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A eficiência do transporte coletivo como elemento de uma política ambiental

2. O MODELO DE TRANSPORTE É UMA QUESTÃO AMBIENTAL

2.2. A eficiência do transporte coletivo como elemento de uma política ambiental

Nos países industrializados, o setor de transporte responde por 22% (vinte e dois por cento) do consumo de energia, destacando-se aí os automóveis como os maiores consumidores. Segundo Goldemberg e Villanueva (2003), ainda que o setor de transporte seja o que mais cresça nos países industrializados, os índices de crescimento do modal referido vêm diminuindo desde a década de 60 (sessenta), e isto repercute positivamente por duas constatações, a primeira é que o nível de aquisição

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de veículos vem arrefecendo por causa da oferta de muitas formas de deslocamento e em segundo lugar porque a eficiência dos veículos, devido aos novos incrementos tecnológicos, tem aumentado, tanto no que se relaciona ao consumo como na emissão de poluentes.

“Em 1999, último ano para o qual dados estão disponíveis, o setor de transporte era a fonte de, aproximadamente, 24% das emissões globais de gás carbônico relacionadas a fontes de energia (IEA 2001).”95

Entre 1990 e 2001, aumentou em 1,7 milhões de toneladas o despejo de gás carbônico na atmosfera advindo da queima de combustíveis fósseis do setor de transportes, isto representa um incremento em termos percentuais de 2,4% (dois vírgula quatro por cento) em onze anos.

“Mundialmente, projeta-se que emissões de gás carbônico no setor de transporte crescerão à taxa de 2,5% a cada ano até 2020.”96

As taxas de emissões de carbono projetadas para o setor em destaque nos países industrializados e em desenvolvimento são da ordem de 4% (quatro por cento) e 3,5% (três vírgula cinco por cento) respectivamente e o que chama a atenção é o que Goldemberge Villanueva observam

“Em contraste, a taxa de crescimento de emissões de gás e outros dos principais setores que contribuem com o efeito estufa está projetada para ser mais baixa.”97

Mesmo considerando que há políticas voltadas para a racionalização do uso de veículos no meio urbano, se o ritmo de 16 (dezesseis) milhões de unidades sustentado desde o início da década de 70 (setenta) se mantiver, em 2025 o planeta contará com uma frota de veículos de 1 (um) bilhão (GRÁFICO 4), considerando que o crescimento do consumo de combustíveis acompanha de perto o primeiro. Isto já não é apenas uma previsão, trata-se de uma constatação, pois para tanto basta lembrar que a China já começa a produzir veículos em fábricas autenticamente chinesas a partir de 2007, sem contar com as coreanas, as japonesas, as européias e as americanas que já estão nas suas zonas de processamento de exportação desde o início da década de 90 (noventa).

Nos países em desenvolvimento o transporte vem representando 14% (quatorze por cento) do consumo total de energia, isto importa numa relação de 51 (cinqüenta e 95

José GOLDEMBERG, Luz Dondero VILLANUEVA, Energia, Meio Ambiente & Desenvolvimento, p. 114.

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Ibidem.

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um) veículos por cada grupo de 1000 (mil) pessoas, enquanto nos países industrializados essa relação sobe para 513 para cada grupo de 1000 (mil) (GRÁFICO 5) (TABELA 27).

Pode parecer apocalíptico, mas

“Os sistemas de transporte podem afetar desfavoravelmente o meio ambiente de várias formas, tais como desfigurando a paisagem e gerando poluição sonora. No entanto, o impacto mais sério é a sua grande contribuição atmosférica. Como resultado da combustão interna no motor, os veículos automotores geram durante seu funcionamento diferentes gases poluentes, sendo os mais representativos CO2, NOx, CO, HC, Benzeno e Chumbo. Assim podemos atribuir ao transporte:

- Mais de 70% das emissões mundiais de monóxido de carbono (CO).

- Mais de 40% das emissões mundiais de óxidos de nitrogênio (Nox).

