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Os resultados de testes em animais comprovam o caráter potencialmente cancerígeno dos THMs, especialmente do clorofórmio, suspeitando-se, portanto, que o mesmo pode ocorrer com a espécie humana. Existem dez combinações possíveis de trialometanos, porém, quatro são os que têm concentrações mais significativas na água potável: (i) triclorometano (clorofórmio) - CHCl3; (ii) bromodiclorometano - CHBrCl2; (iii) dibromoclorometano - CHBr2Cl; e, (iv) tribromometano (bromofórmio) - CHBr3.

A partir da constatação do potencial cancerígeno dos THMs, surgiu a demanda por pesquisas nessa área, no sentido de minimizar os efeitos negativos resultantes dos subprodutos da cloração. A verificação sobre os prejuízos que esses compostos podem

causar ao usuário na ingestão da água tratada e a busca de soluções alternativas tornaram- se imprescindíveis, visando à proteção da saúde pública.

O primeiro pesquisador a levantar o problema de que o cloro utilizado nas ETA, ao reagir com compostos orgânicos, poderia ter efeito negativo sobre a saúde humana, foi R. H. Harris, na década de 1970. Este pesquisador forneceu indicações pioneiras da possibilidade de correlação entre água de abastecimento e câncer. Harris, em 1974, publicou os dados obtidos da cidade de Nova Orleans, onde a incidência de óbitos tendo como

causa mortis o câncer, era uma das mais altas dos Estados Unidos da América. Contudo,

ainda é consideravelmente pouco conhecido o real efeito para a saúde humana causado por esses compostos quando presentes em baixas concentrações (da ordem de 100 µg/L). Em 1978, mesmo sem provas definitivas dos efeitos maléficos à saúde humana, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América (Usepa) propôs o limite máximo de THMs de 100 µg/L para as águas de abastecimento como medida preventiva e tendo por base experiências realizadas em 113 ETAs. Este valor foi regulamentado em 1979.

Após a decisão da Usepa, outros países incluíram os THMs nos respectivos padrões e normas de potabilidade, porém com limites diferentes: 350 µg/L no Canadá, 25 µg/L na Alemanha, 75 µg/L na Holanda e 10 µg/L na França. No Brasil, de acordo com a legislação em vigor, a concentração máxima permitida de TTHM em água potável é de 100 µg/L. Atualmente, nos Estados Unidos da América, o valor máximo foi reduzido para 80 µg/L.

Historicamente, a avaliação do potencial toxicológico dos subprodutos da cloração se deu nos Estados Unidos da América a partir de 1971, com o aparecimento de casos de debilitação física aguda, como vômitos, relacionados à presença de contaminantes químicos nas águas potáveis. Entre os efeitos à saúde provocados pelos THMs, questionou-se a relação com neoplasias, abortos espontâneos e nascimento de crianças com baixo peso. Contudo, os riscos tóxicos dos THMs não se devem apenas à absorção gastrintestinal após a ingestão de líquidos; seus riscos são magnificados por outras vias de absorção, como a inalação, devido à volatilidade, e por meio da pele, graças à lipossolubilidade (Tominaca, 1999).

O câncer tem sido uma das patologias mais estudadas na relação dos efeitos associados à exposição de químicos específicos presentes na água (Calderon, 2000). Estudos epidemiológicos têm relacionado os THMs com o aumento dos riscos de câncer de bexiga (Cantor et al., 1998), colo-retal (Hildesheim et al., 1998) e cerebral (Cantor et al., 1999). Morris et al. (1992) realizaram uma meta-análise de resultados de 12 estudos epidemiológicos, demonstrando um risco relativo de 1,21 para câncer de bexiga e 1,38 para câncer retal. Diversos artigos científicos relacionam os THMs com possíveis efeitos sobre a reprodução e o desenvolvimento humanos, baseados em estudos toxicológicos e epidemiológicos. Na primeira publicação sobre o assunto, em 1989, Aschengrau et al. avaliaram a qualidade da água potável com relação à ocorrência de abortos espontâneos. A partir de então, diversos autores abordaram outros efeitos tóxicos dos THMs, como retardo no desenvolvimento fetal, baixo peso ao nascer, nascimento prematuro e anormalidades congênitas.

Ao avaliar os resultados obtidos por diversos pesquisadores, Graves et al. (2001) não observaram associação significativa dos THMs com o nascimento de crianças com baixo

peso, nascimento prematuro e morte neonatal. Os pesquisadores também encontraram uma relação inconsistente ou muito pequena com anormalidades congênitas e do sistema nervoso central, defeitos no tubo neural, abortos espontâneos e natimortos, mas relataram fortes evidências com o retardo no crescimento e anormalidades do trato urinário.

