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3.7 – EFEITOS DOS APROVEITAMENTOS SOBRE OS RIOS A JUSANTE

No documento PEDRO MANUEL DA HORA SANTOS COELHO (páginas 122-127)

Nesta secção pretende-se analisar, ainda que de forma necessariamente resumida, os principais efeitos determinados pela construção e exploração de barragens, e consequente criação das correspondentes albufeiras, sobre a qualidade da água, nomeadamente a jusante dos aproveitamentos e com particular destaque relativamente às repercussões sobre a fauna piscícola.

A decisão de incluir esta secção no Capítulo 3 é suportada pelo facto de ao nível da análise de resultados serem posteriormente abordados alguns desses efeitos, pelo que se entendeu que deviam ser também incluídos no âmbito da revisão bibliográfica, de acordo com o anteriormente referido na Introdução do presente Capítulo.

Este tema, pela sua importância, tem sido tratado por diferentes autores e constituiu, logo no início da década de 1970, um dos estímulos fundamentais ao desenvolvimento dos

processos de modelação matemática da qualidade da água de lagos e albufeiras, em função da necessidade de compreender e simular o comportamento desses sistemas, bem como dos efeitos que determinam a jusante (ORLOB, 1983).

Os rios são sistemas complexos com características físicas, químicas e biológicas próprias. A construção de barragens determina, a montante, a passagem do regime lótico a lêntico e, a jusante, as características do rio passam a ser dominadas pelos caudais lançados a partir do aproveitamento (PETTS, 1984).

O efeito de barreira que a barragem determina impossibilita os movimentos migratórios de determinadas espécies, impedindo a sua reprodução. Mesmo no caso em que a barragem possa ser transposta, se estiver equipada com dispositivos para a passagem de peixes, a massa de água constituída pela albufeira poderá não ser o habitat adequado ao acolhimento dessas espécies migradoras (HENRIQUES, 1991).

Por outro lado, a inundação dos cursos de água a montante da barragem e a flutuação do nível da superfície livre na albufeira, são susceptíveis de comprometer zonas de desova, com as consequentes implicações ao nível da reprodução das diferentes espécies. Adicionalmente, a alteração da qualidade da massa de água, comparativamente à situação anterior à criação da albufeira, com particular destaque para a temperatura, é susceptível de determinar a migração para montante das espécies mais sensíveis (salmonícolas), que serão substituídas por espécies menos sensíveis (ciprinícolas), conduzindo a alterações das comunidades de ictiofauna, podendo estas alterações ser potenciadas pela introdução de espécies não autóctones.

A modificação do regime de caudais a jusante do aproveitamento é susceptível de determinar um conjunto de efeitos sobre as espécies piscícolas: a disponibilidade de alimento, os estímulos associados ao início das migrações, o sucesso dos processos de migração e de desova, a sobrevivência de ovos e juvenis, as necessidades de espaço vital e a composição das espécies, correspondem a aspectos que podem ser afectados (FRASER, 1972).

A este nível, a magnitude dos diferentes efeitos parece estar fortemente associada à taxa de variação dos caudais no curso de água, a jusante do aproveitamento. Em condições naturais não se registam variações tão rápidas e repetitivas dos valores do caudal, como as que se observam em função da normal operação do aproveitamento, nomeadamente se

água não estão, à partida, adaptados a estas variações, e as numerosas observações efectuadas em diferentes níveis tróficos indicam a ocorrência de diversos efeitos negativos associados às variações das condições gerais de habitat (LAUTERS, 1992).

Associada à alteração do regime de caudais está a modificação das condições de transporte sólido. Com efeito, a redução da concentração de sólidos em suspensão na água lançada para jusante determinará um aumento da sua capacidade erosiva, alterando as condições de habitat através do reajustamento da morfologia do rio e, consequentemente, do próprio escoamento. Adicionalmente, o aumento da erosão irá alterar a estrutura das comunidades bênticas, afectando as populações das espécies piscícolas dependentes destas comunidades.

