• Nenhum resultado encontrado

Efeito da fotodegradação na superfície da cutícula do cabelo

Irradiado por 600 h

4.4. Efeito da fotodegradação na superfície da cutícula do cabelo

As imagens de FESEM e TEM mostraram claros efeitos de degradação nas camadas cuticulares por efeito da irradiação. Essas análises requerem, no entanto, um preparo prévio da amostra e algumas informações podem ser perdidas ou mascaradas nesse processo. Dessa maneira, nesse item foi escolhida a técnica de AFM para estudar a superfície da cutícula, para a qual a preparação prévia da amostra é desnecessária.

4.4.1. Microscopia de força atômica (AFM)

O principal problema no estudo de alterações da morfologia do cabelo causada por uma variedade de tratamentos é a heterogeneidade já existente ao longo do fio mesmo antes dos tratamentos. Isso porque os danos causados por cuidados diários, exposição à radiação solar e intempéries são cumulativos. De forma geral, o cabelo possui as pontas do fio já mais danificadas que a raiz. Porém, mesmo entre áreas equidistantes da raiz, os danos irão depender da história daquela região e situações muito distintas podem ser encontrados. As análises de AFM foram usadas para minimizar os efeitos dessa heterogeneidade e isolar os possíveis efeitos da fotodegradação, uma vez que ela permite mapear a mesma região do fio de cabelo antes e após a irradiação. Para a obtenção de imagens, foram utilizados três fios de cabelo castanho padrão (2 regiões por fio, 10-60 imagens/fio).

A Figura 58 mostra imagens de topografia da superfície da cutícula de dois fios (1 e 2) de cabelo castanho escuro padrão antes (Figuras 58(a) e 58(c)) e após exposição a uma lâmpada de mercúrio por 500 h (Figuras 58(b) e 58(d)). A mesma área relativamente grande (15 x 60 m) foi analisada nas duas situações, permitindo a visualização de várias células cuticulares ao mesmo tempo, como mostrado na Figura 58 (que foi cortada e possui um tamanho final de 10 x 43 m).

As imagens de topografia obtidas antes e após a irradiação são muito similares, mostrando uma morfologia típica da superfície da cutícula, formada por camadas sobrepostas, geralmente, com a superfície plana, embora seja possível

observar resíduos e cavidades em algumas regiões. As bordas das camadas cuticulares possuem um contorno irregular, devido ao rompimento de pedaços pequenos de cutículas. Medidas de alturas das bordas das camadas cuticulares foram realizadas nas imagens de topografia a UR < 15%. Alguns exemplos das regiões medidas estão indicados pelas linhas numeradas de 1 a 6 na Figura 58(a-d), enquanto que os correspondentes gráficos de altura encontram-se na Figura 58(e). A mesma linha foi medida na superfície do fio antes e após a irradiação e as imagens passaram pelo mesmo procedimento de nivelamento. As alturas das bordas cuticulares aumentaram devido à fotodegradação, como é mostrado nos seis perfis de linha da Figura 58(e). A altura média para o cabelo não irradiado foi de 203 ± 23 nm, enquanto que para os mesmos fios após a fotodegradação, essa altura foi de 338 ± 34 nm. Esses resultados são os valores médios de medidas de altura de 18 bordas de cutícula (oito medidas feitas no fio 1, seis medidas feitas no fio 2 e quatro medidas feitas no fio 3).

Em ambos os casos, as alturas das bordas das cutículas medidas nas imagens de AFM estão dentro da faixa de altura de bordas relatada na literatura, que é de 200 a 500 nm [32]. Apesar disso, nas nossas medidas a UR < 15%, as alturas das bordas em amostras fotodegradadas foi sistematicamente cerca de 100 nm superior. Isso acontece, provavelmente, devido ao descolamento das camadas cuticulares. Este descolamento poderia ser causado por um estresse mecânico devido uma diminuição na quantidade de hidratação, resultando no levantamento da cutícula, e, também, poderia estar associado à degradação das camadas internas da cutícula, responsáveis pelo contato adesivo entre as células cuticulares. Nossos resultados no item 4.3 mostraram que a endocutícula e a camada β do cmc são as estruturas mais degradadas após a irradiação (Figuras 49(b) e (c) e 50(b)). Observa- se que ocorreu a degradação de substâncias que constituem tanto a endocutícula quanto a camada β. Portanto, a degradação dessas camadas internas pode ser responsável pelo aumento observado na altura. Resultados de FESEM de cabelo irradiado por 600 h (Figura 45(b)) mostraram também que as células cuticulares estavam levantadas, concordando com os resultados de AFM das Figuras 58(b) e (d).

