3. TÉCNICAS DE APROVEITAMENTO DE ÁGUA DA CHUVA EM COMUNIDADES
3.1. Efeitos do aumento da impermeabilização do solo na drenagem de água pluvial
Nas últimas décadas, o ritmo crescente de urbanização de áreas inicialmente com características rurais e com grande capacidade de infiltração, tem acarretado grandes modificações no ciclo hidrológico natural, conduzindo à ocorrência de situações de risco que chegam a pôr em causa a vida humana.
A progressiva impermeabilização dos solos decorrente do maior volume de construção e pavimentação é a principal responsável pelos problemas de drenagem de águas pluviais. Esta realidade origina uma redução de espaços verdes e consequentemente de flora capaz de absorver água através das suas raízes, uma significativa diminuição da capacidade de infiltração da água no solo, que têm como consequência o aumento do volume de água pluvial afluente aos sistemas de drenagem (Figura 10).
Figura 10 - Taxas de infiltração versus taxas de escoamento em função da área impermeabilizada, Fonte: Aquafluxus
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O aumento da quantidade de água aliado ao desenvolvimento dos sistemas de escoamento com a utilização de condutas e superfícies que facilitam a rápida movimentação da água promove alterações no tempo de concentração da bacia – tempo necessário para que toda a área da bacia contribua para o escoamento superficial na secção de saída – devido às grandes velocidades de escoamento. Esta diminuição do tempo de concentração torna-se mais evidente quando ocorrem chuvadas de curta duração, mas estatisticamente susceptíveis de originar uma maior intensidade de precipitação.
Os efeitos das alterações do ciclo hidrológico natural da água e sobretudo a variação do escoamento superficial, consequência de um menor tempo de concentração de cada bacia, resultam em dois efeitos negativos de particular importância para as redes de drenagem:
Caudais mais elevados correspondentes a chuvadas com ocorrência num menor intervalo de tempo;
Maior concentração de caudais nas redes resultante da rápida afluência devido à maior velocidade de escoamento.
Apesar da impermeabilização dos solos acarretar grandes impactos negativos na drenagem pluvial urbana, também a forma como as infraestruturas são projetadas e implementadas possui uma grande influência na alteração do curso de água. A ação antrópica nos recursos hídricos, tais como a edificação em leitos de rios, a construção e desenvolvimento da malha rodoviária, o estreitamento dos cursos de água por pilares de pontes e adutoras, constitui um grande obstáculo ao escoamento superficial, já que obriga a uma alteração da drenagem natural, forçando o encaminhamento das águas para passagens obrigatórias construídas como passagens hidráulicas, concentrando assim grandes massas de água numa secção que nem sempre garante um correto escoamento em situações de precipitação intensa.
A atuação conjunta destes fatores associada ao aumento de assoreamentos e depósitos de resíduos sólidos decorrente do aumento populacional, desencadeia modificações na morfologia dos canais recetores e na sua dinâmica natural, provocando graves impactos ao nível da garantia de um correto escoamento. Assim, como consequência da progressiva densificação das zonas urbanizadas, tem vindo a assistir-se nos últimos anos a um aumento da ocorrência de cheias e inundações provocadas pelo subdimensionamento dos sistemas de drenagem e incapacidade dos meios recetores no escoamento do crescente volume de água a transportar, especialmente perante fenómenos de pluviosidade intensa.
29 A definição de cheia e inundação não é consensual, sendo por vezes confundido como sinónimo um do outro, o que não é verdadeiro, já que todas as cheias provocam inundações, mas nem todas as inundações têm como causa cheias (Ramos, 2013). Estes conceitos podem tomar algumas variações consoante o contexto em que são abordados e de acordo com a entidade que os menciona. O significado mais restrito de cheia, preconizado por Chow em 1956, caracteriza-a como um fenómeno hidrológico extremo, natural ou induzido pela ação humana, com frequência variável e no qual ocorre um transbordo de um curso de água relativamente ao seu leito ordinário, gerando a inundação dos terrenos ribeirinhos. Por outro lado, pode definir- se inundação como um fenómeno hidrológico extremo, natural ou induzido pelo Homem, de frequência variável, que consiste na submersão de uma área normalmente emersa.
Assim, as cheias ou enchentes traduzem-se num alargamento gradual do leito do rio – leito de cheia – no qual existe um aumento do caudal do curso de água de uma forma morosa e previsível, mantendo-se em situação de cheia durante um período de tempo até que exista um escoamento natural. Por sua vez, uma inundação caracteriza-se pela submersão de áreas para além do leito de cheia (Figura 11) e pode apresentar um carácter temporário, como é o caso dos fenómenos meteorológicos de precipitação intensa, ou de carácter definitivo, como é o caso da inundação dos terrenos após construção de uma barragem ou do aumento do nível de água do mar.
Figura 11 - Área do leito do rio afetada perante situações de enchente e inundação, Fonte: Epagri/Ciram
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Consoante a sua origem e localização, as inundações podem ser categorizadas em quatro tipos: (i) inundações fluviais; (ii) inundações de depressões topográficas; (iii) inundações costeiras; (iv) inundações urbanas.
As cheias e inundações poderão ser mais ou menos gravosas, dependendo não só de fatores temporais como a velocidade a que evoluem e a frequência com que ocorrem, como também, do fator magnitude, ou seja, do volume de água acumulado e da altura atingida. Contudo, o risco associado a estas situações será tanto maior quanto maior for a exposição da população, infraestruturas, propriedades e atividades económicas a áreas inundáveis ou de leito de cheia.
As inundações urbanas são as mais gravosas e aquelas que envolvem maiores danos materiais (habitações, veículos, atividades comerciais, património cultural, etc) e perdas de vidas humanas, devido ao facto de nestas zonas haver uma maior exposição de bens e pessoas. Diferentemente dos danos materias, que com grande frequência são cobertos por seguros ou indemnizações, a perda de vidas humanas constitui um dano imensurável que se traduz numa sequela irremediável, constituindo um dos grandes propósitos para a mitigação destas ocorrências. Decorrentes de inundações e cheias, são ainda de salientar os impatos ambientais e de saúde pública, nomeadamente as doenças de veiculação hídrica que transportam agentes patogénicos ou poluentes químicos. A leptospirose, transmitida através da urina de rato, é uma das epidemias com maior taxa de ocorrência após este tipo de acontecimentos (Justino et al., 2011).