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Elaboração do Guião das Entrevistas com a Estruturação das Perguntas em Função dos Objectivos

Músicos normovisuais Músicos do grupo da Bia:

II.2.3. Elaboração do Guião das Entrevistas com a Estruturação das Perguntas em Função dos Objectivos

As entrevistas aos músicos invisuais constaram de cindo grupos de perguntas, cobrindo cinco temas que, mais ou menos distintos entre si, participam e influenciam no modo como o invisual interage com os outros num contexto musical. Procurou-se estudar não apenas questões práticas decorrentes do trabalho de música de conjunto, mas também compreender como os invisuais pensam a sua utilização do corpo, como entendem o gesto, quer num sentido mais geral quer no contexto musical e como é que a percepção auditiva, como única fonte de informação, lhes forma a imaginação em termos musicais, da música que escutam e das pessoas que a fazem.

As entrevistas aos músicos normovisuais foram analisadas no espaço dedicado ao quarto grupo de perguntas, relacionadas com a interacção e sincronia dentro de um grupo. Cada grupo foi analisado separadamente e as perguntas foram formuladas tendo em conta a diversidade de experiência musical, o papel de cada músico no grupo e o contexto e género de performance dos músicos. Assim, irei mais adiante detalhar os objectivos específicos das perguntas feitas a cada músico.

Na construção das perguntas segui alguns aspectos da análise de Baily (1985) que nos seus estudos sobre diferentes instrumentos usados no Afeganistão procurou analisar o modo como os instrumentistas se relacionavam com o seu instrumento e qual o resultado cognitivo dessa relação, procurando entender a actuação dos mecanismos de controlo do aparelho motor que constituem o sistema sensoriomotor e de que modo a estrutura musical pode ser elaborada a partir dos factores sensoriomotores, sendo que qualquer conclusão destas questões teria de atender à morfologia do instrumento musical envolvido no processo, os padrões de movimento nele realizados e as

características da estrutura musical nele produzida (Baily: 1985, 244). Assim, procurei compreender a relação que o músico invisual tem com o seu instrumento, tendo em conta o instrumento tocado pelo músico e o contexto em que a performance musical ocorre, sendo que no contexto da invisualidade as características do sistema sensoriomotor restringem a acção e percepção às modalidades auditiva e cinestésica. Os temas abordados foram:

1. A relação do Músico invisual com o seu corpo; 2. O gesto na vida quotidiana;

3. O gesto na actividade musical;

4. Sincronia e interacção na prática de música de conjunto; 5. Percepção auditiva do movimento.

No primeiro grupo pretendeu-se abordar e comparar o comportamento a nível corporal nos diversos processos musicais nos quais estes invisuais estão envolvidos. Aqui o enfoque foi colocado a nível macro-estrutural, cobrindo toda a actividade motora referida pelos músicos invisuais. Além de se procurar conhecer quais as partes do corpo envolvidas na performance musical e a consciência que o músico invisual tem dessa sua actividade corporal, foi intenção compreender de que modo a prática de actividade física ou desportiva poderia ter influência na realização de movimento, tendo em conta os estudos sobre postura, consciência do corpo orientação e mobilidade de Larson (2006) e representação corporal de Imbiriba et al. (2006), aqui detalhados em I.1.3.

As perguntas foram as seguintes:

1. Como se movimenta o seu corpo quando faz música?

2. Dá atenção ao estado do corpo e suas acções durante um ensaio ou concerto; 3. Já lhe corrigiram alguma postura corporal adoptada durante a performance musical? 4. Pratica alguma actividade desportiva?

a) Qual a influência que essa actividade motora tem na sua performance musical?

No segundo grupo, o gesto na vida quotidiana, o objectivo foi comparar o conhecimento que os quatro músicos invisuais manifestam ter sobre o modo como os indivíduos normovisuais utilizam os gestos para comunicar, na sua vida quotidiana. Apesar de um destes músicos ser cego congénito e outro cego precoce, não tendo por isso em nenhuma ocasião tido a percepção visual do movimento corporal, procurou-se também conhecer como estes quatro músicos encaram a sua utilização dos gestos, dadas as suas vivências e aprendizagens através do contacto permanente com o mundo da normovisualidade (Peleg et al., 2006). Os gestos referidos pelos músicos foram

depois confrontados com a classificação de gestos, tendo em conta a sua função na comunicação de uma mensagem verbal, elaborada por Kendon (1996).

