atuais (educação fundamental com enfoque para o desenvolvimento sócio-econômico e comunitário; e educação popular propriamente dita, como o que se chamou de Movimento de Educação de Base e Educação Popular de Paulo Freire).

Priorizando reflexões sobre as formas atuais este autor destaca que estas supõem que os saberes nelas gerados e construídos serão utilizados como instrumentos para o alcance de objetivos e interesse dos setores populares ainda que, quando levados para as comunidades por órgãos externos a ela, possam gerar dilemas em torno de questões como partir dos valores e projetos próprios da comunidade ou instrumentar as pessoas para o mercado de trabalho.

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Destacando a dimensão pedagógica dos movimentos populares que permite a tomada de consciência crítica, a produção e a vivência de saberes, Brandão (1982, p. 158-159) afirma que “do círculo de cultura à comissão de saúde, experiências na verdade nem sempre plenamente populares têm sido situações de descoberta popular da reinvenção afetiva e formas necessárias de solidariedade”.

Acrescenta, ainda, este autor, que a Educação Popular tem sido “mais o lugar da crença que o da teoria assim como é definitivamente mais o lugar do rito que se apropria do tempo e dos termos da educação, do que o lugar da educação” (BRANDÃO, 1982, p. 159) no sentido restrito descrito no início deste capítulo para abarcar diferentes aspectos do cotidiano.

Assim como Freire, acredita no teor político da educação popular que, enquanto uma prática social pode contribuir, mesmo que lentamente, abrir caminhos para que as pessoas conquistem sua liberdade.