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5 DOIS DISCURSOS EM DISPUTA

5.2 Egoismo versus liderança pessoal

As afirmações de que Campos Sales estava usando o executivo para exercer seu poder pessoal foram usadas desde o início do período do governo, principalmente na imprensa. Apareceu pela primeira vez ainda em 1900, quando José do Patrocínio fez relações entre as vontades do presidente e as suas ações, durante o episódio já discutido anteriormente, do reconhecimento de Lauro Müller (PATROCÍNIO, 1900c, p.1). A intervenção do presidente nas eleições da Capital Federal também foi apontada como indício desse poder pessoal:

Uma das primeiras preocupações do despotismo pançudo do Sr. Campos Sales foi reduzir o Distrito Federal a coisa sua, dependência exclusiva de sua vontade pela demissibilidade do prefeito, equiparado assim ao chefe de polícia, e os dois com poder exclusivo de designar os nossos intendentes, os nossos deputados e os nossos senadores (PATROCÍNIO, 1900e, p.1). A fórmula que o presidente usaria para diminuir a importância do voto no cenário político era formar as câmaras dependentes do governo federal. Assim, segundo José do Patrocínio "o centro [da política] ficava no Catete: na câmara e no senado bastavam os corpos, o número para a formalidade das votações" (PATROCÍNIO, 1900g, p.1). Todas as decisões seriam resultado da vontade do Catete. José do Patrocínio afirmava que isso era uma inspiração castilhista: "Sufragar o que o governo reclama e endeusar o que ele tenha feito, eis o que o órgão da bancada castilhista estatui em nome da disciplina" (PATROCÍNIO, 1900g, p.1).

Em sua defesa, Campos Sales enumerou uma série de cartas que trocou com as lideranças dos Estados sobre a mudança no regimento da Câmara para a eleição de 1900 no seu livro Da Propaganda à Presidência. Primeiro com Minas Gerais, depois com a Bahia e, por último, com São Paulo. Nelas ele afirmava que a reforma do regimento foi aceita pela maioria das lideranças políticas e que era necessário organizar uma maioria que garantisse, logo no início dos trabalhos, a validade desse acordo. Para isso, Campos Sales pedia para que fosse observado um princípio: “a presunção, salvo prova em contrário, é a favor daquele que se diz eleito pela política dominante no respectivo Estado” (CAMPOS SALES, 1908, p.248).

Para Campos Sales, a única maneira de se chegar a esse ponto era através da presença de chefes partidários e total submissão dos seguidores a estes. As decisões deveriam ser tomadas por eles, e não por uma coletividade. Para que isso fosse possível era necessário um fortalecimento dessa figura central. “Os chefes que hoje aparecem nada dirigem: ao contrário, deixam-se arrastar mais ou menos constrangidamente pela impetuosidade de forças anárquicas, agremiadas em coletividades sem coesão” (CAMPOS SALES, 1908, p.245). Essa centralidade no jogo político, bem como o menosprezo ao papel de alguns líderes do momento (provavelmente Prudente de Morais, o que justificaria o manifesto oposicionista da sua ala do Partido Republicano Paulista) alteraram o panorama existente, causando descontentamento de parlamentares. Para Campos Sales o Congresso se tornaria mais moralizado se esvaziado das paixões de momento, ou seja, os partidos não seriam necessários para a democracia. “Que é que poderá sair de uma reunião assim agitada por intuitos e tendências tão desencontrados? Se não o desacordo, possivelmente um alvitre menos acertado, do qual poderá resultar o prévio sacrifício do prestígio moral do Congresso” (CAMPOS SALES, 1908, p.246). Nilo Peçanha confirmou que houve uma reunião e a aceitação por parte das lideranças da casa para que essa alteração fosse aprovada (BRASIL, 1901c, p.844)16. Esse processo deu poderes a parlamentares específicos. Para Campos Sales isso era apenas uma característica da sua liderança pessoal.

