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2. O PODER EMPREGATÍCIO NO CONTRATO DE TRABALHO

2.6 Eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais

De início, cabe ressaltar que tal teoria é o sustentáculo da aplicação, mesmo nas relações entre particulares, de Direitos Fundamentais, ainda que não sejam especificamente voltados para os trabalhadores. Sendo assim, por meio dessa teoria defende-se existir eficácia privada e vinculante daqueles Direitos Fundamentais citados no primeiro capítulo desta obra monográfica, como por exemplo, a intimidade e a honra.

Em nossa Carta Maior não há nenhuma disposição expressa no sentido de que as entidades particulares devem respeitar os Direitos Fundamentais. Isso acontece, por exemplo, na Constituição da República Portuguesa12. Contudo, mesmo havendo previsão expressa, não há consenso doutrinário quanto ao alcance e também à forma de vinculação a esses direitos. (SARLET, 2009, p. 375).

Não obstante, é possível, através de uma interpretação sistemática do Texto Constitucional, advogar que os Direitos Fundamentais, além de vincularem os poderes públicos, exercem sua eficácia também sobre particulares. (SARLET, op. cit, p. 374). Por óbvio, não está se tratando de disposições que são dirigidas especificamente aos órgãos estatais, como, por exemplo, a garantia constitucional do mandado de injunção (SARLET, op. cit., p. 376); nem àquelas que são rotulados pela doutrina de “específicos” (que, aliás, é como são considerados grande parte dos Direitos Fundamentais dos trabalhadores) (VECCHI, 2011, p. 112), em razão de expressa previsão Constitucional determinar sua aplicação na relação de emprego. A celeuma está na aplicação, em relações privadas, de Direitos Fundamentais que são considerados “inespecíficos”. (VECCHI, 2004, p. 89).

Ora, não é possível que se pense serem os Direitos Fundamentais oponíveis somente em relação ao Estado. Tais direitos sofreram uma evolução histórica, sendo que a sua aplicação não é igual à utilizada no Estado Liberal. Assim, a necessidade de entender e aplicar os Direitos Fundamentais de forma contextualizada com a vigente ordem jurídica (VECCHI, 2011, p. 111-113), coisa que já foi defendida de forma expressa quando se analisou a anteposição dos Direitos e Garantias Fundamentais no primeiro capítulo desta obra. Ademais a relação de emprego acontece dentro de uma estrutura de poder (e isso já justificaria a

12 Conforme art. 18, nº 1 da Constituição da República Portuguesa: “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente (sic) aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

possibilidade de aplicação dos Direitos Fundamentais frente a outros particulares), onde uma das partes é detentora de inúmeras faculdades, que podem afrontar Direitos Fundamentais de obreiros. (AMARAL, 2007, p. 80).

Igualmente, fundamenta Carlos Henrique Bezerra Leite, a nossa Carta Constitucional, ao mesmo tempo em que estabelece direitos, também estabelece deveres, que, por óbvio, não são oponíveis somente em relação ao Estado. Assim, resume o doutrinador:

[…] a Constituição da República consagra no Título II, Capítulo I, um catálogo não apenas de “Direitos”, como também de “Deveres” Individuais e Coletivos, a cargo, não apenas do Estado, como também da sociedade e das pessoas naturais ou jurídicas, sobretudo quando estas últimas desfrutam de posições econômicas, políticas e sociais superiores em relação a outros particulares. (LEITE, 2011, p. 25).

Na mesma linha de pensando é o entendimento de Felipe Cittolin Abal, que, citando Arion Sayão Romita, define ser o trabalhador detentor de

[…] direitos fundamentais em uma dupla dimensão: como cidadão e como sujeito de uma relação de trabalho subordinado. No momento em que o empregado ingressa em determinada empresa, ele não deixa de lado os direitos dos quais era titular anteriormente, mas adquire uma nova gama de direitos fundamentais como trabalhador. (2012, p. 3).

Diante disso, mais do que clara a ideia de que também os particulares, em suas relações privadas, vinculam-se aos Direitos Fundamentais, não apenas aos direitos trabalhistas específicos (coletivos ou individuais), mas também aos direitos que o empregado detém como pessoa. (ALMEIDA, 2012, p. 649). Mais uma vez, como já defendido no presente trabalho, a exegese do ordenamento jurídico pátrio deve ser diferenciada, fundada

[…] no contexto de um Estado de direito, que se pretende democrático e social, torna-se imperioso que a leitura da Constituição se faça em voz alta e à luz do dia,

no âmbito de um processo verdadeiramente público e republicano, pelos diversos atores da cena institucional – agentes políticos ou não – porque, ao fim e ao cabo, todos os membros da sociedade política fundamentam na Constituição, de forma

direta e imediata, os seus direitos e deveres. (COELHO, 2004, p. 7).

Dessa forma, verifica-se que não somente o procedimento de revista, utilizado por nossos empregadores, mas qualquer tipo de ação/omissão do empregador no exercício do poder empregatício está sujeito aos Direitos Fundamentais, ainda que sejam direitos considerados “inespecíficos”. Isso porque há inúmeros fundamentos extremamente fortes e que permitem o desenvolvimento da presente teoria. Entre eles,

a força normativa da Constituição; o reconhecimento do patamar hierárquico superior às normas constitucionais; o caráter unitário do ordenamento jurídico; o caráter objetivo (normativo) dos direitos fundamentais; a eficácia imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, 1º, da CF de 1988); o reconhecimento da dignidade humana como fundamento da ordem jurídica e a consequente necessidade de proteção integral da pessoa humana (art. 1º, III, da CF de 1988); a função social da propriedade, do contrato, da empresa e da livre iniciativa (arts.5º, XXIII; 170, caput, 186 e 1º, IV, da CF de 1988) e o valor social do trabalho (art. 1º, IV, da CF de 1988). (VECCHI, 2011, p. 118).

Em razão de todo o exposto, é de se estranhar que a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais não seja tida como regra geral e de aplicação corriqueira na doutrina e jurisprudência pátrias, ainda mais quando estamos tratando de uma relação de trabalho subordinado.

Ademais, é importante salientar que, não obstante as limitações trazidas pela supracitada doutrina, o procedimento de revista íntima é uma prática constante, em todos os tipos de empresas. Portanto, é imperativo que se verifique o conceito de revista íntima e o tratamento despendido pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho.

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