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preços ou valores? Elementos de uma crítica a teoria dual do valor-trabalho Neste texto consideramos os valores marginais como preços No entanto, muitos autoresNeste texto consideramos os valores marginais como preços No entanto, muitos autores

consideram que os valores marginais fornecidos pela solução do problema dual de modelos de programação linear cujo problema primal é de minimização do tempo de trabalho, são “valores- trabalho” e não preços. Dentre estes autores, Michio Morishima é considerado como uma das principais referências.15

Cabe, portanto a pergunta: a minimização do tempo de trabalho por meio da programação linear fornece valores duais que correspondem a valores em tempo de trabalho (“valores-trabalho”) ou a preços? Uma análise do modelo de Morshima permite responder a esta questão.

Em seus trabalhos, Morishima emprega um modelo muito semelhante ao apresentado neste texto. O problema primal do modelo de Morishima é,

Minimizar Lx sujeito às restrições

x (BI – A) >= YI

BII x >= YII

onde,

L = vetor dos tempos de trabalho necessários à produção x = vetor das quantidades produzidas

BI = matriz de coeficientes técnicos dos meios de produção necessários para a geração de meios de

produção para a geração dos produtos de consumo

A = matriz dos coeficientes técnicos dos meios de produção necessários para a geração de produtos de consumo

YI = excedente dos meios de produção necessários para a geração de meios de produção para a

geração dos produtos de consumo

BII = matriz dos coeficientes técnicos dos produtos de consumo

YII = quantidade de produtos de consumo

E o problema dual é,

Maximizar ΛI YI + ΛI YII

sujeito às restrições ΛI (BI -A) + ΛI BII <= L

onde, além das variáveis já definidas, ΛI = valor-trabalho dos meios de produção

ΛII = valor-trabalho dos produtos de consumo

Nestas condições, efetivamente, se pode considerar que os resultados (ΛI e ΛI) fornecidos pelo

problema dual são valores-trabalho, na medida em que, nas condições ótimas, ΛI YI + ΛI YII = Lx

No entanto, o modelo de Morishima nem sempre fornece valores-trabalho. Ao não considerar alternativas técnicas, ele implica em curvas de oferta inelásticas em relação a quantidade produzida. Assim, os valores-trabalho dos produtos (ou seja, o tempo de trabalho por unidade de produto) não se alteraria no caso de um aumento da demanda (porque as técnicas de produção seriam sempre as mesmas), o que pode ser considerado como uma condição altamente restritiva à aplicação do modelo, na medida em que as curvas de oferta geralmente são crescentes. Para que esta condição possa ser relaxada, é necessário introduzir alternativas técnicas relacionas, especialmente, aos recursos naturais. Assim, se algum desses recursos for escasso, o modelo de Morishima já não pode ser aplicado para fornecer valores-trabalho. O mesmo ocorre quando produções conjuntas são consideradas neste modelo. Estas duas situações são analisadas a seguir.

Os recursos naturais

A consideração dos recursos naturais no modelo pode ser feita adicionando a seguinte restrição no problema primal,

x C <= R onde,

C = matriz de coeficientes técnicos que expressam a necessidade de recursos naturais por unidade de produto (inclusive de equipamentos e insumos industriais).

R = vetor que expressa a disponibilidade de recursos naturais.

É forçoso reconhecer que os resultados fornecidos pelo problema dual já não correspondem a valores-trabalho. Isto porque, neste caso a função objetivo do problema dual se torna,

ΛI YI + ΛI YII - r R

onde r é o vetor das rendas diferenciais geradas a partir da escassez dos recursos naturais. De acordo com o teorema da dualidade,

Mínimo Lx = Máximo ΛI YI + ΛI YII – r R

ou, seja, nas condições ótimas,

ΛI YI + ΛI YII = Lx + r R

A questão que se coloca é como denominar ΛI e ΛI fornecidos pela solução do problema dual.

Obviamente se trata de preços. Isto porque o que difere preços de valores-trabalho é o fato de que os primeiros incluem rendas (ou seja, transferências de valores-trabalho), enquanto que os segundos

expressam apenas o equivalente monetário ao tempo de trabalho. Marx considerou que apenas a equalização das taxas de lucro podem levar a diferenças entre preços e valores-trabalho, quando se trata de produtos gerados pelo trabalho. O que Marx não deu a devida atenção é que as rendas geradas pela escassez de recursos naturais entra na composição dos preços dos produtos que não empregam diretamente tais recursos (como os produtos industriais e os serviços). Por outro lado, o próprio Marx salienta n’O Capital, no que diz respeito às riquezas materiais, que o trabalho nada mais é do que a transformação de recursos naturais pelos seres humanos em produtos do seu interesse (por mais que eles recorram a meios de produção para isto). E como muitos dos recursos naturais são escassos (e de forma crescente nas sociedades contemporâneas), as rendas geradas pela sua escassez não podem ser negligenciadas na formação dos preços em geral16.

