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OBSERVAÇÕES DE UM DOMINGO QUALQUER

3.1. Eixão e Eixão do Lazer nos anos

Depois de 1997 as notícias sobre o espaço público se esvaem, levando a crer que o GDF diminuiu a periodicidade de eventos promovidos pela Administração da cidade no Eixão, ensejando consulta do acervo da Hemeroteca Digital da BN. Desta fonte de pesquisa, catalogaram-se 144 reportagens do jornal Correio Braziliense. Diante da análise, observa-se que, especialmente a partir de 2003 surgem questionamentos sobre a relevância do fechamento da avenida para os carros, levando em consideração a frota de crescentes de veículos e o suposto acréscimo no gasto de gasolina devido aos desvios de percurso, embora o trânsito seja escoado para regiões próximas como os Eixos L e W e demais vias, sistema de alta capacidade de absorção, principalmente aos domingos. “Correio do Brasiliense”, uma das colunas do CB, destaca a fala de moradora do Lago Norte que não entender o porquê de priorizar o pedestre, uma vez que “moradores da Asa Norte tem o Parque Olhos d’Água; os da Asa Sul, há muito usufruem do Parque da Cidade”, além de indagar “desde quando andar sobre tapete asfáltico, emissor de gases poluentes, faz bem à saúde?” e finaliza “já é hora de a comunidade questionar isso e adotar locais apropriados para caminhadas, já que eles existem em suas próprias quadras”. Perspectiva de quem certamente não frequentaria o lugar e não mora em lugar próximo ao Eixão. No entanto, tal perspectiva receberia apoio de outros leitores153.

Paralelamente a isso, surge boato de que a nova ponte do Lago Sul, a JK, seria transformada em “Eixão do Lazer”, trazendo à baila novas polêmicas154. Ainda naquele ano, seriam colocadas

reclamações sobre atropelamento de pedestre por ciclista, a reinvindicação por instalação de

153 CORREIO BRAZILIENSE "Eixão do Lazer", p. 3, 5 de janeiro de 2003, CORREIO BRAZILIENSE, "Eixão do Lazer", p.2, 9 de janeiro de 2003, CORREIO BRAZILIENSE, "Eixão do Lazer 1" e "Eixão do Lazer 2", p.2, 12 de janeiro de 2003

lixeiras, por maior policiamento, denuncia de veículos que circulariam pelo Eixão, mesmo a via estando fechada entre outros, desafios de convivência que surgem a partir do compartilhamento de lugares públicos na cidade.

Em 2004 a Secretaria de Esportes lançaria o programa “Colocando o Esporte nos Eixos”, cujo objetivo seria o “resgate do Eixão do Lazer aos moldes dos anos 80 e 90 e a introdução da prática esportiva nas cidades satélites”. Apesar da propaganda inicial, não houve divulgação de como e quando se desenvolveria o projeto. Em 2006, por causa das eleições, o Eixão teria trânsito liberado. A medida tomada a fim de evitar engarrafamentos no primeiro turno, não se repetiu no segundo. Nos períodos subsequentes as reportagens variavam com notícias de domingos típicos, de pequenas participações do GDF em campanhas (saúde, segurança pública) sobre a prática de corridas, caminhadas e a exposições de opiniões sobre fechamento ou não do Eixão aos domingos. A polarização da discussão ganhou volume com a obra de duplicação da Estrada Parque Industria e Abastecimento (EPIA ou DF 003) em 2008. Os argumentos para a abertura da avenida aos domingos para os carros eram: aumento da frota de veículos na capital; baixa participação da população nos domingos; insalubridade do asfalto para a prática de exercícios; gastos públicos para limpeza e segurança urbana; existência de área verde nas superquadras e nos parques para suprir a demanda de práticas esportivas, alegando-se que o modelo havia sido trazido de cidades com espaços de lazer saturados ou insuficientes, sendo inadequado à capital. O Eixão do Lazer, em primeira instância, traria transtornos de tráfego não compensados pelos benefícios.

Concomitantemente à discussão, o DER divulgava projeto para instalação de barreiras no Eixão e construção de ciclovia (Figura 46) nas faixas de domínio laterais à avenida central, medidas que

contribuiriam para a diminuição dos acidentes automobilísticos. O jornal menciona, ainda, parecer favorável do Iphan ao desenho. Niemeyer, contrário à intervenção, paralisaria o processo.

Para o presidente da ONG Rodas da Paz, a previsão daquela obra -de 35 milhões de reais155- seria

uma forma de acabar com o Eixão do Lazer, além de deixá-la mais desumana, visto que o pedestre perderia a liberdade de circular sem barreiras aos finais de semana. De fato, não tardaria a notícia

155 CORREIO BRAZILIENSE, "Adeus à faixa central", p.29, 9 de maio de 2008 46 Projeto do DER para o EIxão 2008

sobre o fim do Eixão do Lazer. Matéria de 15 de maio previa abertura gradativa para o trânsito de veículos para o próximo dia 25. Para aquele dia, o novo horário de funcionamento seria de 6h as 12h. Os protestos se deram, no entanto, pela fala de Alberto Fraga. O então secretário de Transportes dizia: “Não é possível causar transtorno no trânsito da cidade para nem 100 pessoas passearem com cachorrinho”156. O irônico pronunciamento teria sido baseado em estudo do DER,

não divulgado naquela ocasião, fazendo com que o CB noticiasse -a partir dali - matérias diárias fomentando debate e propondo enquete sobre a questão. O resultado seria noticiado em quatro dias depois. “Comunidade diz sim ao Eixão” 157, era manchete que apontava 55% de votos a favor,

29% contra e 15% favoráveis a redução de horário. À iniciativa somou-se abaixo assinado, organizado pela ONG Rodas da Paz158 que teria como efeito a desautorização do Secretário pelo

Governador, José Roberto Arruda.