O levantamento de cutículas devido a processos de irradiação pode causar danos macroscopicamente perceptíveis no cabelo, como perda de brilho,

devido ao espalhamento da luz. Perda de brilho e levantamento de cutículas em fios de cabelo devido à irradiação UV foi também observada por Coderch e colaboradores [5], que obtiveram imagens de FESEM em cabelo castanho escuro padrão após 36 h de irradiação com um simulador de UV (500 W/m2).

Alterações na morfologia do cabelo devido à irradiação UV foram também relatadas por Weigmann e colaboradores [43, 68], porém as condições usadas por eles foram mais severas e não comparáveis às utilizadas nesse trabalho. Os autores usaram um simulador solar com lâmpada de xenônio (50,6 W/m2 na faixa de 300 – 400 nm) para irradiar cabelo castanho padrão por mais de 700 h em ciclos de umidades relativas (UR) diferentes. A irradiação foi realizada por 3 h em UR = 95% e por 25 h em UR = 10%. Usando FESEM, os pesquisadores observaram um afinamento da célula cuticular no fio de cabelo (irradiado por 700 h e umidade relativa de 95%) devido a fusão e colapso da cutícula, como mostrado na Figura 8. Neste caso, o afinamento da borda da cutícula é observado e a hipótese dos autores para explicar esse fenômeno é a fotodegradação das proteínas presentes na superfície da célula cuticular, formando peptídeos solúveis e de baixo peso molecular, que são capazes de sair do fio capilar. De acordo com os autores, esse processo é altamente dependente da umidade relativa a que a amostra está submetida e foi observado em irradiação com UV a UR = 95%, mas não a UR = 10%. Considerando que as condições experimentais usadas em nosso trabalho são muito distintas (UR = 44% e 16,5 W/m2 na faixa de 260 – 400 nm) das usadas por Weigmann e colaboradores, é esperado que o resultado final na morfologia da cutícula não seja comparável.

0 1200 2400 3600 4800 300 450 600 750 1 Altura / nm x / nm 0 1200 2400 3600 4800 300 450 600 750 Altura / nm x / nm 2 0 1200 2400 3600 4800 300 450 600 750 3 Altura / nm x / nm 0 1200 2400 3600 4800 300 450 600 750 4 Altura / nm x / nm 0 1200 2400 3600 4800 300 450 600 750 5 Altura / nm x / nm 0 1200 2400 3600 4800 300 450 600 750 6 Altura / nm x / nm

Figura 58: Resultados de AFM obtidos em dois fios de cabelo castanho escuro padrão antes e após 500 h de irradiação com uma lâmpada de mercúrio: (a) Topografia antes e (b) após a irradiação na mesma área do fio 1; (c) Topografia antes e (d) após a irradiação na mesma área do fio 2; (e) Gráficos da altura da borda da cutícula em posições indicadas pelas linhas numeradas no fio 1 e 2, antes (—) e depois (- - -) irradiação.

Na Figura 59 encontram-se imagens ampliadas da superfície das cutículas que foram mostradas na Figura 58, que revelam características interessantes sobre o efeito da fotodegradação. A Figura 59 mostra imagens de topografia para as amostras de cabelo antes (a) e após a irradiação com uma

lâmpada de mercúrio por 230 h (b) e durante 500 h (c). As imagens de contraste de fase e amplitude correspondentes ás áreas (a), (b) e (c), encontram-se em (d-f) e (g- i), repectivamente.

A topografia da cutícula de um fio de cabelo não irradiado é caracterizada por uma superfície predominantemente plana, com alguns defeitos, como mostra a Figura 59(a). Os riscos superficiais são bastante visíveis, especialmente na imagem de contraste de fase (Figura 59(d)) e amplitude (Figura 59(g)). Os dois rachos relativamente grandes que podem ser observados nessas imagens, indicados por C (Figura 59(a)), certificam que a mesma área foi analisada antes e após a irradiação. Após 230 h de irradiação da lâmpada, pequenas protuberâncias apareceram na superfície da cutícula, como pode ser observado na Figuras 59(b), 59(e) e 59(h). Essas protuberâncias tornaram-se mais pronunciadas na imagem de topografia da superfície da cutícula depois de 500 h de irradiação (Figura 59(c)) e são bastante visíveis na imagem de contraste de fase (Figura 59(f)) e amplitude (Figura 59(i)). Imagens de contraste de fase e amplitude são sensíveis às diferenças de topografia, mas além disso, são sensíveis às propriedades químicas e mecânicas da superfície, tais como a rigidez e a adesão, assim como a distribuições de potenciais elétricos e magnéticos. Por essa razão, esses modos de obtenção de imagens podem resultar em um melhor contraste da imagem quando comparados ao modo topografia.

