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3. O Controlo de Concentrações na União Europeia

3.2 Apreciação substantiva das concentrações

3.2.1 As concentrações horizontais

3.2.1.1 Efeitos anti-concorrenciais

Depois da análise estrutural, a CE leva a cabo uma avaliação sobre os eventuais efeitos anti-concorrenciais da operação, o que requer uma ponderação da situação concorrencial nos mercados afectados pela operação de concentração no momento em que esta ocorre, bem como de elementos dinâmicos que permitam obter indicações precisas sobre a provável evolução dos mercados caso a CE autorize a concentração. Aqui, a CE distingue os efeitos não coordenados (unilaterais) dos efeitos coordenados.283 Na primeira categoria de efeitos, estamos perante um aumento de poder de mercado resultante da eliminação de pressões concorrenciais importantes sobre a nova entidade e as restantes empresas no mercado. Assim, de acordo com a CE, “quanto mais elevada for a quota de mercado, mais probabilidades existem de que uma empresa possua poder de mercado”284 e “quanto mais elevado for o grau de substituibilidade entre os produtos das empresas na concentração, maiores probabilidades existem de que essas empresas aumentem os preços de forma significativa.”285 Ademais, deverão ser tidas em conta considerações como (i) a existência de um número reduzido de fornecedores alternativos ou a existência de custos de transferência, que diminuem a possibilidade de um cliente mudar de fornecedor; (ii) a pouca probabilidade de os concorrentes

282 Cf. n.º 19 e 20 das Orientações sobre Concentrações Horizontais.

283 Alíneas a) e b) do n.º 22 das Orientações sobre Concentrações Horizontais. 284 Cf. n.º 27 das Orientações sobre Concentrações Horizontais.

aumentarem a oferta se os preços aumentarem, tornando um aumento de preços lucrativo; (iii) a capacidade de a entidade resultante da concentração impedir a expansão dos concorrentes, designadamente por não poderem, individualmente ou em conjunto, exercer uma pressão que impeça a entidade de aumentar os preços ou adoptar outras medidas prejudiciais para a concorrência; e (iv) a eliminação de uma força concorrencial importante, principalmente num mercado que já se encontre concentrado.286

Na segunda categoria de efeitos, através da diminuição de concorrentes uma concentração pode “criar condições que viabilizem comportamentos colusivos, aumentem os incentivos das empresas para a adoção dessas condutas ou que facilitem essa coordenação, seja ao tornar mais exequível um entendimento entre concorrentes ou ao permitir que essa concertação seja mais estável.”287 Para que a coordenação seja sustentável deverão estar preenchidas três condições: (i) as empresas que participam na coordenação deverão poder controlar, de forma suficiente, se as condições estão a ser cumpridas; (ii) a disciplina exige a existência de mecanismos de persuasão credíveis que possam ser accionados quando é detectado um desvio; e (iii) as reacções das empresas terceiras (concorrentes actuais e potenciais que não participam da coordenação) e dos clientes não deverão poder prejudicar os resultados esperados da coordenação. É imprescindível que as empresas tenham um entendimento comum relativamente à coordenação e quanto mais variáveis influírem na definição do comportamento concorrencial e quanto mais complexas e voláteis forem as condições de mercado, mais difícil se torna a existência desse entendimento comum.288 A CE fornece importantes indicações, sendo, assim, mais provável a coordenação em função (i) do número de participantes no mercado, uma vez que é “mais fácil coordenar o comportamento de um número reduzido de intervenientes”; 289 (ii) da natureza dos produtos, pois “é mais fácil coordenar os preços em relação a um produto único e homogéneo”;290 (iii) da estabilidade da oferta e da procura, porque “a coordenação de

286 Cf. n.ºs 31 a 38 das Orientações sobre Concentrações Horizontais. 287 Silva, Direito da Concorrência, 1263.

288 Ibid., 1264.

289 Cf. n.º 45 das Orientações sobre Concentrações Horizontais. 290 Ibid.

preços é mais simples quando as condições da procura e da oferta são relativamente estáveis”;291 (iv) da importância da inovação, na medida em que quanto mais importante for a inovação do ponto de vista concorrencial, mais difícil será a coordenação;292 (v) das características dos produtores, porquanto “as empresas poderão considerar mais fácil chegar a um consenso sobre as condições de coordenação se forem relativamente simétricas, principalmente em termos de estruturas de custos, quotas de mercado, níveis de capacidade e níveis de integração vertical”;293 (vi) das características dos clientes, pois que “a coordenação através da repartição do mercado será mais fácil se os clientes apresentarem características mais simples, que permitam que as empresas que participam na coordenação os distribuam facilmente”;294 e (vii) da existência de mecanismos facilitadores, que “facilitam a prossecução dos seus objetivos ilícitos, reduzindo a complexidade das condições de mercado, como é o caso dos mecanismos que aumentam a transparência ou facilitam a comunicação (...).”295