Embora, nos seja desconhecida a existência de trabalhos que utilizam o modelo de Morishima para analisar a renda gerada pela escassez dos recursos naturais em geral, há trabalhos que empregam o modelo de Morishima para analisar a formação da renda da terra17. Nestes trabalhos os

autores reconhecem que os resultados fornecidos pelo problema dual, efetivamente, não correspondem a valores-trabalho. Confusamente, porém, atribuem a estes resultados a fantasmagórica denominação de “valores-sombra” ou ainda a estranhíssima “valores hipotéticos”, o que evidencia que, ou eles não possuem a mínima ideia do que eles estão falando18 ou simplesmente

se recusam a reconhecer o que é formalmente demonstrado pela inclusão dos recursos naturais no modelo de Morishima.

As produções conjuntas

Produções conjuntas são observadas quando o emprego de um meio de produção gera mais do que um produto. Por exemplo, soja e trigo podem ser produzidos a partir das mesmas máquinas, na medida em que estas são aplicadas em cada uma destas culturas em épocas distintas. Outro exemplo, é a produção de carne gerada pelas vacas de reforma, além do leite, em um rebanho bovino.

16 SILVA NETO, B. A promoção do desenvolvimento sustentável e a teoria marxista dos preços. A importância das rendas diferenciais na teoria dos preços de Marx. Desenvolvimento em Questão, ano 16, número 44, p. 9-41, 2018.

SILVA NETO, B. Com Marx, para além de Marx : ensaios sobre riquezas, valores e preços. Curitiba : CRV, p.45-123, 2020.

17 CUNHA, M. S. da; HOFFMANN, R. Valores-Trabalho e Preços de Produção em Sistemas Econômicos Sraffianos com Renda Extensiva. Revista Brasileira de Economia Política, vol. 20, nº 2 (78), 2000.

HOFFMANN, R.; CUNHA, M. S. da, Valores-Trabalho e Preços de Produção em Sistemas Econômicos Sraffianos com Terra Homogênea. RBE, 55(1): 53-76, 2001.

18 Aliás, da mesma forma que os neoclássicos não são capazes de fornecer uma explicação clara do significado dos seus “preços-sombra”, como comentado no Apêndice I.

Ocorre que a análise da formação dos preços relacionada às produções conjuntas provoca fenômenos formalmente contraditórios com as teorias neoricardianas e neoclássicas. Por exemplo, considerando uma aplicação do modelo de Morishima ao caso da soja e do trigo produzidos pelas mesmas máquinas, podemos obter “valores-verdadeiros” (actual values, na teminologia adotada por Morishima) diferentes quando a mesma máquina é empregada para produzir soja em relação à quando ela é empregada para produzir trigo. Evidentemente, uma máquina produzida pela aplicação de certo tempo de trabalho não pode ter valores-trabalho diferentes.

Uma boa conversa com um agricultor que planta soja e trigo numa mesma área em sucessão e com as mesmas máquinas resolveria pode esclarecer esta questão. Pois esse agricultor pode perfeitamente contabilizar toda a depreciação das suas máquinas no custo da cultura da soja, o que equivale atribuir um preço nulo as máquinas quando elas são empregadas para a cultura do trigo. Evidentemente que este custo não indica a viabilidade ou não de nenhuma das duas culturas isoladamente, as quais, para tanto, devem ser consideradas como um sistema de cultura indivisível (ou seja, uma produção conjunta). Na verdade, este é apenas um procedimento contábil para expressar que a máquina é empregada pelas duas culturas que, vale salientar, formam um sistema indivisível. Assim, a confusão é provocada pelo fato dos resultados fornecidos pelo modelo de Morishima serem considerados como valores-trabalho, os quais evidentemente não podem ser diferentes para cada cultura na medida em que a fabricação de uma mesma máquina não pode exigir tempos de trabalho diferentes. No entanto, sendo os preços apenas os valores marginais que, portanto, depende das restrições específicas que os originam, estes podem assumir valores diferentes de acordo com cada cultura, o que significa apenas que os valores monetários diferentes de uma mesma máquina podem ser atribuídos ao custo de cada cultura para o cálculo do o valor agregado na unidade de produção.