Gráficos de altura nas posições indicadas por 1, 2 e 3 na Figura 59(a-c) indicam que a superfície plana observada em fios de cabelo não irradiados (Figura 59(g)) tornou-se muito mais irregular após a irradiação (Figura 59(h) e (i)). Este efeito foi confirmado por medidas de rugosidade RMS na Figura 59(a-c). A mesma área (1 x 1 μm de tamanho) foi escolhida para o cálculo da rugosidade em imagens obtidas antes e após a irradiação. A rugosidade RMS foi de 2,3 nm, antes da irradiação (Figura 59(a)) e 3,6 nm após 500 h de irradiação (Figura 59(c)). Longo e colaboradores [69] também observaram o aumento de rugosidade na superfície de cabelo castanho escuro padrão irradiado com uma lâmpada de xenônio por 160 h em ciclos (UR = 50% por 102 min, seguido por UR = 100% por 18 min). A rugosidade medida em imagens de AFM foi de 5,4 em amostras não irradiadas e 16 em amostras irradiadas. As pequenas protuberâncias em escala nanométrica não foram observadas no trabalho de Longo.

Para obter uma melhor resolução das dimensões das protuberâncias na superfície dos fios de cabelo, uma ponteira de AFM mais fina foi utilizada (3 nm de diâmetro médio). A Figura 60 mostra a imagens de topografia (a) e contraste de fase (b), em conjunto com o gráfico de altura (c). O gráfico de altura foi feito a partir da linha preta indicada em (a) para o cabelo castanho escuro exposto à irradiação durante 230 h. As protuberâncias parecem apresentar um formato esférico, como mostrado pelas imagens de topografia na Figura 60(a) e contraste de fase na Figura 60(b), com alturas na faixa de 1-5 nm (Figura 60(c)). A altura média das protuberâncias foi de 2,7 ± 0,8 nm, valor médio que foi obtido em medidas de altura de 60 protuberâncias.

Esse resultado indica que o processo de fotodegradação não deve estar afetando apenas a camada lipídica, que cobre a camada mais externa da cutícula (epicutícula), mas, também a epicutícula. Em geral, a superfície da cutícula está coberta por uma camada lipídica (≈ 2,5 nm de espessura) que consiste de lipídeos 18-MEA. Os lipídeos 18-MEA estão covalentemente ligados à camada rica em cisteína, que é a epicutícula (≈ 10 nm de espessura), possivelmente através de ligações tioéster [92]. Como a altura de várias protuberâncias medidas (1–5 nm) na Figura 60(c) é maior do que a espessura da camada lipídica (2,5 nm), isso indica um dano mais profundo sobre a superfície do fio.

0 600 1200 1800 50 60 70 Altura / nm x / nm 1 (j) 0 600 1200 1800 50 60 70 Altura / nm x / nm 2 (k) 0 600 1200 1800 50 60 70 Altura / nm 3 (l) x / nm

Figura 59: Resultados de AFM da mesma área de um fio de cabelo castanho escuro padrão, antes e após a irradiação com uma lâmpada de mercúrio: (a-c) Imagens de topografia; (d-f) contraste de fase; e (g-i) amplitude obtidos antes (a, d, g), depois de 230 h de irradiação (b, e, h); e depois de 500 h de irradiação (c, f, i). (j-l) gráficos de altura obtidos em (a); (b); e (c). As linhas 1 em (a), 2 em (b) e 3 em (c) indicam a posição dos gráficos de altura obtidos na mesma linha de varredura em (j), (k) e (l), respectivamente.

0 100 200 300 400 500 19 20 21 22 23 24 25 A ltu ra / nm x / nm (c)

Figura 60: Resultados de AFM obtidos com uma ponteira fina ( ≈ 3 nm) em um fio de cabelo castanho escuro padrão exposto a 230 h de irradiação com uma lâmpada de mercúrio: (a) topografia; (b) contraste de fase; e (c) gráfico de altura obtido na linha preta indicada em (a). A altura das protuberâncias está na faixa de 1 a 5 nm.

