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As restrições impostas pela natureza conduzem a estados de escassez, implicando necessidade de se fazer escolhas, que são regidas pelas preferências individuais.

Conforme explica Stiglitz (op. cit., 2000), no âmbito das escolhas privadas, a revelação das preferências individuais ocorre no processo de compra e venda mediado pelo sistema de preços, indicando o que e quanto deve ser ofertado, e permitindo alocações eficientes no tocante à produção de bens. Tal questão, contudo, não se apresenta do mesmo modo quando se trata das escolhas públicas, pois em um sistema político representativo as eleições contêm informação limitada sobre as preferências dos eleitores, o mesmo ocorrendo no tocante às consultas diretas, quando é comum, mesmo diante da existência de um posicionamento claro acerca de uma determinada questão ampla, o surgimento de pontos de vista divergentes acerca da forma de se tratar o assunto. Em geral:

A tomada de decisão coletiva é difícil porque diferentes indivíduos têm diferentes pontos de vista acerca de quanto deve ser gasto em bens públicos. Stiglitz (op. cit., 2000, p.158, tradução nossa)19.

Para o autor, há três motivos para a existência de preferências divergentes: gostos, renda, e impostos. Em relação aos dois últimos, argumenta que embora ricos e pobres paguem os mesmos preços por bens privados, e prefiram em geral maiores níveis de gasto, públicos ou privados, os ricos efetuam pagamento adicional por unidade monetária despendida pelo governo, o “preço do imposto”.

A existência de preferências individuais distintas e de recursos limitados remete à questão da forma adequada de se definir alocações públicas. Mueller (2003) mostra que um processo decisório baseado na unanimidade de opiniões, ao permitir a melhoria da situação de todos sem prejuízo de nenhum grupo, conduz a alocações não eficientes, e que escolhas baseadas na decisão da maioria (regra da maioria) possibilitam alocações Pareto-eficientes, com redistribuição de benefícios entre diferentes grupos. De acordo com o autor:

Então, mesmo se o surgimento dos estados for mais bem explicado como resultado de esforços cooperativos em benefício de toda a comunidade, do que como resultado do uso da força por um grupo para explorar os demais, é claro agora que o uso da regra da maioria para tomada de decisões coletivas deve transformar o estado, ao menos parcialmente, em um estado distributivo. Desde que todas as modernas democracias usam a regra da maioria para tomar decisões em um grau considerável – de fato o uso da regra da maioria é frequentemente considerado um marco da forma democrática de governo – todos os modernos estados democráticos devem ser estados redistributivos em parte, senão no todo. Mueller (op. cit., 2003, p. 83-84, tradução nossa)20.

19

Collective decision-making is difficult because different individuals have different views, for instance, about how much should be spent on public goods.

20

Thus, even If the emergence of states is better explained as cooperative efforts undertaken to benefit all members of community rather than as a power move by one group in society to exploit the rest, it is now clear

Ainda de acordo com o autor, a despeito da possibilidade de fornecer alocações Pareto- eficientes, a regra da maioria não se apresenta livre de problemas, já que a existência de grupos com interesses distintos nos regimes representativos pode induzir a formação de coalizões que redefinam prioridades em benefício de alguns e prejuízo de outros, levando ao surgimento de ciclos intermináveis e impedindo que se firmem escolhas, exceto arbitrariamente. Assim, pode não existir equilíbrio com a regra da maioria.

Stiglitz (op. cit., 2000) explica que, para se superar tal limitação, haveria necessidade de adoção de um mecanismo político com as seguintes características:

a) transitividade – se A prefere B, e B a C, então, A deve ser preferível a C;

b) escolha não ditatorial – como não há ocorrência de ciclos quando a escolha que prevalece é individual, uma forma de evitá-los seria a atribuir poderes ditatoriais a alguém, o que, todavia, é incompatível com o regime democrático, no qual as decisões não devem refletir a preferência de um individuo isolado;

c) independência de alternativas irrelevantes – os resultados de um processo de escolha devem independer da possibilidade de escolhas alternativas;

d) domínio irrestrito – o mecanismo de escolha deve funcionar independentemente da natureza das preferências e da quantidade de alternativas existentes.