O mote do descontentamento da oposição é a alteração do jogo de forças na Câmara. Há uma demanda política por mais pluralidade na tomada de decisões. A oposição queria que o seu núcleo pudesse intervir diretamente nos processos políticos, claramente, em princípio, na verificação de poderes. Mais especificamente, é possível afirmar que o descontentamento vinha da falta de poder de Prudente de Morais naquele cenário. Como não tiveram esta demanda atendida, acusaram Campos Sales de despotismo, de ser autoritário. Esses diversos conteúdos usados para significar a supressão do direito de ação por parte dos membros do legislativo foram

16 Em outros momentos desta tese é possível verificar que Serzedelo Correia, Fausto Cardoso e Cassiano do

reunidas aqui sob o rótulo de Egoísmo ou poder pessoal. A articulação deste conteúdo com o discurso da política dos governadores se deu, principalmente, com a oposição significando esse poder pessoal como resultado direto da ação de Campos Sales durante a verificação de poderes. Segundo a oposição, este egoísmo de Campos Sales fez mais do que apenas enviar correspondências para realizar acordos com os governos dos Estados. Através de Augusto Montenegro o presidente interferiu diretamente na comissão de verificação de poderes para evitar que o Rio Grande do Sul tivesse a presidência da Comissão (BRASIL, 1901c, p.843)17.

A intenção do representante do Rio Grande do Sul era colocar na cadeira da presidência o general Valle, de modo que S. Ex. poderia livremente dirigir todo o trabalho da verificação de poderes, formando a Câmara a seu bel prazer. Mas isso, não conseguiria unicamente por causa da ação do Sr. Montenegro, que, concorrendo para a modificação do Regimento, garantia a cadeira da presidência ao atual Presidente (BRASIL, 1901c, p. 843).

Nem mesmo decisões corriqueiras e exclusivas do Legislativo escapariam desse poder pessoal. Na tribuna da Câmara, o deputado Edmundo da Fonseca sugeriu que foi Campos Sales quem escolheu as comissões, o presidente da casa e o líder da maioria18. José do Patrocínio, no

Cidade do Rio, fez coro a essa afirmação (PATROCIINO, 1900m, p.1). O resultado disso foi, segundo um discurso de Antônio Azeredo no Congresso em 1901, que não houve outro governo mais amparado pela casa do que este de Campos Sales19. A única oposição que recebia, segundo o orador, era individual da parte de Rosa e Silva (BRASIL, 1901d, p.966), que era presidente do Senado20.

O egoísmo de Campos Sales, aos poucos, sendo nomeada por esse grupo de oposição como impopular. Para Cincinato Braga isso estava levando a população ao seu limite. "A lavoura sucumbe exausta, a indústria fecha as suas fábricas, o comércio estorce-se nas mais calamitosas dificuldades!" (CONGRESSO..., 1901b, p.1). O próprio Campos Sales chegou a afirmar na sua mensagem de 1901 que tinha “a coragem moral de afrontar a própria

17 Como visto no capítulo 2 José do Patrocínio fez essa afirmação no seu jornal, A Cidade do Rio, ainda em 1900

(PATROCÍNIO, 1900b, p.1).

18 "A Câmara, Sr. Presidente, não se reuniu este ano, como fazia outrora, para eleger o seu leader, para indicar os

nomes dos Deputados que deviam fazer parte da Mesa e das Comissões. Um belo dia aqui apareceu o ilustre deputado pelo Pará o Sr. Augusto Montenegro, encarregado pleo Sr. Presidente da República para eleger a Mesa da Câmara e as Comissões. E a Mesa foi eleita e foram eleitas as Comissões" (BRASIL, 1900d, p.3125).

19 "Reconheço, Sr. Presidente, que, incontestavelmente, nesta terra, depois de 15 de novembro de 1889, nenhum

Governo tem tido maior prestígio, mais força do que o do Dr. Campos Sales, sendo para notar... O SR. ARTHUR RIOS - Isto é outra coisa; número de votos não importa prestígio.

