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Priming é o processamento automático e pré-consciente de informações. É um fenômeno que ocorre quando o processamento de uma informação é facilitado pela apresentação de um estímulo prévio – o prime – armazenado na memória (BLANK, 2008). Segundo Salles, Jou e Stein (2007), “priming é um tipo de memória implícita referente aos efeitos facilitadores de eventos antecedentes (primes) sobre o desempenho subsequente (respostas alvos)” (SALLES; JOU; STEIN, 2007, p. 72). Durante a realização de tarefas de priming, estímulos (primes) em forma de imagens, palavras, sons, sentenças ou objetos são utilizados para sensibilizar o participante à apresentação posterior de outro estímulo (o alvo). A percepção do prime, nessas tarefas, é automática e ocorre de forma inconsciente. O paradigma clássico é o de priming semântico, que explicaremos em mais profundidade adiante.

Há estudos interessados no fenômeno de priming em si, por exemplo, estudos da psicologia cognitiva que visam a compreender o funcionamento da memória explícita e implícita; e há estudos que utilizam o fenômeno de priming como um recurso metodológico para ter acesso a outros tipos de processos cognitivos, como a percepção, a consciência, a aprendizagem. Por exemplo, o efeito de priming semântico é utilizado em experimentos psicolinguísticos para avaliar a influência de relações semânticas no processamento da linguagem. Vários tipos de experimentos podem ser realizados com tarefas de priming, de acordo com os propósitos da linguagem a serem investigados. Podem-se criar experimentos nos quais prime e alvo são apresentados com ou sem semelhanças semânticas, grafêmicas,

fonético-fonológicas, entre outras. Temos exemplos de priming semântico no par médico/hospital; de priming fonológico no par hora/oca; e de priming morfológico no par dança/dançarino, nos quais a palavra da esquerda, apresentada primeiramente, seria o prime e a palavra da direita, apresentada posteriormente, seria o alvo.

Nos experimentos de priming, pode-se manipular o contexto. Manipula-se o contexto mudando o tipo de prime que precede o alvo. O alvo pode ser precedido ou ativado por uma palavra ou sentença relacionada a ele semântica, fonológica ou sintaticamente, como vimos nos exemplos acima, e, nas condições controle, pode ser precedido por uma palavra ou sentença não relacionada a ele. Além disso, o alvo pode ser precedido por um prime neutro; em tarefas linguísticas, como as que estamos nos referindo aqui, um prime neutro seria um prime não linguístico. Nesses experimentos, também se pode variar a relação entre prime e alvo de acordo com as suas características psicolinguísticas (extensão, frequência) ou segundo o intervalo de tempo entre a apresentação do primeiro estímulo e a apresentação do estímulo- alvo. Além disso, o prime pode ser apresentado subliminarmente ou de forma visível. Quando é apresentado de forma subliminar, aparece rapidamente e disfarçado entre “máscaras” visuais (#### ou %%%%). O participante, nesses casos, geralmente não percebe que houve a apresentação de uma palavra entre as máscaras visuais; assim, o processamento do prime não é consciente. Quando não é subliminar, como vimos antes, é apresentado com o tempo necessário para que o participante consiga lê-lo. Com todas essas nuances metodológicas, a evidência empírica de um efeito de priming é obtida na execução de uma tarefa cuja facilitação do processamento do estímulo-alvo seja demonstrada, abrangendo o processamento da percepção pré-consciente e da memória implícita. A metodologia deve ser definida de acordo com a pergunta de pesquisa.

Vejamos um exemplo de priming semântico para entendermos melhor esse efeito. Como o próprio nome diz, no priming semântico, há uma relação semântica, de significado ou contexto, entre o prime e o alvo. Esta relação é estabelecida de forma empírica. Os pares semanticamente relacionados são descobertos a partir de centenas de questionários com diversos falantes em que estes têm de gerar a primeira palavra que vem à mente ao lerem uma outra palavra. A partir de pares que se repetem consistentemente, estabelece-se, estatisticamente, a força de associação entre pares de palavras. Utiliza-se, em geral, os pares fortes, que se repetem em mais de 25% dos casos (HOLDERBAUM; SALLES, 2010, 2011).

O paradigma de priming semântico é utilizado para verificar a influência das relações semânticas na decisão lexical. Em experimentos tradicionais de priming semântico, participantes respondem a uma tarefa de decisão lexical (em que tem de decidir se o alvo é

uma palavra real da língua ou uma pseudopalavra – palavra inventada) ou a uma tarefa de nomeação. Nessas tarefas, o efeito de contextualização semântica é modulado de acordo com a relação entre o prime e o alvo (palavras relacionadas; palavras não relacionadas; e relação neutra/não linguística, por exemplo, uma série de sustenidos, ###). A relação entre prime e alvo modula o tempo de resposta e a acurácia nas tarefas de decisão lexical (SQUIRE; KANDEL, 2003; LERITZ et al., 2006). Quanto maior a relação semântica entre o prime e o alvo, mais rapidamente e com mais acurácia os leitores identificam o alvo como uma palavra (um par como fruta/maçã versus uma combinação que não tem relação semântica, como fruta/martelo).

Assim como em todos os experimentos de priming, em um experimento de priming semântico, apresenta-se ao participante o estímulo-prime (por exemplo, a palavra ‘mesa’), seguido pela apresentação de um estímulo-alvo (por exemplo, a palavra ‘cadeira’). Como em outras técnicas psicolinguísticas, o que se mede é a acurácia (número de acertos) e a velocidade de resposta do participante em relação à palavra alvo. Conforme os exemplos entre parênteses, o participante responderia mais rapidamente e de forma correta que a palavra “cadeira” é uma palavra em comparação com outro par de palavras sem relação semântica. O efeito de priming semântico seria a facilitação do processamento de uma palavra-alvo (no exemplo, ‘cadeira’) quando ela tem uma relação semântica com a palavra-prime (no exemplo, ‘mesa’) que foi processada anteriormente.

Adicionalmente à relação semântica, a variação de tempo entre a apresentação do prime e do alvo também modula o efeito de priming semântico: assincronia no início da apresentação dos estímulos ou intervalos padrões entre estímulos (HOLDERBAUM; SALLES, 2010, 2011). A assincronia representa o intervalo entre a apresentação do prime e do alvo. Há diferentes teorias que tentam explicar o efeito de priming semântico: a teoria da propagação automática da ativação (the automatic spreading activation theory; COLLINS; LOFTUS, 1975) e a teoria baseada na expectativa do priming (the expectancy-based priming theory; BECKER, 1980). A principal diferença entre essas duas teorias é que elas tentam explicar o efeito de priming semântico em duas situações diferentes: assincronias curtas e assincronias longas no início da apresentação dos estímulos. Veremos que o intervalo de tempo entre o prime e o alvo também será importante para as teorias que tentam explicam o efeito de priming sintático.

Nosso estudo sobre a produção de sentenças ativas e passivas em português brasileiro (PB) utiliza o paradigma de priming sintático para acessar o processamento

sintático da linguagem de crianças e adultos falantes do PB. Veremos, na próxima seção, o efeito de priming sintático.