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ARTIGO III: IDOSOS E TECNOLOGIAS DOMÉSTICAS: APROPRIAÇÃO

6.2 Análise dos fatores relacionados à apropriação das tecnologias domésticas

6.2.2 Elaboração de estratégias de uso

Na fala da “participante 5”, a idosa descreve que apesar de o tanquinho provocar desgastes nas roupas, o eletrodoméstico é necessário para limpeza de

55 sujidades de determinadas peças, que segundo ela a máquina de lavar não remove. Por sua vez, a máquina de lavar se adequa à lavagem de peças como as de cama e as de banho. A idosa criou então um processo, ou seja, um “modo de fazer” para higienizar a roupagem, utilizando os dois eletrodomésticos conjuntamente de maneira a deixar a tarefa mais eficiente possível, preservando a durabilidade das roupas e o resultado de limpeza esperado.

[...] não gosto muito de tanquinho não, porque ele estraga muito a

roupa [...] Então eu dou uma viradinha no tanquinho, tiro, coloco

no balde e “ponho” na máquina. Porque o tanquinho tem certas

roupas, igual roupa ele mesmo (cônjuge) que tem que esfregar o

bolso, na bunda porque às vezes ele senta em algum lugar sujo e a barra da calça que a máquina não limpa. A máquina não limpa essas roupas assim. A máquina é só para toalha, roupa de cama [...] (Participante 5)

A “participante 20”, assim como a “participante 5”, utiliza conjuntamente a

máquina de lavar e o tanquinho para higienização das roupas. Como pode ser observado na fala da idosa, houve a necessidade de criar estratégias para concluir a atividade, que necessitou ser fragmentada devido a um dano causado em sua máquina de lavar, cujo concerto era impossível de se arcar no momento, por seu alto custo financeiro. Consequentemente, a idosa criou táticas para continuar utilizando o equipamento, aproveitando sua competência para centrifugar as roupas, visto que a mesma não possuía força necessária para limpeza das peças, sendo necessário o uso do tanquinho para desempenhar a atribuição. O fato de utilizar o tanquinho para a limpeza das roupas é visto pela participante como vantajoso, pois o equipamento segundo ela,

“limpa melhor” que a máquina de lavar.

Eu bato a roupa nele (tanquinho), depois troco a água de novo até ficar limpinha né! É porque a minha (máquina de lavar) só

centrifuga. É que ela atrapalhou e eu falei “não vou arrumar não porque é muito caro”. Aí eu bato no tanquinho e uso ela para centrifugar. Para lavar ela não tem força. E, limpa melhor no

tanquinho (Participante 20).

De acordo com Norman (1993) o “modo de fazer” criado pelos sujeitos no desenvolvimento de suas atividades é resultado de suas experiências passadas, o que lhes permitiram o desenvolvimento de estratégias de uso dos artefatos.

Tentativa e erro, fez parte do aprendizado da “participante 7” no uso do liquidificador. Ao relembrar o primeiro contato com o eletrodoméstico, a idosa por

56 identificar os procedimentos que melhor atendia a atividade, a participante foi construindo estratégias de uso para o equipamento.

A primeira vez eu levei uma surra, fui bater a farinha sem colocar

água e “vruuuu” como se tivesse queimando. Aí eu pensei, tenho que molhar um cadinho, senão não dá. Fui vendo os erros e

aprendendo (Participante 7).

A idosa criou estratégias de uso à medida que explorou as funções do seu eletrodoméstico, ou seja, desenvolveu estratégias de uso para ter maior êxito na atividade. Luria (1988) afirma que os sujeitos que possuem alguma referência prática anterior com algum produto, tendem a tomar a situação anterior como referência diante de uma nova circunstância, visto que a experiência vivenciada funciona um

“guia” de ação, diante de uma nova situação (BÉGUIN; RABARDEL, 2000).

Experiência obtida por meio do uso de diferentes modelos de fogão à gás, foi

mencionado pela “participante 1” como parte importante do seu processo de

aprendizado e uso do eletrodoméstico. Para a idosa, os aparelhos que possuía foram

substituídos à medida que “ficaram modernos”, o que consequentemente, ocasionou as

trocas dos seus equipamentos.

Eu já tive vários fogões, esse é o mais moderno. Tive experiências dos outros velhos, eles (fogões) fica moderno, aí a gente foi

trocando (Participante 1).

Latour (1999) afirma que a modernidade possui vários sentidos. Contudo, todas as definições apontam para a passagem do tempo. Dessa forma, o que se considera moderno hoje, amanhã já não mais o será. Peixoto; Clavairolle (2005) corrobora Latour (1994) ao ressaltarem que as “novas tecnologias” são associadas pelo senso comum à novidade, sinônimo de recente. Ainda acrescentam que a incorporação de um artefato tecnológico depende tanto pela possibilidade de integração nos modos de vida dos sujeitos, bem como pela sua capacidade de adotar o “novo” em seu cotidiano.

Assim como a “participante 1”, experiências vivenciadas com outros modelos, fez parte do aprendizado e da incorporação do forno de micro-ondas na rotina da

“participante 7”. Ao descrever como foi o processo vivenciado durante o aprendizado do aparelho, a idosa afirma que foi “na dura cara de pau”, ou seja, por meio de

tentativas.

[...] na dura cara de pau. Comprei e vim mexendo. Já passei “pro” terceiro (micro-ondas) já. Vai mudando né!, aí “cê” vai e compra

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Ao contar como aprendeu a utilizar o fogão à gás, a “participante 10” disse ter ficado com medo, devido a grande chama de fogo produzida pelo eletrodoméstico, bem como de manusear o fósforo. A idosa afirma que por meio de tentativas aprendeu a usá-lo por necessidade. Atualmente, apesar de preparar refeições no equipamento, revela ainda ter medo, principalmente de manusear o botijão, recipiente onde está armazenado o gás.

Eu tinha medo né!, de ligar o fósforo. Agora eu ainda tenho,

quando a gente “cende” né!, dá aquele “fogarel”. Trocar o bujão de

gás, eu morro de medo [...] fui tentando. Aí eu fui aprendendo e

comecei a cozinhar no fogão [...] Porque eu não poderia ficar sem fogão né! (Participante 10).

Medo também foi descrito pela “participante 24”, ao descrever o sentimento

vivenciado com o primeiro contato quer teve com o fogão à gás, quando morava com a mãe. Hoje, já tendo incorporado o eletrodoméstico nas atividades cotidianas, a idosa acha engraçado a reação que teve na época e ressalta que o aprendizado se deu aos poucos, não tendo dificuldades atualmente. Diante da fala da idosa, o medo pode ser entendido pela ansiedade em experimentar um objeto novo.

Olha a gente era tão bobo. O primeiro fogão que a minha mãe de criação comprou, eu tinha medo. A gente tinha medo, engraçado [...] Mas, devagar, não é difícil aprender não (Participante 24).

Peixoto; Clavairolle (2005) ressaltam que o contato de pessoas idosas com

“novas tecnologias” provocam sentimentos diversificados nesta parcela da população,

por se tratar de artefatos que não na maior parte dos casos, não fez parte de sua cultura técnica ao longo da vida, exigindo deles um aprendizado específico.

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