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A elaboração de critérios comuns como ferramenta para fortalecer as evidências científicas e aperfeiçoar as medidas de mitigação

2 A POLUIÇÃO MARINHA POR RESÍDUOS PLÁSTICOS: DA (IN)DEFINIÇÃO CIENTÍFICA AO CONCEITO NORMATIVO

2.1 Reflexões sobre a estrutura conceitual dos materiais plásticos: apresentação das lacunas e divergências

2.1.1 A elaboração de critérios comuns como ferramenta para fortalecer as evidências científicas e aperfeiçoar as medidas de mitigação

Embora a confusão terminológica exemplificada possa gerar na comunidade científica o impulso imediato de buscar uma harmonização nos padrões de medição e definição36, é preciso refletir sobre as implicações desta abordagem. Suponha-se uma categorização dos resíduos plásticos em diferentes classes (utilizando o critério do tamanho da partícula, por exemplo). Isto “sugere implicitamente que os objetos

32 International Standardization Organization (ISO). Plastics - Definition. Essa definição se encontra no

item 2.702. No original: “material which contains as an essential ingredient a high molecular weight polymer and which, at some stage in its processing into finished products, can be shaped by flow”.

33 Online Browsing Platform (OBP), disponível em: <https://www.iso.org/obp/ui#search>, acesso em:

13 jun. 2019.

34 HARTMANN, op. cit., 2019, p. 1041. 35 Ibid., p. 1039.

pertencentes a uma mesma categoria são análogos, ao passo que aqueles colocados em diferentes categorias são de alguma forma distintos.”37

Essa forma de categorização (utilizando como métrica o tamanho da partícula) pode ser interpretada como similaridade também em relação às propriedades perigosas dos materiais classificados em uma mesma categoria, assim como similitude em seu comportamento ambiental38. Tal conotação já foi suscitada com relação à categorização dos microplásticos, fato constatado pelas inúmeras pesquisas que utilizam o tamanho como critério definidor.39

Uma das desvantagens dessa estrutura de classificação a ser considerada é o direcionamento das pesquisas para características irrelevantes em termos de efeitos nocivos, seja para o meio ambiente, seja para a saúde humana, ao mesmo tempo em que pode resultar no negligenciamento de algumas particularidades potencialmente perigosas dos materiais plásticos, cuja investigação é essencial.40

Neste sentido, é muito importante refletir que uma estrutura conceitual para o plástico “possui o condão de moldar o campo de pesquisa referente ao tema e, por conseguinte, afetar medidas mitigatórias”41, uma vez que a definição de métricas impacta diretamente em como o assunto é enquadrado no bojo das investigações técnicas, tanto em relação à percepção dos riscos como nas hipóteses a serem examinadas42.

O processo de concordância por uma terminologia comum pode ser especialmente constatado no campo dos nanomateriais, em que o debate se mantém em constante atualização desde o seu início na última década.43 Para os nanomateriais, a Comissão Europeia estabeleceu a recomendação para a sua definição com base

37 HARTMANN, op. cit., 2019, p. 1041. No original: Categorizing plastic debris into different classes (e.g.,

sizes) implicitly suggests that the items within one category have some “likeness” whereas plastics in different categories are somehow different.

38 Ibid., p. 1040.

39 Para uma melhor compreensão do debate em relação aos microplásticos, cf. FRIAS, J.P.G.L.; NASH,

Roisin. Microplastics: Finding a consensus on the definition. Marine Pollution Bulletin, v. 138, p. 145– 147, 2019.

40 HARTMANN, op. cit., 2019, p. 1041.

41 Ibid., p. 1040. No original: A framework can, thus, shape the research field and affect current and future

mitigation measures based on how it frames the problem.

42 Sobre a percepção de riscos e outros debates, cf. BACKHAUS, Thomas; WAGNER, Martin.

Microplastics in the Environment: Much Ado about Nothing? A Debate. Global Challenges, 2019.

43 A respeito do assunto, cf. RAUSCHER, Hubert, Towards a review of the EC Recommendation for a

definition of the term" nanomaterial, [s.l.]: European Union, 2014; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva;

EDELVACY MARINHO, Maria; DE OLIVEIRA FUMAGALI, Ellen. Nanowastes riscos para saúde humana e meio ambiente: diálogos entre o princípio da precaução e a sociedade de risco. Araucaria:

exclusivamente no tamanho da partícula, 44 ou seja, um critério estritamente formal, que não leva em consideração avaliações sobre a composição química da matéria e para alguns autores “não é cientificamente justificada, mas antes baseada em razões pragmáticas e de senso comum”.45

O relatório aponta ainda que a medição e distribuição dos nanoplásticos é algo desafiador em vários sentidos e que diferentes métodos de medição podem não fornecer resultados comparáveis. Com isso, a Comissão Europeia defende que se “deve buscar a harmonização dos métodos de medição” com vistas a assegurar que a aplicação da definição promova resultados consistentes, mas também obriga que o padrão estabelecido pelo relatório seja revisto, considerando que o “desenvolvimento tecnológico e o progresso científico avançam em alta velocidade”. 46

Quando se trata do plástico em sentido geral, o debate torna-se ainda mais complicado, pois é possível observar que a importante questão da necessidade (ou não) de uma estrutura conceitual padronizada para definição e categorização dos materiais plásticos é tangenciada em diversos estudos e, não raro, completamente negligenciada.

Por um lado, argumenta-se que a padronização de métricas pode ser benéfica para as atuais e futuras medidas de mitigação, na medida em que facilitaria a comunicação entre os atores envolvidos (comunidade científica, governos, indústria, ONGs, etc) e evitaria a confusão terminológica atual.47 Nessa lógica, uma definição universalmente aceita pela comunidade científica poderia harmonizar os métodos de amostragem, produzindo estimativas mais precisas das quantidades totais e principais contribuintes dos detritos de plástico no ambiente marinho, o que por sua vez poderia fundamentar a elaboração de regulações, legislações e políticas públicas específicas.48

44 EU COMMISSION. Commission recommendation of 18 October 2011 on the definition of nanomaterial

(2011/696/EU). Official Journal of the European Communities: Legis, v. 275, p. 38, 2011.

45 HARTMANN, op. cit., 2019, p. 1041. No original: the size boundaries are not scientifically justified but

rather based on pragmatic reasons and general consensus.

46 EU COMMISSION, 2011, p. 38-39. No original: Technological development and scientific progress

continue with great speed

47 HARTMANN, op. cit., 2019, p. 1041.

48 BRENNHOLT, Nicole; HESS, Maren C.; REIFFERSCHEID, Georg. Freshwater microplastics:

challenges for regulation and management, Freshwater Microplastics: emerging environmental

Por outro lado, existe uma ideia de que a unificação de terminologias poderia significar uma indevida restrição à liberdade científica, na medida em que o foco das pesquisas estaria restrito ao que é incluído na definição padronizada.49

É bastante razoável concluir que a formação de um consenso mínimo sobre a definição dos resíduos plásticos pode servir como uma plataforma de base científica para validar a geração de regulações nacionais, regionais e internacionais. Por isso, buscar um equilíbrio entre esses dois pontos de vista é o mais desejável. O ideal seria desenvolver uma estrutura conceitual adaptável, pragmática e que seja continuamente atualizada, sem ignorar/desafiar a liberdade científica, mas considerar a importância da ciência no suporte e fundamentação de estratégias para a proteção dos ecossistemas.50

2.1.2 A proposta de construção de um quadro conceitual para a definição e

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