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O título que encabeça essa parte de nosso estudo, tem como origem a matéria publicada na Revista de Educação/ES, Ano. 1, n. 7–8, out/nov. 1934. No texto escrito por Claudionor Ribeiro a evocação ao “Novo tempo da educação” é aguda em resposta às necessidades eminentes pelas quais passavam a sociedade rumo à modernidade e progresso da nação, trata-se de um novo modelo pensado para a educação.

Tal modelo lança artifícios de circulação e divulgação de seus novos e arrojados métodos que o configura como sendo o saber pedagógico de tipo novo, moderno, experimental e científico. Esse modelo articula representações de uma velha educação ou da pedagogia tradicional com um conjunto de práticas e saberes sobre educação que vinham sendo exercidos no Brasil. Trata-se, neste caso, de um ataque que desqualifica qualquer prática educativa empreendida até aquele momento no país. E, sob os arautos desta educação pretendida, fincava-se, segundo Schueler & Magaldi (2008, p. 35):

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Le Goff (2008, p. 178) assinala que a representação em torno do moderno como sinônimo de novidade e de progresso se relaciona, na historiografia ocidental, pela concepção de um nascimento, um começo.

A memória da escola primária e da ação republicana em prol da educação escolar foi edificada por cima dos escombros de antigas casas de escola, de “palácios escolares”, de debates, leis, reformas, projetos, iniciativas e políticas de institucionalização da escola nos tempos do Império. Zombando do passado, as escolas imperiais foram lidas, nos anos finais do século XIX, sob o signo do atraso, da precariedade, da sujeira, da escassez e do “mofo”. Mofadas e superadas estariam ideias e práticas pedagógicas – a memorização dos saberes, a tabuada cantada, a palmatória, os castigos físicos etc. – a má formação ou a ausência de formação especializada, o tradicionalismo do velho mestre-escola. Casas de escolas foram identificadas a pocilgas, pardieiros, estalagens, escolas de improviso – impróprias, pobres, incompletas, ineficazes. Sob o manto desta representação em negativo, era crucial para intelectuais, políticos e autoridades comprometidas com a constituição do novo regime seguir “pesada e silenciosamente o seu caminho”, produzir outros marcos e

lugares de memória para a educação republicana. Pretendia-se re(inventar)

a nação, inaugurar uma nova era, novos tempos (grifo das autoras).

No movimento contrastante, a realidade descrita figurava os novos tempos da educação, como a evidenciada pela capa e o texto a seguir, que inaugura o primeiro número da Revista de Educação/ES:

FIGURA 6: Revista de Educação/ES. Ano1, n. 1, (capa), abril de 1934.

A inauguração do Grupo Escolar “Padre Anchieta19”, a 19 de março último,

cujo cliché estampamos na nossa capa, foi uma das mais expressivas homenagens tributadas neste Estado, à memória do venerável apóstolo do Brasil.

É sobremodo agradável o seu aspecto exterior e interior. Possui confortáveis instalações sanitárias, vestiários, esplêndidas secções de chuveiros para as atividades da cultura física, gabinetes de assistência médica e dentária, solário, ampla área coberta para vários trabalhos escolares, bela e ampla varanda de 30 metros de comprimento por 1½ de largura, 7 salas bem ventiladas, com dimensões de 6x8. Oferece espaço bastante para o funcionamento, em dois turnos, de 14 classes, com capacidade necessária para 630 alunos.

[…] É de se salientar que foi o primeiro educandário, cuja construção foi inteiramente determinada e superintendida pela Secretaria do Interior e Justiça. É uma construção que evidencia o empenho carinhoso do Governo do Estado pelo reajustamento da nossa máquina educativa. É, ainda, no gênero, um dos bons padrões que muito enaltecem o nosso sistema educacional (REVISTA DE EDUCAÇÃO/ES, 1934, p. 2).

A imagem da capa e o texto de apresentação estão em sintonia, pois juntos revelam uma série de representações em torno da educação, evidenciando as conquistas e melhorias e empenho em prol da educação no estado do Espírito Santo. A Revista de Educação/ES tornava pública a questão da edificação dos prédios escolares, seguindo normas e padrões preestabelecidos segundo atributos higienistas, e acabava por identificar a educação escolarizada como máquina educativa.

Desse modo, podemos perceber o quanto a Revista de Educação/ES assumiu o papel de suporte de anunciação, ou dispositivo de difusão, segundo Carvalho (1998, p. 89), uma vez que apresentava-se como sendo porta-voz das benfeitorias do estado ao anunciar, tornar público, fazer circular, dar notícia a uma série de empreendimentos ligados à educação. Enaltecia, por meio de textos, a tradição remetida aos tempos jesuíticos do Estado, para inscrever-se como portadora da notícia da suposta renovação educacional, cuja tradição é retomada como se a educação ideal tivesse se iniciado com os jesuítas e progredisse até os tempos atuais da Revista20. A imagem ressalta então a ação política do estado,

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Nas décadas de 1930 e 1940 é oportuno destacar, segundo Rodrigues (2005, p. 15), que o regime Vargas soube buscar e incentivar no imaginário coletivo o suporte para a sua legitimação. Para isso, estabeleceu alianças com diversos setores da sociedade, incluindo a Igreja Católica. Desse modo, ocorreu um reordenamento social nos anos de 1930, inspirado no corporativismo. Nesse projeto, Estado e Igreja prestavam-se mútuo auxílio e, mesmo se tratando de um período em que o Estado passava por processos de laicização, ele lançou mão de recursos religiosos e sacralizou o político em nome de sua legitimidade.