Contudo, importa referir que alguns dos processos atrás descritos poderão ter efeitos positivos ao nível da ictiofauna. De facto, a regulação de caudais e consequente possibilidade de redução do número e da duração dos períodos de seca, é susceptível de minimizar a mortalidade de peixes, nomeadamente ao nível das fases iniciais do seu ciclo de vida (ovos e juvenis). Por outro lado, a redução da concentração de sólidos em suspensão poderá também ter efeitos positivos, possibilitando a diminuição da taxa de mortalidade, quer de ovos quer de estados larvares (PETTS, 1982).

Considerando os aspectos directamente relacionados com a qualidade da água, verifica-se que nos rios naturais esta é controlada, essencialmente, pelas características climáticas e geológicas da bacia hidrográfica, bem como pela própria ocupação do solo, que determina a afluência de cargas poluentes de origem tópica e difusa à rede hidrográfica. A construção de barragens e a criação das correspondentes albufeiras origina alterações físicas, químicas e biológicas na massa de água, conduzindo a que a água lançada para jusante apresente diferente qualidade, comparativamente à situação natural anterior à construção do aproveitamento.

São diversos os factores susceptíveis de determinar a alteração da qualidade da água represada, sendo que a estratificação térmica da massa de água desempenha um papel fundamental nesse processo, condicionando a qualidade da água lançada para jusante. Esta qualidade depende igualmente da profundidade a que se encontra colocada a tomada de água, factor determinante das características físicas e químicas da água extraída da albufeira.

Na maioria dos casos as albufeiras funcionam como reguladores térmicos e como sumidouros de nutrientes, determinando que as variações sazonais e de curto termo ao nível da qualidade da água, características dos rios naturais, possam ser suavizadas. Contudo, durante certos períodos do ano, a água lançada para jusante pode apresentar baixas temperaturas, concentrações de oxigénio dissolvido extremamente reduzidas e elevados teores de outros parâmetros, tais como ferro, manganês e sulfureto de hidrogénio, de acordo com o desenvolvimento dos processos referidos na secção 2.3.4 do Capítulo 2.

Estes processos são susceptíveis de ocorrer em presença de estratificação térmica e, nomeadamente quando a tomada de água é profunda, determinam a degradação da qualidade da água a jusante do aproveitamento, situação que poderá condicionar os usos a que a água se destina e comprometer, em maior ou menor escala, o normal funcionamento do ecossistema aquático.

A temperatura da água é extremamente importante no que se refere à influência sobre o ciclo de vida das diferentes espécies que se desenvolvem no meio hídrico, funcionando como um parâmetro regulador e condicionante, quer directamente, quer através das repercussões que determina sobre outros parâmetros de qualidade da água.

Se o lançamento de água para jusante dos aproveitamentos for efectuado a partir de tomadas de água profundas é expectável que, nos meses mais quentes do ano, essa água possua uma temperatura bastante inferior à da circulação natural. Esta situação, condicionada pelo perfil vertical de distribuição de temperatura na albufeira, função da estratificação térmica, poderá determinar uma diminuição significativa da temperatura da água no rio a jusante do aproveitamento. A magnitude dessa diminuição depende do balanço entre os caudais da circulação natural e os caudais lançados para jusante a partir do aproveitamento, sendo que, na maioria dos casos, o valor dos segundos é muito superior ao dos primeiros.

Assim, podem ocorrer mudanças cíclicas da temperatura da água a jusante do aproveitamento, associadas ao próprio ciclo de descargas. Adicionalmente, poderão mesmo verificar-se alterações das condições térmicas características do ciclo sazonal.

Estes potenciais efeitos podem ter diferentes repercussões negativas sobre as biocenoses que dependem do sistema hídrico, nomeadamente ao nível da fauna piscícola e com particular incidência relativamente às fases iniciais do seu ciclo de vida.