O SR. A. AZEREDO - ... que tendo sido a República proclamada principalmente pelo elemento militar, os dois primeiros presidentes militares jamais tiveram no Congresso, desde a Constituinte, prestígio e influência iguais à influência e ao prestígio de que goza o Sr. Campos Sales" (BRASIL, 1901d, p.966).

impopularidade” (BRASIL, 1902a, p.771). Porém, essa crítica foi diretamente respondida por José Joaquim Seabra na tribuna da Câmara dos Deputados:

Como e porque, pois, é o Governo impopular? Pois a impopularidade se há de apreciar pelo clamor de alguns órgãos de publicidade desta Capital, se bem que respeitáveis, e por essa oposição, permita-se-me que o diga sem ofensa, às vezes apaixonada...

O SR. MALAQUIAS GONÇALVES - Mais apaixonado é o apoio. (Há apartes).

O SR. SEABRA - Já esperava por esses protestos e por isso pedi permissão para empregar o qualitativo 'apaixonada'.

Serão esses os elementos suficientes para que o historiador possa qualificar de impopular o governo atual?

Ninguém di-lo-há com justiça (BRASIL, 1902e, p.1143).

Campos Sales dedicou um capítulo inteiro do seu Da Propaganda à Presidência para comentar a sua relação com a imprensa. “Assim se caracterizou a oposição parlamentar: a da imprensa igualou-a na injustiça e excedeu-a na veemência do ataque. Nada disso, porém, conseguiu desviar-me do rumo que eu levava” (CAMPOS SALES, 1908, p.343). O presidente admitiu que utilizou o expediente de comprar matérias na imprensa da época já desde antes de assumir o governo. Durante a viagem à Europa, em 1899, o então presidente eleito pediu para Quintino Bocaiúva usar da sua influência com os jornais para impedir notícias ruins. Para Campos Sales, comprar apoio era parte da tarefa de governar o país.

Mas, os governos veem-se frequentemente forçados a agir, não só no sentido de preparar a aceitação de certas medidas e de encaminhar os acontecimentos, como também para evitar a ação funesta dos que intentam criar falsas correntes de opinião. E foi este positivamente a situação em que me achei. Encontrei em uma parte dos diretores da imprensa o arraigado preconceito de que o governismo é incompatível com a vida e a prosperidade do jornal. O êxito, a fortuna, a glória, a popularidade, estão do lado da oposição. O ataque ao poder, não importa por quê, é o mais estimulante atrativo à simpatia pública (CAMPOS SALES, 1908, p.348).

Segundo Campos Sales, aquele procedimento era uma situação normal21. A monarquia sempre recorreu “às colunas das gazetas industriais abertas à concorrência” (CAMPOS SALES, 1908, p.346). Mas mesmo com essa manobra a imprensa não defendeu o presidente da acusação de impopularidade. Pelo contrário, há uma série de questionamentos na imprensa justamente afirmando que este governo era o mais impopular que já havia acontecido22.

21 Não corrompi a imprensa. Acatei sempre a que merecia o respeito do público. Tive, porém, a mágoa profunda

de encontrar jornais e jornalistas desviados de sua grandiosa missão e que pareciam menos dispostos a ser instrumentos benéficos da opinião, do que exercitar a ignóbil indústria das opiniões (CAMPOS SALES, 1908, pp.348-349).

22 Teria, inclusive, recebido vaias quando deixava a presidência: “O ex-Presidente conseguiu escapar à silvante

manifestação, que lhe estava destinada nas duas vezes que foi ao Cassino, mas no dia de sua partida para São Paulo a vaia explodiu impetuosa e ululante, não podendo as oito bandas de música postadas na Estação Central abafar a

Se a articulação do discurso do egoísmo de Campos Sales com a política dos governadores se deu principalmente pela importância da verificação de poderes, como foi a percepção da oposição sobre o processo de 1903, sob o governo Rodrigues Alves? Repetir-se- ia o ocorrido no governo de Campos Sales? Por um momento, diversos meios jornalísticos apontaram um novo arranjo eleitoral. Lia-se no Jornal do Brasil em 9 de março de 1902:

Fala-se em diversos acordos, em forças políticas arregimentadas, em que, de um lado, se acham Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão e Rio Grande do Sul, e do outro a Bahia, Minas e São Paulo.