Segundo Tominaga et al. (1999), diversos estudos a cerca do espectro dos efeitos tóxicos dos THMs demonstraram atividade hepato e nefrotóxica, mesmo em baixas concentrações, exacerbadas com a interação com outras substâncias, como o etanol, devido à mesma via de metabolismo.

Entre os estudos de carcinogenicidade, os THMs apresentam-se como potenciais indutores de neoplasias em animais de laboratório. Segundo a International Agency for

Research on Cancer (Iarc), o clorofórmio e o bromodiclorometano estão enquadrados

no grupo 2B, que inclui as substâncias que possuem evidências inadequadas quanto à carcinogenicidade em humanos, mas suficientes para animais. O dibromoclorometano e o bromofórmio, por sua vez, estão enquadrados no grupo 3, que inclui as substâncias que possuem inadequadas evidências para a carcinogenicidade em humanos e limitadas para animais.

Até agora centenas de subprodutos halogenados têm sido identificadas, mas eles somam menos que 50% da concentração dos haletos orgânicos totais na água destinada ao abastecimento. Muitos desses subprodutos têm efeitos adversos à saúde (Vahala et al., 1999). Um exemplo é o composto MX, ou 3-cloro-4-(diclometil)-5-hidroxi-2(5H)-furanona, o qual tem sido encontrado na água abastecida e é um agente mutagênico extremamente potente (Hemming et al., 1986, e Holmbom et al., 1984, apud Vahala et al., 1999). Já foi demonstrado que este composto é derivado de ácidos fúlvicos e húmicos (Langvik e Holmbom, 1994, apud Vahala et al., 1999) e que este componente soma de 15% a 57% da mutagenicidade em águas destinadas ao abastecimento (Kromberg e Vartiainen, 1988, apud Kromberg, 1999). Este composto tem sido encontrado em águas abastecidas dos Estados Unidos, do Reino Unido, do Japão, na República da China e na Espanha (Kromberg, 1999).

Na Finlândia, até 1980, as ETAs produziam águas com elevadas concentrações de THMs (até 1.400µg/L), principalmente pela prática da pré-cloração sem a remoção prévia da MON (Hiisvirta, 1981 apud Vahala et al., 1999). Como conseqüência destas descobertas, a pré-cloração foi abandonada e passou a ser feito um controle mais efetivo da formação de THMs. Após estas medidas, em 1997 a concentração máxima de THMs de 15 ETAs estudadas ficou abaixo de 25µg/L (Huttunem, 1997, apud Vahala et al., 1999) e as concentrações do MX diminuíram aproximadamente 50% (Smeds et al., 1997, apud Vahala et al., 1999).

Estudos ecotoxicológicos fundamentados em bioensaios realizados em laboratório e em campo vêm sendo utilizados para monitoramento de poluição e contaminação de corpos d´água como forma de melhor integrar, explicar objetivamente resultados e subsidiar a tomada de decisões rápidas e seguras. Os bioensaios permitem uma visão abrangente da toxicidade aguda e/ou crônica que o “todo” dos poluentes eventualmente contidos no ambiente podem exercer sobre a biota, representando um valioso instrumento para avaliação de contaminantes aquáticos, mesmo quando presentes em níveis abaixo do limite de detecção analítica convencional. A toxicidade de um determinado agente

é resultante da concentração e do tempo de exposição a este agente. Com o intuito de determinar a toxicidade em corpos d´água, várias metodologias vêm sendo empregadas no Brasil em programas de caracterização e monitoramento de ecossistemas em diferentes atividades. Entre os estudos de mutagenicidade relacionados aos THMs, não se obtiveram respostas conclusivas, pois eles apresentaram resultados conflitantes: positivos e negativos em diferentes testes. Por exemplo, há relatos de clorofórmio apresentar resultados positivos em teste da Drosophila e “yeast test” e resultados negativos na indução de micronúcleos na medula óssea de camundongos e no ensaio da Salmonella typhimurium TA-100. Devem- se ressaltar as dificuldades inerentes aos estudos epidemiológicos associados à presença de THMs em águas destinadas ao abastecimento público, uma vez que os possíveis danos causados por estes compostos podem estar relacionados a outros fatores, tais como os hábitos alimentares da população estudada e ao tabagismo.