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A observação sobre o uso do tradicional, na evocação do padre José de Anchieta, como forma de legitimar as atribuições do Estado, que se apresenta como “sucessor e guardião” do progresso educacional desde os tempos imemoráveis, nos foi possível a partir das observações realizadas pela

apresentando-se como o tempo de um governo comprometido com o sistema educacional, atento à cultura e à política.

Mate (2002, p. 16) esclarece que foi a partir de certos interesses que o modelo de modernização da educação dos anos de 1920 e 1930 se tornou predominante no debate pedagógico, favorecendo a prática de uniformizar a educação. Esse modelo pedagógico alimentava perspectivas para além do ambiente escolar, uma vez que desdobravam-se em projetos bem mais amplos de reeducação da sociedade, na medida em que transmitia, através de seus dispositivos, um outro modo, moderno e urbano, de comportamento social. Tratava-se de um projeto que circulava entre grupos cujas lideranças, advindas tanto do meio jornalístico, quanto educacional e/ou intelectual, acabaram traduzindo uma demanda que vinha da sociedade, ressignificando-a e apresentando um novo programa para o ensino.

Carvalho (2007, p. 94) afirma que para compreender as representações sobre a educação que circulavam nos impressos pedagógicos no Brasil, a partir do final do século XIX e nas primeiras quatro décadas do século XX, deve-se ter ciência de que tais representações procuraram “[...] legitimar-se enquanto saber pedagógico de tipo

novo, moderno, experimental e científico”. Algo estampado na Revista de

Educação/ES:

A grande guerra de 1914 operou, na face da terra, uma transformação nitidamente formidável.

O que, à primeira vista, parecia uma horripilante destruição não é mais do que uma consequência natural da vida que se caracteriza, nas suas simples particularidades, por uma força misteriosa, “que lhe permite renovar-se ainda quando julgamos que se destroem ”.

Volvendo a atenção para o passado, parece-nos haver parecido uma antiga humanidade, tendo surgido outra nova, nimiamente (sic) exigente e empreendedora. E tudo envolveu, violentamente.

Em consequência desse envolver tão intempestivo a vida vai tornando dificilmente tolerável. Raros os que vencem. Os desesperançados atingem a um coeficiente desanimador. A vida é caluniada a cada passo. E os fracos vão sucumbindo sob as suas leis irrevogáveis.

As sociedades modernas, por seu turno, estão exigindo indivíduos sadios, braços possantes e energias mentais criadoras que possam suprir, eficazmente as necessidades do momento (REVISTA DE EDUCAÇÃO/ES, 1934, p. 2).

professora Doutora Márcia Elisa Teté Ramos, na ocasião de nosso Exame de Qualificação II, no esforço de contribuição sobre o trabalho com a fonte.

Podemos observar, na citação, as caracterizações em torno das representações sobre renovação e destruição. Segundo Carvalho (1998, p. 29), a pedagogia, particularmente após a Primeira Guerra Mundial, deixava-se impregnar pelos novos ritmos da sociedade e do maquinismo, passando a produzir além desses novos ritmos, também novas sensibilidades, que faziam entrever modalidades inéditas de intervenção disciplinar.

Para Márcia Elisa Teté Ramos21, é preciso também considerar o contexto do pós-guerra de 1914, sob a visualização que se tinha a partir da concepção de novos tempos, cuja capacidade política (das mentes criadoras), de superação da destruição, da tristeza, de forma heroica e, por isso, quase sobrenatural. A matéria divulgada na Revista de Educação/ES expunha a noção de ruptura, sob o júbilo das mentes criadoras, associando aos fortes, possantes, sadios.

Em outros termos, pode-se dizer que, uma vez estabelecida a materialidade da informação, seguiu-se uma série de mecanismos e estratégias de divulgação que pretendem formar um saber acerca de algo, o que nos permite pensar na coexistência de um in-formativo, ou seja, algo que concede ciência sobre um determinado assunto ou interesse, ao mesmo tempo que estabelece possibilidades para o indivíduo formar opinião sobre um determinado assunto ou comportamento, sendo esta uma característica fundamental para que a circulação e apropriação possam de fato ocorrer, o que, nas pesquisas de Carvalho (1998, 2002), são compreendidas a partir do conceito de dispositivos de difusão.