O estudo do DER em 2008, referido por Alberto Fraga seria divulgado em 17 de maio e contabilizava -em domingo típico- 886 ciclistas e 1.025 pedestres na Asa Sul, 800 ciclistas e 1.576 pedestres na Asa Norte, a contagem teria acontecido no período matutino, em que é possível visualizar maior número de usuários, constatando-se pico entre 10 as 11h159. O órgão também teria feito

levantamento de fluxo da rodovia EPIA, estimando-o em 50 mil carros. Segundo o Secretário de Transportes, o sistema viário da cidade seria incapaz de absorver o impacto de tráfego acarretado pelo fechamento da DF002 e simultânea obra de ampliação da DF003, fato desmentido por Paulo César Marques, professor da UnB especialista em trânsito em “muito mais que 90 pessoas”. No mesmo artigo estariam presentes duas fotos, uma avenida com poucos carros e o Eixão do Lazer

156 CORREIO BRAZILIENSE, "Eixão será reaberto aos veículos nos fins de semana", p. 15 de maio de 2008. 157 CORREIO BRAZILIENSE "Comunidade diz sim ao Eixão", p.19, 19 de maio de 2008

158A ONG, criada em 2003, objetivo diminuir a violência e os acidentes de trânsito do DF, especialmente para aqueles que fazem uso de bicicletas.

fulgurante (Figura 47). Após peleja de uma semana, o jornal reportaria “Eixão do lazer preservado”,

divulgando decisão do governador de manter o Eixão para pedestres. O fato foi importante pois revelou-se teste para o espaço de lazer que parecia unanimidade na década de 1990, logo após sua implantação.

Dois anos depois, para o aniversário de 50 anos da Cidade, estariam planejadas atrações em diferentes locais da cidade, inclusive o Eixão. Nesse período é reforçada a visão de que o espaço de lazer seria uma conquista, sendo associado como “a nossa praia”, “patrimônio de Brasília” e presente no “cotidiano do brasiliense”. Ainda naquele ano seria oficializada a ampliação do horário de funcionamento de 6h as 18h, cujo encerramento descrito em norma era as 16h160.’

160 Como dito anteriormente, o Eixão do Lazer já funcionava até as 18h, mas não se sabe precisar a partir de quando o horário foi ampliado.

48 Corrida das Cadeiras de Escritório, 2014 49 Folder com programação para os 50 anos de Brasília. Edição típica do Eixão do Lazer é usada como fundo para logomarga inspirada nos painéis de Athos Bulcão.

Em 2013, o Eixão do Lazer seria suspenso pelo jogo de futebol entre Flamengo e Santos. A partida, no Estádio Nacional161, testaria o funcionamento da cidade na recepção da Copa das Confederações

no ano seguinte, que também suspenderiam as edições de lazer em dias de jogos. Apesar dessas interrupções ocasionais, o Eixão seria efetivado como modelo em âmbito distrital por meio da Lei Distrital Nº 5.630 de 2016, fator que estimularia a ocupação de outros espaços, especialmente nas cidades-satélites. Já em 2018 as alterações de percurso se fariam devido às obras de construção do trevo Triagem Norte162, que deslocariam o final o Eixão do Lazer das Superquadras Norte116/216

para 113/213, enquanto trecho Sul desabaria na altura das Superquadras 102/103 devido à falta de manutenção.

Nota-se, especialmente em reportagens a partir de 2010, o Eixão do Lazer como ponto turístico, espaço público e democrático de lazer, opção alternativa e complementar aos parques, conquistada pelos brasilienses (figura 49). Há ainda dissipação dos meios de divulgação dos eventos propiciada

pela entrada das tecnologias de internet 3G e 4G163 no país. Fato que fomentou redes sociais e

outros usos ligados à temática do lazer no Eixão, como a insólita Corrida das Cadeiras de Escritório em 2014 (Figura 48), cujos objetivos em nada se assemelham com as práticas esportivas das corridas

realizadas diuturnamente no mesmo espaço. Diante de todo panorama apresentado, é possível traçar linha cronológica de usos do Eixão como espaço público de lazer - iniciada ainda na inauguração da cidade, passando pelas políticas de governo de incentivo à atividades esportivas, às primeiras edições de lazer em 1971, em 1977, o debate de 2008, decreto de incentivo à constituição de ruas de lazer no DF entre outros.

161 O estádio se localiza no Eixo Monumental

162 Local em que estaria contabilizado o início da DF-002 pelo DER.

163 A tecnologia 3G, disponibilizada pela empresa Vivo entrou no país em 2004; a 4G foi instalada no país para a Copa do Mundo

1960

2020