O reconhecimento, diz-se, obedecerá a quem melhor souber aproveitar as sessões preparatórias que começarão no mês próximo (MARCELO, 1902, p.1).

Segundo o Jornal do Brasil esse acordo seria costurado por líderes partidários (Rosa e Silva, Glicério e Pinheiro Machado) e determinaria como seriam levados os reconhecimentos. O editorial do jornal fala em moralizar o processo, garantindo a representação das minorias como estabelecido na constituição23. Segundo O Estado de São Paulo até mesmo o ministério

foi escolhido por este grupo em conjunto com o presidente – o que não seria uma boa solução: A organização do ministério obedeceu a um critério misto. Por isso saiu uma salada indigesta e que há de causar amargos de boca ao conselheiro presidente. Não se atendeu só às indicações parlamentares, nem só à política dos governadores, nem só à preocupação de dominar a hidra; para se atender a tudo isso, talvez não atendesse a coisa alguma... (CID, 1902, p.1).

Porém, alguns jornais seguiam acreditando que a política dos governadores seguiria valendo para o pleito de 1903 (caso d’A Província, de Pernambuco). O resultado destes arranjos seria, mais uma vez, um parlamento dependente do presidente. O jornal O País afirmava que o executivo atacava a independência dos poderes, mas o legislativo era permissivo o suficiente para aceitar a intromissão. “Efetivamente, cada dia que se passa, de legislatura em legislatura, o Congresso parece sentir-se orgulhoso em demonstrar que não passa de uma excrescência institucional, verdadeira chancelaria da presidência da República" (QUESTÕES, 1903, p.1).

Ou seja, já não importava tanto o que de fato ocorria nos bastidores políticos. A diferença entre as verificações de poderes de 1900 e 1903 foi, principalmente, quem era o

cólera do povo (...) Os autores da vaia apesar da intervenção policial ainda se animara a desacatar o Jornal do Comércio e a Notícia, que foram na imprensa diária os mais fortes sustentáculos do governo extinto” (CARTA, 1902, p.1).

23 A Gazeta de Notícias reafirmou isso na sua coluna Mexericos: “Parece que a antiga política dos governadores,

como norma para o reconhecimento de poderes, será substituída este ano pelo critério do ilustre chefe pernambucano (...) O Sr. senador Azeredo já conferenciou duas vezes com S. Ex. e ficou assentado chamar-se o Sr. Pinheiro Machado, para se combinar com S. Ex. o que se deve fazer no reconhecimento de poderes” (MEXERICOS, 1903, p.1).. Dunshee de Abranches citou algo parecido, seriam alguns chefes partidários que se tornariam fiadores da verificação de poderes.

responsável por decidir. Saiu o chefe do executivo para a entrada de lideranças legislativas. A demanda por participação no processo decisório foi tomada de forma diferencial pelos novos detentores desse poder através da garantia da representação das minorias. Assim, em teoria, novas regras do jogo político diminuiriam a ação da oposição no Congresso. Na prática, porém, seguiram as acusações de que a política dos governadores continuava causando a interferência pessoal de Rodrigues Alves na política local, bem como era responsável pelo domínio do executivo sobre o Congresso24.

Em suma, enquanto a oposição colocava as escolhas políticas de Campos Sales como demonstrações de despotismo, motivadas unicamente pelas suas preferências pessoais, pelo seu egoísmo, a ala situacionista afirmava que era uma maneira inteligente para lidar com o quadro político fragmentado gerado pela falta de unidade ideológica dentro do parlamento. Para o discurso da política dos governadores todos os malefícios gerados ao desejo popular, ou seja, ao voto dito livre, eram ocasionados pela intervenção de Campos Sales. Já para a política dos Estados era um arranjo habilmente feito pelas lideranças dos executivos federal e locais para que se reconhecessem os candidatos dos chefes locais.

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