Outro efeito da fotodegradação observado nessas amostras foi o aumento das cavidades já existentes na superfície do fio de cabelo. A Figura 61 mostra imagens de topografia da superfície da cutícula de cabelo castanho escuro padrão antes da irradiação em (a), após 230 h de irradiação em (b) e após 500 h de irradiação em (c). A região mais clara, indicada pela letra R do lado direito da imagem, é um defeito na superfície usado como referência para posicionar a amostra e permitir que a mesma região fosse analisada antes e após a irradiação. Vê-se que as cavidades que já existiam nos fios sem irradiar (Figura 61(a)), tornaram-se maiores após 230 h de irradiação (Figura 61(b)) e após 500 h de irradiação (Figura 61(c)). Inicialmente, as dimensões das cavidades eram de 8 ± 4 nm de profundidade e 150 ± 48 nm de diâmetro (Figura 61(a)). O diâmetro médio das cavidades não foi alterado significantemente após 230 h de irradiação (Figura 61(b)), mas eles se tornaram mais profundos (14 ± 7 nm) como uma consequência da radiação incidente. Após um período de 500 h de exposição à lâmpada de

mercúrio, o diâmetro ( = 197 ± 50 nm) e também a profundidade (35 ± 12 nm) das cavidades aumentaram de tamanho. É importante salientar que tanto as medidas de diâmetro quanto as de altura podem ser superestimadas devido à convolução da ponteira com o tamanho do objeto, porém, o aumento da dimensão das cavidades é evidente a partir dos valores de altura e diâmetro. Perfis de linha das cavidades 1, 2, e 3, indicadas na Figura 61(a-c), são apresentadas na Figura 61(d-f), e mostram muito claramente que as cavidades aumentaram de tamanho como consequência do processo de irradiação. É também notável o aparecimento de protuberâncias, já discutido nas Figuras 59 e 60. Essas protuberâncias também podem ser observadas nestas amostras em toda a região das cutículas ao redor das cavidades nas Figuras 61(b) e (c).

Em algumas regiões, é possível observar que a irradiação degrada resíduos, provavelmente pedaços de cutícula, depositados sobre a superfície do fio capilar. A Figura 62 mostra resultados de AFM obtidos na mesma área da superfície da cutícula de cabelo castanho escuro padrão. Imagens de topografia da superfício do fio de cabelo antes (Figura 62(a)) e após 230 h (Figura 62(b)) e 500 h de irradiação (Figura 62(c)) mostram que o resíduo (indicado por M em (a)) está parcialmente degradado após a irradiação. Nas imagens de amplitude (Figura 62(d- f)) obtidas na mesma área e condições de irradiação da Figura 62(a-c), observa-se com maior contraste a degradação parcial do resíduo na superfície como consequência da irradiação. Algumas regiões do resíduo estão mais degradadas do que outras, como é possível notar comparando as regiões marcadas por “borda” ou “centro” na Figura 62(c). Os gráficos de altura mostrados nas Figuras 62(g), (h) e (i) foram obtidos nas linhas 1, 2 e 3, indicadas nas Figura 62(a-c), e mostram que a altura do resíduo antes da irradiação era de ≈ 80 nm (Figura 62(g)), após 230 h e 500 h de irradiação seu valor diminuiu aproximadamente 60 nm (Figuras 62(h) e (i)).

0 400 800 1200 0 20 40 60 80 (d) Buraco 1 Altur a / nm x / nm 0 400 800 1200 0 20 40 60 80 (e) Buraco 2 Altur a / nm x / nm 0 400 800 1200 0 20 40 60 80 (f) Altur a / nm x / nm Buraco 3

Figura 61: Resultados de AFM obtidos em uma mesma região de um fio de cabelo castanho padrão: Imagens de topografia em (a) antes e após a irradiação com uma lâmpada de mercúrio por (b) 230 h e (c) 500 h, mostrando o aumento das cavidades (indicadas por setas) devido à irradiação. Gráficos de altura em (d), (e) e (f) que foram medidos nas cavidades 1, 2 e 3, respectivamente, antes (—) e após 230 h (—) e 500 h de irradiação (). A letra R em (a) indica que o mesmo defeito na superfície está presente em todas as imagens.

0 600 1200 1800 20 40 60 80 1 (g) Altur a / nm x / nm 0 600 1200 1800 20 40 60 80 x / nm Altur a / nm 2 (h) x / nm 0 600 1200 1800 20 40 60 80 Altur a / nm 3 (i) x / nm

Figura 62: Resultados de AFM da mesma área de um fio de cabelo castanho padrão antes e após a irradiação com uma lâmpada de mercúrio: (a-c) Imagens de topografia; (d-f) amplitude; e (g-i) gráficos de altura. Resultados obtidos antes (a, d, g) e após 230 h (b, e, h) e 500 h de irradiação (c, f, i). A linha 1 em (a), 2 em (b) e 3 em (c) indicam a posição dos gráficos de altura referentes a mesma linha de varredura em (g), (h) e (i), respectivamente. A letra M em (a) indica um resíduo que é parcialmente degradado pela fotodegradação.

4.5. Modificações químicas na estrutura da cutícula de cabelos