- Quase 50% dos hidrocarbonetos totais (HCs). - Em torno de 80% de todas as emissões de benzeno. - Pelo menos 50% das emissões atmosféricas de chumbo.”98

Podemos classificar em três os tipos de impactos causados pelas emissões dos veículos de motores a combustão; os locais; os regionais e os globais. Os locais são aqueles decorrentes da poluição provocada pela concentração do tráfego em áreas adensadas, principalmente nas horas de pico de tráfego. Os regionais, representados

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pelo fenômeno das chuvas ácidas, cujo responsável principal é o Óxido de Nitrogênio (NOx). São atribuídos aos aviões que descarregam em torno de 3 milhões de toneladas anualmente e ao contrário das emissões veiculares que se concentram próximo do solo, ficam em suspensão na atmosfera por longo tempo, contribuindo fortemente para a destruição da camada de Ozônio. Os globais são decorrentes, principalmente das emissões da frota veicular e o CO2 é o seu principal elemento, pois as emissões desse gás passaram de 19,3% (dezenove vírgula três por cento) para 22,7% (vinte e dois vírgula sete por cento) num período de 10 (dez) anos, com uma previsão de aumento para estas duas próximas décadas da ordem de 26% (vinte e seis por cento) do total das emissões (GRÁFICO 6).

A julgar pelo que foi exposto acima, torna-se imperiosa a necessidade de buscar alternativas de eficiência dos transportes coletivos urbanos na cidade do Recife, e esta passa necessariamente pela adoção de medidas relativas à priorização e exclusividade para fluidez dos ônibus que operam o sistema em discussão, uma vez que este modal continua sendo o responsável pela maioria absoluta dos deslocamentos na RMR. Será preciso então, além de identificar e aplicar novas tecnologias aos equipamentos que transportam esse contingente populacional, desenvolver políticas que desestimule o uso do automóvel nas regiões mais demandadas, caso contrário caminharemos para a insolubilidade como alerta Goldemberg e Villnueva

“Se a utilização dos automóveis nos países em desenvolvimento alcançasse os níveis dos países da OECD em todo mundo, os problemas

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ambientais (poluição urbana do ar, congestionamento e ruído) poderiam se tornar insolúveis).”99

TABELA 27 – VEICULOS E FRAÇÃO DA ENERGIA CONSUMIDA EM TRANSPORTE. PAISES FRAÇÃO DA ENERGIA VEICULOS / 1000 PESSOAS

INDUSTRIALIZADOS 22% 513

EM DESENVOLVIMENTO 14% 51,1

FONTE:José GOLDEMBERG, Luz Dondero VILLANUEVA, Energia, Meio Ambiente & Desenvolvimento, p. 117.

Vem de longe a preocupação com a questão dos fluxos na cidade do Recife. Fluxos que poderia ser das águas pluviais ou fluviais que empoçavam ou inundavam ruas, quintais, outras áreas, dos ventos que podiam trazer ou levar doenças, das marés, das pessoas e de sua produção de dejetos, da circulação delas, fosse a pé ou por outro meio.

No Capítulo V do livro “O Pântano e o Riacho. A Formação do espaço público no Recife do século XIX”, Raimundo Arrais dedica uma parte, a qual o mesmo dá o nome de “Geografia dos Miasmas”, para analisar como se deu o processo de implantação das medidas higienistas no Recife da metade do século XIX.

“A ênfase na atmosfera explicava-se pela convicção que vigorava na medicina do século XIX, apoiada nos princípios hipocráticos, segundo a qual era na circulação dos elementos da atmosfera que estava a condição necessária à vida humana.” 100

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José GOLDEMBERG, Luz Dondero VILLANUEVA, Energia, Meio Ambiente & Desenvolvimento, p. 117.

