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2.5 Hemoparasitas

2.5.1 Hemoparasitas da família Anaplasmataceae

2.5.1.1 Ehrlichia canis

Ehrlichia canis é o agente etiológico da erliquiose monocítica canina (EMC). É uma bactéria gram-negativa, envelopada com uma fina membrana externa rugosa, com aspecto cocóide ou elipsóide, porém altamente pleomórfica, sendo corada por GIEMSA e fracamente corada por Gram, podendo estar isolada ou agrupadas em cadeia. Seu desenvolvimento possui três estágios: corpúsculo elementar, corpúsculo inicial e mórula (MCDADE, 1990; MAVROMATIS et al., 2006).

Em 1935, Donatien e Lestoquard, no Instituto Pasteur na Argélia, descreveram o agente da erliquiose canina. Por meio da observação de esfregaços sanguíneos de cães febris e infestados por Rhipicephalus sanguineus, os pesquisadores observaram pequenos organismos semelhantes à Rickettsia no interior de monócitos, os quais foram nomeados como R. canis. Em 1945, Moshkovski renomeou o microrganismo como Ehrlichia canis, em homenagem ao famoso bacteriologista alemão, Paul Ehrlich (SILVA et al., 2010). A doença foi reconhecida nos EUA em 1962 (LITTLE, 2010) e obteve um significado importante durante a Guerra do Vietnã (1959-1975), sendo responsável pela morte de centenas de cães do exército americano (RIKIHISA et al., 1992; HARRUS; WANER, 2011). No Brasil, E. canis é uma espécie de patógeno comum em cães, cujo primeiro relato no país foi realizado em Belo Horizonte (COSTA et al., 1973; RAMOS et al., 2009).

A doença tem esse nome devido ao tropismo dessa bactéria por monócitos e linfócitos, sendo uma doença comum nos cães com distribuição mundial e reconhecida como zoonose (STICH et al., 2008; SAITO, 2009; DAHMANI et al., 2015). É conhecida também como pancitopenia canina tropical, doença do cão rastreador, febre hemorrágica canina e tifo canino. Esta bactéria causa uma doença febril sistêmica nos cães que geralmente é severa e pode ser fatal (SKOTARCZAK, 2003).

Ehrlichia canis é transmitida pelo carrapato R. sanguineus que se infecta após ingerir sangue com leucócitos parasitados por E. canis durante o repasto sanguíneo, geralmente na segunda ou terceira semana de infecção do cão (fase aguda), quando existe um maior número de monócitos e linfócitos infectados (RIKIHISA, 1991; DANTAS-TORRES et al., 2012a; MELO et al., 2016). A bactéria se multiplica nas células epiteliais do intestino do carrapato, nos hemócitos e nas células da glândula salivar, servindo de fonte de contaminação para o novo hospedeiro (Figura 15).

Figura 15. Hemócitos de Rhipicephalus sanguineus. A: Hemócito sem infecção. B: Hemócito com inclusão intracitoplasmática de E. canis. Fonte: http://www.currentprotocols.com

A transmissão de E. canis geralmente ocorre durante o parasitismo por ninfas e, ou, adultos do carrapato, o qual mantém a bactéria por transmissão transestadial (FOLEY et al., 2004; RAMOS et al., 2014) e de forma intraestadial por machos adultos do carrapato (GROVES et al., 1975). Estudos apontam que não ocorre a transmissão transovariana, indicando que o R. sanguineus é o vetor, mas não o reservatório da erliquiose canina (ALMOSNY, 2002) por isso o cão tem sido considerado o principal reservatório de E. canis (FOLEY et al., 2004; SAITO, 2009). Uma vez infectado, o carrapato pode transmitir E. canis por até cinco meses após adquirir a infecção (MAVROMATIS et al, 2006; DANTAS- TORRES, 2008). A transmissão também pode ocorrer por transfusão de sangue contaminado (COUTO, 1998; SOARES et al., 2017).

A proliferação da E. canis no hospedeiro se inicia com a aderência e invaginação da membrana plasmática da célula. Após penetrar na célula hospedeira, o parasito fixa no interior do vacúolo onde se multiplica por divisão binária, formando as inclusões intracelulares denominadas mórulas (Figura 16) (HARRUS et al., 1998; STICH et al., 2008).

Figura 16. Macrófagos caninos sadios e infectados por E. canis. A: Macrófago canino sadio. B: Macrófago canino com presença de mórulas de E. canis. Fonte: http://www.currentprotocols.com

Após a infecção do cão e o período de incubação de oito a 20 dias, esse parasito é encontrado em células do sistema monócito macrofágico do fígado, baço e linfonodos, caracterizado como sendo o ponto inicial de sua multiplicação (HARRUS et al., 1998; BORIN et al., 2009).

A EMC apresenta-se em três fases: aguda, subclínica e crônica (BORIN et al., 2009). A primeira ocorre após incubação de 5 a 15 dias, variando entre os animais a intensidade do pico febril, assim como também a gravidade dos sinais. A segunda fase ocorre elevados títulos de anticorpos, com alterações hematológicas mais discretas. Na terceira fase, os achados hematológicos são similares aos achados da fase aguda (ANDEREG; PASSOS, 1999; ALMOSNY, 2002). Os principais sinais clínicos observados são apatia, anorexia ou hiporexia, vômito, secreção óculo nasal, esplenomegalia, mucosas pálidas, hemorragias (petéquias, equimoses e epistaxe) e uveíte (NAKAGHI et al., 2008).

Segundo Sousa et al. (2010), E. canis não apresenta predileção por idade, sexo ou raça. A EMC parece ser mais grave nos cães da raça Dobermans, Pinchers e Pastor Alemão (TILLEY et al., 2003). Cães da raça Pastor Alemão aparentam ser mais suscetíveis, desenvolvendo uma forma mais grave, com maior morbidade e mortalidade quando comparado a outras raças (NYINDO et al., 1980). A suscetibilidade racial para cães pastores alemães é devido à depressão da imunidade mediada por células (SILVA, 2001), por isso essa raça apresenta maior gravidade clínica quando infectados (HARRUS et al., 1997).

A erliquiose canina é uma doença mundialmente distribuída em várias regiões geográficas, as quais incluem sudeste da Ásia, a África, a Europa, a Índia, a América Central

e a América do Norte. Isso tudo coincide com a prevalência nessas áreas do vetor R. sanguineus. Devido a sua natureza crônica é uma doença prevalente o ano inteiro nos países tropicais e subtropicais, enquanto no hemisfério norte é mais comum durante o verão (BERRADA; TELFORD, 2009).

No Brasil, a presença de cães infectados com E. canis tem sido demonstrada em estudos realizados em diversas regiões do país (DAGNONE et al., 2003; BULLA et al., 2004; TRAPP et al., 2006; AGUIAR et al., 2007; SOUZA et al., 2010; CARLOS et al., 2011), com a prevalência variando de 14 a 45% dos cães atendidos em hospitais e clínicas veterinárias. Observa-se que a prevalência para EMC tem aumentado em algumas regiões do país, com registro de ocorrências significativas nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Minas Gerais, Alagoas, Ceará, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal (VIEIRA et al., 2011).

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