Nesse contexto, é de grande importância o papel desempenhado pela imprensa periódica pedagógica, especialmente a partir de 1920, quando se tornou um importante dispositivo frente aos anseios pensados pelos intelectuais e políticos ligados às questões educacionais. Os responsáveis utilizavam a imprensa como um veículo de informação capaz de pôr em circulação tanto as representações de educação de cunho moderno e inovador, quanto as críticas severas que estampavam os rótulos sobre a velha educação. Assim, os impressos pedagógicos, como no caso a Revista de Educação/ES, colocaram em circulação uma série de

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Essa reflexão nos foi possível a partir das contribuições advindas das reflexões propostas pela professora Doutora Márcia Elisa Teté Ramos, na ocasião do nosso Exame de Qualificação II, ocorrido em maio de 2013.

representações que nos contam sobre os embates em torno dos modelos educacionais propostos para o Brasil entre as décadas de 1920 e 1930.

Sobre as estruturas modernizantes, pousavam as práticas associadas à velha educação que, segundo Vidal (2005, p. 157), fazia menção a uma série de medidas no âmbito educacional, empreendidas pelo país desde 1892, como a reunião das escolas em um mesmo prédio e em grupos no centro da cidade e na zona urbana, ao invés de ficarem isoladas e espalhadas. Essa ação pretendia responder a imperativos pedagógicos, higiênicos e políticos, proporcionando, por um lado, a possibilidade de implantação de classes graduadas, substituindo o ensino em vários níveis e especializando o docente; e, por outro lado, reunindo escolas de professor único sob o mesmo teto, colocava os mestres subordinados a um diretor, redefinindo-se os poderes docentes, além de facilitar a ação dos inspetores escolares que, em lugar de percorrer diversas pequenas escolas, dirigiam-se a poucos grupos para fiscalizar-lhes o ensino.

Somam-se, segundo Faria Filho & Vidal (2000, p. 20), os aspectos relativos ao programa de ensino que era constituído por um elenco de materiais de cunho científico e moral, introduzidos aos programas escolares primários em diversos países da Europa e nos Estados Unidos e, desde a segunda metade do século XIX, constituíam os programas escolares brasileiros.

Em 1906, por exemplo, o programa educacional estava organizado sobre os seguintes saberes: leitura e princípios de gramática, escrita e caligrafia; contar e calcular sobre números inteiros, sistemas métricos e decimais; desenho à mão livre; moral prática; educação cívica; noções de geografia geral; noções de ciências físicas, em suas mais simples aplicações, especialmente à higiene; história do Brasil e leitura da vida dos grandes homens da história; leitura de música e canto; exercícios ginásticos e militares apropriados à idade e sexo. Portanto, um programa enciclopédico para uma escola laica e republicana, já que dele encontrava-se excluída a doutrina cristã, denotando o caráter laico da República.

No estado do Espírito Santo, essas características referentes ao programa educacional podem ser verificadas no governo de Jerônimo Monteiro (1908–1912), homem considerado de forte espírito empreendedor que abriu, segundo Novaes

(2001, p. 129), frentes reformistas durante sua gestão. Entre seus esforços, figura a ênfase empreendida na promoção dos estudos da história do Espírito Santo e na área do ensino. Este último apresenta-se como ponto forte em seu discurso.

O eixo central de sua reforma na educação capixaba se deu em torno da criação da Escola Modelo anexa à Escola Normal, a criação e estruturação dos grupos escolares, que passaram a configurar-se como os espaços institucionalizados criados para abrigar o modelo educacional que estava sendo proposto em São Paulo e se estendia a outras capitais, como no caso do estado do Espírito Santo. A inspiração para implantação desse programa advinha, segundo Novaes (2001, p. 130–131), da Reforma de Instrução Pública Paulista de 1893 empreendida por Caetano de Campos.

Nessa reforma, como nos apresentam Schueler & Magaldi (2008, p. 37), foi assinalada a vinculação essencial entre a adoção de uma nova proposta para a escola primária e a preparação da atuação dos futuros professores. A implantação da Escola Modelo na cidade de São Paulo assume uma importância central, constituindo-se em espaço de observação das práticas escolares que deveriam ser incorporadas pelos futuros mestres. A escola primária experimental paulista afirmava-se como parâmetro para as escolas públicas republicanas, especialmente no sentido de organização do universo escolar. O modelo formulado e disseminado era o do grupo escolar, em que assumiam grande relevo aspectos como a construção de prédios considerados apropriados para a finalidade educativa e o trabalho escolar estava apoiado no princípio da seriação22.

Para os anos de 1920 e 1930, nota-se, como observa Faria Filho & Vidal (2000, p. 21), que a complexidade dos programas levou à elaboração de livros e guias de ensino; “os conteúdos programáticos deixaram de ser incluídos no corpo das leis e dos regulamentos de ensino, como era usual, para assumirem publicações próprias”. Foi dessa forma que a imprensa periódica pedagógica passou a assumir a questão da visibilidade para com os programas de educação, assegurando, por um lado, o princípio de divulgação aos novos modelos de ensino, como no caso da

22 No modelo da escola graduada, Vidal (2005, p. 113–121) afirma que a seriação foi um dos pilares

de ordenação temporal, estabelecido em relação direta com outro elemento organizacional da escola moderna, ou seja, a classificação dos alunos mediante o sistema de avaliação por idades e classes de ensino.