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CAPÍTULO III – O EFEITO DE VERDADE NAS PUBLICIDADES

3.1 O EFEITO DE VERDADE NAS PUBLICIDADES

Chamaremos de efeito de verdade o efeito possível de alguns discursos (ou por partes desses discursos) que carregariam propriedades que poderíamos classificar como associadas à verdade ou de alguma forma estruturadas no real, como fatos, verdades, presunções, analogias, situações possíveis, argumentos quase-lógicos, modalizações de evidência, descrições, formas enunciativas ou mesmo certas estruturas narrativas. Sendo assim, nosso propósito é o de demonstrar que os textos publicitários não precisam ser portadores de uma verdade absoluta para produzirem a impressão de que os produtos/serviços – e os dados apresentados sobre eles – são confiáveis, uma vez que algumas estratégias podem ser especialmente responsáveis por criar um efeito de verdade ao que é exposto.

Ao falar a respeito do discurso próprio das mídias, Charaudeau aborda a noção do efeito de verdade, contrastando-a ao valor de verdade.

O efeito de verdade está mais para o lado do “acreditar ser verdadeiro” do que para o do “ser verdadeiro” (...) Diferentemente do valor de verdade, que se baseia na evidência, o efeito de verdade baseia-se na convicção, e participa de um movimento que se prende a um saber de opinião, a qual só pode ser apreendida empiricamente, através dos textos portadores de julgamento. O efeito de verdade não existe, pois, fora de um dispositivo enunciativo de influência psicossocial, no qual cada um dos parceiros da troca verbal tenta fazer com que o outro dê sua adesão a seu universo de pensamento e de verdade. O que está em causa aqui não é tanto a busca de uma verdade em si, mas a busca de “credibilidade”, isto é, aquilo que determina o “direito à palavra” dos seres que comunicam, e as condições de validade da palavra emitida. (CHARAUDEAU, 2010b, p.49)

O que percebemos quando associamos a fala de Charaudeau aos objetivos da publicidade é que o efeito de verdade torna-se muito importante no processo persuasivo, uma vez que, para fazer com que o consumidor compre um produto ou contrate um serviço, o texto publicitário tem que fazer com que ele acredite no que é informado, associando-se, de alguma maneira, à verdade do mundo encenado. Resta-nos, então, identificar por meio de quais estratégias discursivas, o texto publicitário cria esse “dispositivo enunciativo de influência psicossocial” que possibilita o surgimento do efeito de verdade.

Ao abordar a argumentação publicitária, Adam e Bonhomme (1997, p.25) confirmam a importância da confiança/credibilidade para o gênero publicitário, quando afirmam que a

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comunicação publicitária é complexa e que se baseia em uma transição do fazer-crer ao fazer- fazer e do fazer-saber ao fazer-querer:

a) No plano locutório – o discurso publicitário é texto e imagem.

b) No plano ilocutório – a comunicação publicitária é info-persuasiva. Isso, porque temos duas visadas que se complementam ao mesmo tempo em que se opõem: uma visada descritiva, informativa (sob a forma de um ato constatativo) e uma visada argumentativa (sob a forma de um ato incitativo, às vezes, implícito). No discurso publicitário é comum a presença de um ato diretivo sendo dissimulado por um ato constatativo.

c) No plano perlocutório – o ato de compra é apenas uma consequência e é precedida de uma estratégia na qual se concentra toda a persuasão publicitária. De acordo com Nicole Everaert-Desmedt, citada por Adam e Bonhomme (1997), o ato ilocutório constatativo é associado a uma intenção perlocutória do tipo fazer-crer, e o ato ilocutório diretivo a uma intenção perlocutória do tipo fazer-fazer. A passagem do

crer ao fazer só pode ser assegurada se o sujeito-consumidor potencial entender que

o produto apresentado não é falso. O discurso publicitário deve, assim, ser suficientemente credível para suscitar tal crença e, ao mesmo tempo, a ausência de toda refutação do que ele afirma. O bloqueio da refutação se apoia sobre o fato que a condição de sinceridade é juridicamente garantida pela repressão à “falsa publicidade”, enquanto a crença torna-se possível pela manipulação dos desejos profundos dos sujeitos. Vale dizer que o texto publicitário é capaz de transformar um

saber sobre o produto em um desejo, uma vez que enunciados constatativos suscitam

uma valorização do produto e um desejo de obtê-lo que é acompanhado de um desejo de identificação baseado sobre uma valorização do próprio sujeito, totalmente dependente da aquisição do produto apresentado. (cf. ADAM; BONHOMME, 1997, p.2532)

Vemos, portanto, que a busca de uma sensação de verdade está diretamente relacionada às transições entre crer-fazer e saber-querer. E, mais do que isso, já é possível identificarmos algumas das estratégias discursivas que promovem o surgimento dessa sensação, desse efeito: o uso dos enunciados constatativos (como espécie de garantia de sinceridade) e a

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correspondência entre o produto e o desejo do possível consumidor (mesmo que esse desejo seja estimulado pela própria publicidade).

Arthur Brisbane, mencionado por Malanga (1987, p.74, grifos do autor), também potencializa a necessidade da credibilidade para o discurso publicitário ao apresentar os cinco fundamentos da boa publicidade:

1. É preciso fazer com que o público veja o anúncio.

2. É preciso fazer com que o público leia o anúncio.

3. É preciso fazer com que o público compreenda o anúncio.

4. É preciso fazer com que o público acredite no anúncio.

5. É preciso fazer com que o público deseje o anúncio.

Novamente, vemos o resultado pretendido pela campanha publicitária (promover a venda do produto) atrelado à instauração de um desejo que, por sua vez, passa pela confiança. Para fazer com que o leitor-alvo acredite no anúncio, Malanga (1987, p.74) aponta que os textos publicitários devem evitar “pomposos exageros e generalidades, com afirmações extravagantes e declarações superlativas que, se não forem totalmente falsas, estão longe de serem convincentes”. Desse modo, a medida certa da qualificação do produto é de extrema relevância para os propósitos publicitários: uma qualificação exagerada pode comprometer a credibilidade do anúncio; uma qualificação precária pode comprometer o desejo de o leitor-alvo adquirir o produto.