A coordenação precisa, ainda, de ser estável, sem comportamentos desviantes face à disciplina colusiva, com ameaças de retaliação credíveis (que inflijam, de forma oportuna, dano ao “prevaricador”) e sem possibilidade de reacção por parte dos concorrentes. Assim, para que a coordenação seja considerada estável, é necessário (i) o controlo dos desvios, uma vez que “só a ameaça atempada e suficiente impede que as empresas se desviem da coordenação”;296 (ii) a existência de mecanismos de persuasão, porque é “a ameaça de uma futura retaliação que mantém a coordenação sustentável”;297 e (iii) a incapacidade de reacção de empresas terceiras, posto que “o comportamento das empresas que não participam na coordenação e dos concorrentes potenciais, bem como dos clientes, não deverá poder prejudicar os resultados previstos da coordenação.”298

291 Ibid.

292 Silva, Direito da Concorrência, 1264.

293 Cf. n.º 48 das Orientações sobre Concentrações Horizontais. 294 Cf. n.º 46 Ibid.

295 Silva, Direito da Concorrência, 1265.

296 Cf. n.º s 49 a 51 das Orientações sobre Concentrações Horizontais. 297 Cf. n. º s 52 a 55 Ibid.

Além destes efeitos anticoncorrenciais, a CE acolhe ainda a teoria da eliminação de um concorrente potencial, fundamento para proibição de uma concentração quando (i) o concorrente potencial “exercer já uma influência restritiva significativa ou (...) existir uma probabilidade considerável de vir a transformar-se numa força concorrencial efectiva” e não existir “um número considerável de outros concorrentes potenciais susceptíveis de manter uma pressão concorrencial suficiente após a concentração.”299 Neste caso, na senda do entendimento do TJUE do acórdão Tetra Laval, não basta a alegação de que a empresa em causa já ocupa uma posição dominante, pelo que compete à CE demonstrar que uma redução da concorrência potencial é susceptível de reforçar uma posição dominante.

Um outro efeito anticoncorrencial de uma concentração horizontal poderá ser a criação ou o reforço do poder de mercado dos compradores nos mercados a montante. A entidade resultante da concentração “poderá obter condições mais favoráveis nos seus fornecimentos ou levar os fornecedores a praticar condições mais onerosas sobre os seus concorrentes.”300 Considerando que os efeitos da concentração poderão ser benéficos para os consumidores na medida em que as economias de custo sejam repercutidas no preço de venda da entidade resultante da concentração – assim, o mercado em que se produzem os efeitos horizontais mantinha uma concorrência efectiva –, para que ocorra um entrave significativo à concorrência efectiva será imprescindível que esta entidade possa baixar o nível de produção total ou utilize o seu poder de comprador face aos fornecedores para impedir o acesso dos seus rivais, restringindo a concorrência a jusante.

Para que da concentração resulte um risco elevado de aumento de poder de mercado e de este vir a ser exercido de forma duradoura, é indispensável que as empresas se encontrem escudadas por barreiras à entrada, definidas como “características específicas do mercado, que proporcionam às empresas estabelecidas vantagens sobre os concorrentes potenciais.”301 As barreiras à entrada podem assumir diversas formas,

299 Cf. n.º 60 Ibid.

300 Silva, Direito da Concorrência, 1267.

designadamente (i) obstáculos legais, que limitam o número de participantes no mercado; (ii) acesso a matérias-primas, infraestruturas essenciais, economias de escala e de gama, acesso a tecnologia e outros factores que dificultem a entrada a novos concorrentes; (iii) elementos que reforcem a posição firme de empresas estabelecidas no mercado, como a reputação e a experiência; (iv) elevados custos de transição para os consumidores; e (v) elevada capacidade excedentária.302