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3. CAPÍTULO 01: TRAJETOS CARNAVALESCOS: Uma etnografia nos

3.2. A eleição do cortejo real

Nos anos em que realizei a pesquisa, o Edital saiu entre os meses de outubro e novembro e a verba foi lançada posteriormente entre os meses de novembro e fevereiro59.

Enquanto as escolas se preparavam em seus barracões, a FCC organizava a Eleição do Cortejo Real do carnaval de Curitiba, composto pela eleição do Rei Momo, a Rainha e as 1ª e 2ª Princesas. Nos anos acompanhados, ela se realizou entre o final do mês de dezembro e início do mês de janeiro. Segundo depoimento do presidente da Comissão Executiva do Carnaval, no evento de 2009, tratava-se do “pontapé inicial do carnaval em Curitiba”.

Em meio à organização do evento carnavalesco, este primeiro passo nem sempre se deu “com o pé direito”. Em meu primeiro ano de campo a eleição se

59 Para o carnaval de 2013, a verba saiu faltando vinte dias antes da data do desfile.

deu no Clube Operário60, nos anos posteriores no Memorial de Curitiba61. Nos quatro cortejos que acompanhei, o primeiro foi o que contou com o maior número de público, mas à medida que se transferiu o local de realização para o Memorial, o número de espectadores pareceu diminuir.

Em nenhum dos anos da pesquisa houve grande divulgação do evento na mídia em geral62, nem mesmo identificações do evento em seu local de realização. Desta forma, a grande maioria dos presentes eram pessoas já envolvidas com o carnaval da cidade, em sua maioria identificadas pelas camisas das suas respectivas agremiações carnavalescas.

Figura 12: Eleição Cortejo Real. 2010. Foto: Caroline Blum.

Em 2010, enquanto circulava pela parte externa do Memorial de Curitiba, vi que muitas pessoas que passavam na rua ao lado (composta por uma série

60 Clube fundado no final do século XIX, localizado no centro histórico de Curitiba, na região do Alto São Francisco. Nos anos 80 era o local da eleição do Gala Gay, famoso e badalado concurso carnavalesco realizado entre travestis e transexuais, a ultima edição se deu em 1992.

Atualmente o clube encontra-se em estado deplorável, sem atividades, foi alvo de vandalismo e pichações.

61 Espaço da FCC localizado no Largo da Ordem, centro histórico da cidade.

62O próprio desfile carnavalesco não ganhou destaque na imprensa local (TV, sítios on line ou mídia impressa).

de bares e restaurantes dispostos pelo Largo da Ordem) se espantavam com o evento que lá acontecia e muitas me perguntavam “você sabe o que está acontecendo?”. De fato o evento se destacava das corriqueiras noites desta região, mas não era do conhecimento daqueles que não eram diretamente envolvidos.

Além de integrantes das agremiações, simpatizantes e familiares dos candidatos, estavam presentes também jornalistas, os membros da comissão executiva do carnaval e alguns vereadores, membros do júri que elege o cortejo da cidade.

Em todos os anos acompanhados o júri não possuía nenhuma personalidade do carnaval ou do samba, apenas membros da FCC e quase o mesmo quadro de vereadores. A presença destes políticos, convidados pela FCC, sempre nos chamou a atenção.

As inscrições para concorrer a um posto no Cortejo poderiam ser feitas anteriormente na sede da FCC ou no próprio local, no dia da eleição. Cada escola tinha pelo menos uma representante, mas também havia passistas que se candidatavam sem ter vínculo com as escolas locais63.

Já em 2009 alguns carnavalescos expuseram suas divergências em relação à escolha da “trilha sonora” do evento, embalado por uma banda de pop rock que tentou “animar a festa”.

Ao mesmo tempo em que o presidente da comissão de carnaval abria o evento dizendo que aquele momento seria “o pontapé inicial do carnaval em Curitiba”, ressaltando a importância da ação municipal, os carnavalescos queixavam-se dizendo que o concurso deveria ser animado por alguma bateria de escola, ou mesmo algum grupo de samba e pagode (o grupo que tocava no evento era do estilo “pop-rock”).

É bom lembrar que muitos dos membros das agremiações são músicos profissionais, envolvidos com samba, pagode, samba enredo e grupos de rap.

63 Em todos os anos a disputa principal se deu entre as candidatas, uma média de 10, para rei

momo havia apenas dois ou três candidatos.

Figura 13: Eleição Cortejo Real 2009. Clube Operário. Curitiba(PR). Foto: Larissa Sant’anna.

No ano de 2010 o local do evento mudou para o Memorial de Curitiba, local de convenções, localizado no centro histórico da cidade. No entanto, mesmo estando próximo a uma região com uma vida noturna agitada, aconteceu com muito pouca participação: somente alguns diretores das escolas, o pessoal da administração e poucos membros das escolas presentes.

Todos mencionavam a falta de divulgação do evento, tanto no âmbito da cidade, quanto até mesmo entre as escolas de samba. De fato, os transeuntes sequer poderiam imaginar que ali se estava promovendo um evento “de samba”, quanto mais “de carnaval”.

Desde o início do concurso ouvi muitos comentários negativos sobre a organização do carnaval pela FCC, especialmente de que ela não expressaria o “espírito” do carnaval.

Nesse ano, 2010, a divergência não se restringiu apenas nas

“conversas” de bastidores: durante a apresentação das candidatas: um reconhecido mestre de bateria foi à frente do palco esbravejando fazendo o conhecido sinal de reprovação, ou seja, com o dedão pra baixo... Além disso, a tensão ficou bem evidente com o comentário de um dos diretores da escola mais antiga da cidade: “Depois não querem que a gente brigue”.

Outro momento da festa, muito contundente, foi a eleição do Rei Momo em 2010, feita por uma mesa de jurados composta por vereadores e membros da FCC.

A reeleição de um dos candidatos foi recebida a vaias pelo público, numa clara desaprovação de toda a organização. Sem dúvida a situação estava muito polarizada na medida em que o candidato derrotado era, de fato, um sambista consagrado no “pé” e na “tradição” das escolas, enquanto o vencedor é uma pessoa recém-chegada ao mundo do carnaval local, como foi expresso por vários carnavalescos presentes.

Todo este “mal estar” ocorreu durante todos os anos da pesquisa, e pareceu expressar justamente essa relação conflituosa entre a municipalidade e o “mundo carnavalesco”. A resposta para a pergunta: “o que fazer com o Carnaval?” parece ainda ressoar nas tentativas de diálogo entre FCC e os carnavalescos.