As perguntas deste segundo grupo foram as seguintes:

1. Que gestos vulgarmente usados pelos normovisuais conhece? 2. Utiliza gestos para comunicar no seu dia-a-dia? Refira quais;

3. Em que circunstâncias consegue perceber que alguém utiliza gestos como auxílio da sua mensagem verbal?

Para o terceiro grupo de perguntas, sobre o gesto na actividade musical, procurou-se compreender como os músicos invisuais pensam a expressividade musical e o papel que o gesto desempenha na comunicação de intenções expressivas. Enquanto no primeiro grupo de perguntas se procurava compreender como o corpo é sentido na performance musical e trabalhado na vida quotidiana, abrangendo toda a actividade motora, neste terceiro grupo o objectivo foi procurar conhecer como os músicos invisuais pensam a expressividade na música e como pensam que o movimento corporal pode ser utilizado para exprimir diferentes expressões emocionais. Sabendo que o movimento corporal diverge com a experiência e impressões individuais, bem como das características físicas básicas

De cada músico, e que desempenha um papel fundamental na produção de significado musical (Davidson & Correia, 2001), procurou-se averiguar se estes músicos invisuais têm consciência da relação entre a experiência física e a produção de significado musical percepcionado visualmente pelo público ou pelos músicos que tocam consigo.

As perguntas colocadas foram as seguintes: 1. De que forma se expressa musicalmente;

2. Utiliza gestos de forma intencional durante a performance 3. Que papel tem o corpo na transmissão da sua expressividade;

4.

De que forma mostra para o público diferentes expressões emocionais.

No quarto grupo de perguntas cada grupo de música de conjunto foi analisado de forma específica, tendo em conta o contexto e o género musical envolvido. No caso de Bia, os diferentes membros do grupo têm papéis diferentes; Bia dirige e as alunas seguem as orientações da professora. Nos grupos de Camila e Cristina todos os membros do grupo têm o mesmo papel, podendo qualquer músico tomar iniciativas em termos de acções musicais, por serem todos colegas e não haver hierarquização dos papéis, em que um elemento dirige e os outros obedecem

às suas iniciativas. Para os músicos invisuais foi porém estabelecida uma série de perguntas comuns, tal como nos outros quatro grupos, para tornar possível uma comparação entre as suas respostas sobre determinados fenómenos. Procurou-se conhecer quais as suas experiências de participação em grupos de música de conjunto, as suas opiniões sobre o entendimento vivido pelos grupos por onde tinham passado e quais os sinais utilizados como estratégias para sincronização e interacção.

As perguntas realizadas foram as seguintes:

1. A que grupos de música de conjunto já se associou e participou de algum modo; 2. Para cada grupo de que fez parte:

a. Descreva o método de trabalho utilizado durante os ensaios;

b. como descreve o entendimento musical entre os músicos numa situação de performance colectiva;

c. como qualifica a sua sincronia e interacção dentro do grupo: d. como são realizadas as entradas no início de uma peça; e. como são realizadas as entradas no início de cada secção; f. como é realizado o fim de um som no final da peça;

g. como é realizado o fim de uma secção;

h. que tipo de comunicação utilizam em situações imprevistas, por exemplo, um engano ou quando alguém quer puxar o andamento?

i. Como classifica o nível de eficácia da sincronia e interacção que estabelecem dentro do grupo. No quinto grupo de perguntas, sobre a percepção auditiva do movimento, o objectivo foi comparar o modo como os quatro músicos invisuais percepcionam as acções musicais em diferentes situações, através das suas descrições das imagens mentais que mais frequentemente se lembram de ter formado, quando ouvem um disco ou assistem a um concerto ao vivo. Foram colocadas essas duas situações de audição aos quatro músicos para tentar compreender se o movimento corporal está incluído no modo como os músicos invisuais percepcionam ou imaginam auditivamente a produção de som dos seus colegas ou outros músicos que escutam. A percepção de sons provocados pela actividade corporal em contacto com um instrumento ou pela movimentação do músico em palco, tem grande importância na interacção entre os músicos. Se estes quatro músicos disserem que conhecem as acções corporais que os seus colegas de grupo realizam em performance, isto teria implicações na forma como estes se relacionam e comunicam com os seus colegas normovisuais.

As perguntas foram as seguintes:

1. Em situação de concerto, onde se focaliza a sua atenção; 2. Que tipo de movimentos consegue detectar através da audição;

3. Qual a diferença entre a imagem que faz quanto à performance de um músico desconhecido da imagem de um músico que conhece muito bem corporalmente.

II.2.4. Caracterização de Cada Grupo e Metodologia Seguida para o seu Estudo