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Toda a comunidade médica da época fundamentava sua posição

“...numa teoria formulada na época das Luzes, a teoria dos miasmas, segundo a qual as matérias animais e vegetais, ao entrarem em decomposição, produziam gazes que subiam para a atmosfera, formando os miasmas. Esses miasmas, impregnando as águas e os alimentos, sendo absorvidos através da pele e dos pulmões, introduziam-se nos órgãos internos, provocando febres, infecções e desinterias. Era aos miasmas que se atribuía o aumento das enfermidades como a bexiga e a tuberculose, às quais vinham se somar, na década de 1870, uma variedade de outras moléstias, como as oftalmias, causadas pelo excesso de reverberação do sol.” 101

Daí em diante, o Recife foi palco de uma intensa campanha liderada, sobretudo por médicos, de controle dos mais variados tipos de atividade urbana, desde a produção do pão, passando pelo açougue, até a chegada de navios de outras terras. Sobre a questão da circulação nas ruas Raimundo destaca:

“Tudo que se movia na cidade, devia faze-lo sem impedimento, por uma razão de higiene, mas também de conforto e segurança daqueles que percorriam as ruas e andavam nos passeios. Entretanto, viver na cidade, locomover-se pelas áreas centrais, significava enfrentar os embaraços introduzidos por aquele corre-corre incessante de rodas, trilhos e canos no solo escasso da cidade. Companhias privadas disputavam trechos de terra, visando ao monopólio de fincar trilhos em certas ruas e estradas, pretextando estarem sendo prejudicadas em seus direitos contratuais. Aqui, a disputa dos trilhos pelo chão denunciava a disputa dos capitais aplicados nos serviços urbanos.”102

O tráfego nas ruas do Recife do século XIX já era um problema de difícil administração. Mas a administração da cidade se via num dilema, pois, se partia para a regulamentação da circulação de animais e veículos, poderia a Câmara impedir que a economia local se desenvolvesse. Foi considerando esta possibilidade que

“Cláudio Dubeux, que explorava o serviço de carruagens entre o Recife e os arrabaldes, divisando uma fenda no contrato assinado com a província, solicitou, em 1856, a reformulação do artigo 16 da postura adicional de 18 de julho de 1856, que permitia unicamente a carros e ônibus o trânsito nas estradas com parelhas de dois animais.”103

Como vemos, já era remota a necessidade de se estabelecer prioridade ao transporte coletivo.

A questão dos fluxos parece ser uma questão bem antiga, mas os “miasmas” de hoje parecem ser bem mais perigosos que àqueles do século XIX, e a dar crédito às elaborações dos especialistas sobre os cenários urbanos futuros, principalmente os 101 Ibid., p. 367. 102 Ibid., p. 406. 103 Ibid., p. 407.

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que decorrem do abuso das emissões veiculares, devemos então buscar, através da aplicação de uma racionalidade cuja matriz discursiva seja a da equidade, meios de ensejar eficiência aos transportes coletivos como resultados de uma política ambiental urbana mais ampla.

A experiência do Transmilênio na cidade de Bogotá (FIGURA 24) e a de Curitiba (FIGURA 25) no Paraná, são exemplos de como a eficiência nos meios coletivos de transporte pode ser interpretada como uma das variáveis das políticas ambientais.

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O IPEA, juntamente com a ANTP104, desenvolveu um estudo sobre o problema dos transportes urbanos nas grandes cidades brasileiras e concluíram que o modelo de desenvolvimento que amplia e adapta o espaço de circulação para o transporte particular têm levado a (o)

“- Produção de situações crônicas de congestionamento, com elevação dos tempos de viagem e redução da produtividade das atividades urbanas. No caso das duas maiores cidades brasileiras, estima-se que o congestionamento severo (quando a capacidade da via é atingida) esteja causando perdas anuais de 316 milhões de horas (São Paulo) e 113 milhões de horas (Rio de Janeiro). O impacto desta restrição de mobilidade e acessibilidade sobre a economia é enorme. Nas dez cidades pesquisadas no estudo IPEA/ANTP (1998), estima-se que as deseconomias resultantes do congestionamento severo (quando a capacidade das vias está esgotada) atingem a cifra de R$ 450 milhões por ano. Caso as demais cidades médias e grandes brasileiras sejam incluídas, este valor sobe para a casa de vários bilhões de reais por ano, sem contar as perdas devidas aos acidentes de trânsito (que também se estima em vários bilhões de reais por ano).