São vários os autores que têm referenciado esses efeitos. A título de exemplo referem-se alguns casos. Tourenq (TOURENQ e DAUBA, 1978), num estudo realizado em França, refere que em certas zonas de rios de planície, localizadas a jusante de aproveitamentos com elevada capacidade de regularização, o abaixamento da temperatura da água foi responsável por uma rápida diminuição dos efectivos de certas espécies, características de águas mais quentes. Sabaton (SABATON e LAUTERS, 1995), reporta-se ao facto da descida da temperatura da água dos rios, provocada pela descarga a partir de zonas profundas de albufeiras, poder determinar casos de sensibilidade de peixes e de invertebrados a essas alterações, bem como perturbações do desenvolvimento de ovos e estados larvares de certas espécies. Yogo (YOGO et al., 1997) refere a ocorrência de significativas alterações do ciclo de vida da fauna bentónica, em troços de rio a jusante de albufeiras, em resultado da descarga de águas com temperatura baixa.

Adicionalmente, Rodriguez-Ruiz e Granado-Lorencio (RODRIGUEZ e GRANADO, 1992) desenvolveram um estudo sobre os factores que determinam o início da migração para montante de três espécies ciprinícolas em rios espanhóis, tendo obtido resultados que indicam que o factor que determina esse processo é a temperatura da água. Assim, se esta baixar para valores entre os 12ºC a 14ºC o processo inicia-se, podendo determinar alterações sobre o ciclo de vida destas espécies em função do referido abaixamento da temperatura.

Deste modo, parece evidente que as alterações no regime térmico natural dos cursos de água a jusante de aproveitamentos hidráulicos, nomeadamente quando a tomada de água se encontra localizada a profundidades elevadas, são indutoras de efeitos negativos potencialmente importantes, que se manifestam através de perturbações no estado de equilíbrio dos ecossistemas.

Por outro lado, existem estudos que indicam que a redução da temperatura da água a jusante de barragens poderá favorecer algumas espécies características de águas mais frias. Alguns desses estudos foram já referenciados ao nível da secção 3.5.3, quando se procedeu à análise das aplicações do modelo CE-QUAL-W2 (ANNEAR e WELLS, 2002; HAGGARD e GREEN, 2002; COOK et al., 2003). Contudo, verifica-se que esse possível favorecimento se reporta a rios localizados a altitudes e/ou latitudes elevadas. Para além disso, haverá sempre que tomar em consideração outros aspectos relacionados com a qualidade das águas lançadas para jusante através de tomadas profundas, na medida em que essa situação é susceptível de condicionar a qualidade da água no rio a jusante do aproveitamento.

Com efeito, as alterações da qualidade da água armazenada nas albufeiras, devido à estratificação térmica e aos processos associados anteriormente referidos, podem ter efeitos negativos sobre as biocenoses a jusante do aproveitamento. O défice de oxigénio dissolvido e as elevadas concentrações de parâmetros como o ferro, o manganês e o sulfureto de hidrogénio, nas águas lançadas para jusante a partir de tomadas profundas, constituem factores que poderão condicionar o ciclo de vida de algumas espécies piscícolas.

Adicionalmente, as águas lançadas para jusante a partir de centrais hidroeléctricas equipadas com turbinas de acção, bem como as águas descarregadas através dos orgãos de descarga de cheias, podem apresentar uma sobresaturação de oxigénio dissolvido e de azoto dissolvido, que são susceptíveis de determinar efeitos negativos sobre os ecossistemas aquáticos a jusante. Em particular, o teor de azoto dissolvido nas águas descarregadas a partir de grandes albufeiras pode atingir 130% do valor de saturação, que corresponde a um valor muito superior ao tolerado pela maioria das espécies migradoras, que morrem por asfixia quando tentam progredir para montante (HENRIQUES, 1991).

3.8 – MEDIDAS DE RECUPERAÇÃO DA QUALIDADE DA ÁGUA. ALBUFEIRAS E RIOS

No documento PEDRO MANUEL DA HORA SANTOS COELHO (páginas 122-127)