Exemplo numérico:

Um exemplo simples de um modelo de produção conjunta é apresentado a seguir. Os números 1 e 2 colocados em subescrito representam técnicas alternativas para a produção de soja e de trigo.

O problema primal é,

Minimizar 4 soja1 + 12 soja2 + 3 trigo1 + 10 trigo2 + 2 insumos + máquina

Sujeito às restrições

demanda_insumos) - 6 soja1 - 4 soja2 - 3 trigo1 - 2 trigo2 + insumos >= 0

demanda_maquina_soja) - 3 soja1 - soja2 + maquina >= 0

demanda_maquina_trigo)- 2 trigo1 - trigo2 + maquina >= 0

demanda_soja) soja1 + soja2 >= 100

A solução do problema primal forneceu uma produção de 100 unidades físicas de soja apenas por meio da técnica 1 (eficiente), 40 de físicas de trigo, também por meio apenas da técnica 1 (eficiente), assim como 720 unidades físicas de insumos e 300 unidades físicas de máquina (hora- máquina, por exemplo). No entanto, as culturas não são concorrentes no uso da máquina, na medida em que esta é empregada em épocas diferentes, o que faz com que as exigências das culturas de uso da máquina não sejam aditivas. Por isto o modelo fornece apenas o resultado da cultura que mais emprega a máquina.

O problema dual do modelo é,

Maximizar 100 preço_soja + 40 preço_trigo + 0 preço_insumos + 0 preço_máquina_soja + 0 preço_máquina_trigo

Sujeito as restrições

soja1) preço_soja - 6 preço_insumos - 3 preço_maquina_soja <= 4

soja2) preço_soja - 4 preço_insumos - preço_maquina_soja <= 12

trigo1) preço_trigo - 3 preço_insumos - 2 preço_maquina_trigo <= 3

trigo2) preço_trigo - 2 preço_insumos - preço_maquina_trigo <= 8

insumos) preço_insumos <= 2

máquina) preço_maquina_soja + preço_maquina_trigo <= 1

A solução do problema dual fornece os preços de 19 unidades monetárias por unidade física de soja, 9 de trigo, 2 de insumos e uma unidade monetária de máquina por quantidade física de soja (máquina “para soja) e zero unidades monetárias de máquina “para trigo”.

Os valores agregados pela aplicação direta (trabalho “vivo”) de 8 unidades de tempo de trabalho aplicadas na soja e no trigo por meio das técnicas 1 e 2, assim como na produção dos insumos e da máquina, são descritos na tabela apresentada na próxima página. Como podemos observar na tabela as atividades realizadas pelas técnicas 1, indicadas pela solução do problema primal como as eficientes agregaram um valor monetário equivalente ao tempo de trabalho diretamente aplicado na produção. É interessante observar que este resultado foi obtido inclusive com a produção de trigo não computando a depreciação da máquina por ela utilizada (como indica a solução do modelo). Estes resultados mostram que a consideração de produções conjuntas no modelo de Morihima é plenamente compatível com a teoria do valor de Marx, desde que os resultados do problema dual sejam considerados como preços, e não como valores-trabalho, forma como eles são interpretados pelo autor.

A guisa de conclusão

Como mostra a discussão realizada acima, a afirmação de que valores marginais são valores- trabalho só pode ser realizada em situações muito específicas e pouco realistas. Isto, no entanto, não é de surpreender. Sempre que o valor marginal forem diferentes do valor médio, o que pode ocorrer em muitas outras situações além das discutidas acima, haverá uma diferença entre o valor monetário do produto e o custo equivalente ao tempo de trabalho para gerá-lo. Em todos estes casos, evidentemente, o valor monetário não pode ser considerado como valor-trabalho. O surpreendente aqui é o fato de muitos economistas, a despeito de toda evidência, ainda insistirem, muitas vezes de maneira obstinada e um tanto confusa, em considerar valores marginais como valores-trabalho e não preços.

Tabela: Valor agregado pela aplicação de 8 unidades de tempo de trabalho nas diferentes atividades e técnicas

insumos máquinas Produção 2 0,667 2,667 0,8 4 8 Valor da produção 38 12,667 24 7,2 8 8 Insumos 12 2,667 8 1,6

Valor dos insumos 24 5,333 16 3,2 Máquina 6 0,667 5,333 0,8 Valor da máquina 6 0,667 0 0

Valor agregado 8 6,667 8 4 8 8 soja1 soja2 trigo1 trigo2