Entretanto não existe mecanismo de escolha que atenda a todos os requisitos listados, de acordo com o Teorema da Impossibilidade de Arrow, de modo que não há como adicionar preferências individuais de modo a satisfazer todas as características desejáveis do mecanismo ideal de escolha, ou seja, não existe sistema eleitoral que permita aos indivíduos sempre revelar suas reais preferências.

A despeito das limitações expostas, existem condições sob as quais a regra da maioria gera resultados consistentes. De acordo com Black (apud Muller, op. cit., 2003), a regra da maioria produz resultado de equilíbrio quando as preferências do eleitor são do tipo single peaked (com único máximo), em um espaço gasto-utilidade. Se as preferências do eleitor forem unidimensionais (no sentido de se votar somente uma questão por vez), o equilíbrio estará na escolha máxima do eleitor mediano, ou, como define Mueller (op. cit., 2003, tradução nossa): “se x é uma matéria de dimensão

that the use of the majority rule to make collective decisions must transform the state at least in part into a redistributive state. Since all modern democracies use the majority rule to a considerable degree to make decisions – indeed the use of the majority rule is often regarded as the mark of a democratic form of government – all modern democratic states must be redistributive states in part, if not in toto.

única, e todos os eleitores têm preferências com único máximo definidas sobre x, então xm, a posição mediana não pode ser desprezada no contexto da regra da maioria”21

.

Ainda de acordo com o autor, na Figura 2, se for proposta qualquer alocação menor que M (gasto preferencial do eleitor mediano E3), todos aqueles cujas preferências estiverem à direita de M (que preferem gastos maiores), inclusive E3, optarão por M. Igualmente, se for proposta alocação superior à M, todos aqueles com preferências à esquerda de M (que preferem gastos menores), inclusive E3, votarão por M.

Figura 2 – Decisão do eleitor mediano.

Desse modo, uma das formas possíveis de se abordar a questão da alocação de recursos públicos é considerar as escolhas do eleitor mediano, que podem representar a demanda coletiva por bens e serviços providos pelos governos.

Um exemplo de aplicação do Teorema do Eleitor Mediano seria a determinação da magnitude do flypaper effect, conforme demonstra Cosio (op. cit., 2000). De acordo com o autor, o eleitor mediano maximiza sua utilidade (UEM) escolhendo uma combinação entre bens privados (X) e públicos (G), e sujeito a restrição orçamentária:

21

If x is a single dimensional issue, and all voters have a single-peaked preferences, defined over x, then xm, the median position cannot lose under majority rule”.

Quantidade de bens públicos

U ti li da de M

E

1

E

2

E

3

E

4

E

5 0

Max (UEM) = UEM(G,X)

s.a.: YEM + t . TRF = X + t . PCO . G

onde o lado esquerdo da restrição representa a renda mediana (YEM) mais a parte das transferências que cabe ao eleitor mediano (ou o que ele deixa de pagar sob a forma de impostos devido à transferência), e o lado direito a seu gasto total, representado pelo consumo de bens privados (X) e públicos, sendo t o custo pago pelo contribuinte para financiar uma unidade adicional de bem público, PCO o preço unitário do bem público, e G a quantidade do bem público consumida.

A condição de primeira ordem, ainda segundo o autor, pode ser escrita como:

Assumindo-se que , qual seja, que a receita total deve ser igual à provisão de bens públicos ofertada, e considerando a derivada total da equação (1) e a restrição orçamentária, pode-se obter:

A solução do problema de maximização conduz à equivalência teórica entre os efeitos do aumento das transferências para os governos locais e os efeitos dos aumentos na renda dos contribuintes:

Em termos de elasticidades a equação 2 pode ser reescrita como:

onde corresponde à elasticidade da despesa em relação às transferências governamentais, e à elasticidade da despesa em relação à renda dos contribuintes.

Desse modo, tem-se estabelecida a equivalência entre aumentos na renda privada e as transferências intergovernamentais prevista no Teorema do Eleitor Mediano, contudo tal relação não é observada, de modo que:

Como o termo (TRFt/Y EM

) é menor que 1, tem-se que:

Sendo então o flypaper effect medido como:

Ou seja, a diferença entre a elasticidade despesas – transferências e a elasticidade renda da demanda por bens públicos, tendo (TRFt/Y

EM

) menor que a unidade.

Assim, com base no Teorema do Eleitor Mediano, é possível estimar o efeito das transferências incondicionais sobre o gasto municipal.

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