- Prejuízo crescente ao desempenho dos ônibus urbanos, principalmente na forma de redução da sua velocidade causada pelo uso inadequado do espaço viário pelos automóveis, com impactos diretos nos custos da operação, na contabilidade e na atratividade do sistema, e nas tarifas cobradas dos usuários. Em muitas cidades grandes do país, a velocidade dos ônibus está muito abaixo de 25 km/h, valor possível de se alcançar com tratamento adequado.... Em grandes cidades, um número elevado de pessoas gasta muito tempo nos seus deslocamentos por transporte coletivo, chegando em muitos casos a mais de 3 horas por dia no caso extremo de São Paulo...Adicionalmente, o tempo de acesso físico ao sistema é dificultado pelos problemas de oferta física e espacial, tornando o transporte público muito mais desvantajoso que o transporte particular....A necessidade de realizar transferências causa desconforto e aumento de custos e tempo de viagem....Finalmente, o congestionamento provocado pelos automóveis aumenta os custos operacionais dos ônibus, em valores que chegam a 16% no caso da cidade de São Paulo.”105

A TABELA 28 reúne alguns dados que revelam o dramático cenário urbano brasileiro, destacando os aspectos negativos causados pelas externalidades ou deseconomias, representadas pelos congestionamentos, pela poluição sonora e atmosférica, pela escalada crescente do consumo de combustíveis e uso inadequado do espaço viário.

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IPEA / ANTP, 1998.

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TABELA 28 – DESPERDÍCIOS ANUAIS EM DEZ CIDADES BRASILEIRAS DEVIDO AO CONGESTIONAMENTO SEVERO (VIAS COM CAPACIDADE ESGOTADA) 1998.

Quantidade anual Tipo de desperdício/excesso

Autos Ônibus Tempo de viagem 250 milhões horas 256 milhões horas

Espaço viário2 8,7 milhões m2 ---

Ônibus3 --- 3.342 veículos

Combustível 251 milhões litros 7 milhões litros Monóxido de carbono 122 mil toneladas 0,7 mil tonelada

Hidrocarbonetos 11 mil toneladas 0,3 mil tonelada

1.Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, João Pessoa, Juiz de Fora, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo. 2. Espaço requerido para circular e estacionar. 3. Ônibus que devem ser colocados em circulação para compensar a queda de velocidade causada pelo congestionamento, onerando os custos de operação. FONTE: IPEA / ANTP. 1998.

Mas a questão sobre se a eficiência do transporte coletivo urbano como variável de uma política ambiental é legítima, passa necessariamente por um conjunto de avaliações teóricas e práticas que levarão em consideração uma série de pontos, e estas últimas deverão considerar principalmente, através de análises de sensibilidade econômica de um determinado empreendimento os aspectos que dizem respeito aos cálculos dos custos econômicos dos projetos (Investimentos); dos custos de manutenção; da redução do custo operacional dos modais envolvidos; da redução do custo horário dos usuários; da evolução do custo operacional ao longo do projeto; da evolução nos custos do tempo de viagem; cálculo dos indicadores de viabilidade.

Por outro lado, no que tange àqueles elementos do discurso simbólico-justificador que legitima uma proposta de intervenção numa determinada estrutura urbana, fazemos nossas as palavras de Acselrad

“As propostas de reprodução adaptativa das estruturas urbanas tendo por foco o reajustamento das bases de legitimidade das políticas urbanas, procuram, por sua vez, refundar o projeto urbano segundo o modelo da eficiência ou da equidade. Em ambos os casos, estará em jogo a cidade como espaço de construção durável de pactos políticos capazes de reproduzir no tempo as condições de sua legitimidade. Ao promover assim uma articulação “ambiental” do urbano, o discurso da sustentabilidade das cidades atualiza o embate entre tecnificação e politização do espaço, incorporando, desta feita, ante a consideração da temporalidade das práticas urbanas, o confronto entre representações

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tecnicista e politizadoras do tempo, no interior do qual podem, ao mesmo tempo, conviver projetos voltados à simples reprodução das estruturas existentes como estratégias que cultivem na cidade o espaço por excelência da invenção de direitos e inovações sociais.”106

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