• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II. REABILITAÇÃO COGNITIVA

2.2 Elementos da reabilitação cognitiva

Um dos elementos, de âmbito fisiológico, que fundamenta e incide diretamente sobre o processo e sobre os resultados da reabilitação cognitiva é a plasticidade cerebral ou neuroplasticidade. A neuroplasticidade é definida como a capacidade de adaptação estrutural do sistema nervoso que ocorre funcionalmente em qualquer fase do desenvolvimento humano, através de interações com o meio ambiente interno e externo (Abrisqueta-Gomez, 2011; Gindri et al., 2012). É um processo dinâmico, multidimensional, presente inclusive após lesões no sistema nervoso, e que determina a relação entre a estrutura e a função. Apresenta-se sob três aspectos: morfológico (regeneração

70

de fibras após lesão), funcional (habituação, sensibilização) e comportamental (aprendizagem, memória).

Como já apresentado por nós, a reabilitação neuropsicológica está debruçada no estudo e tratamento dos efeitos das lesões cerebrais, nas suas mais diversas formas, e no tratamento das disfunções cognitivas, comportamentais, funcionais e emocionais (Abrisqueta-Gomez, 2011). Assim, quando optamos por determinada estratégias de intervenção, é importante se considerar a neuroplasticidade, e seus aspectos relacionados à neurobiologia, para que os resultados dos programas de tratamento sejam potencializados e revelados na funcionalidade e qualidade de vida do paciente. Sobre isso, Abrisqueta-Gomez, (2011) e Mello, Muszkat, e Miranda (2006) sugerem sete princípios neurobiológicos que podem mediar a reabilitação cognitiva e favorecer a neuroplasticidade:

a. Postura assimiladora: esse princípio está associado ao ambiente e

materiais utilizados na avaliação e reabilitação cognitiva, pressupondo-se. que um ambiente flexível e recursos não verbais facilitem a expressão e potencialidades de ações e respostas, independentemente da lesão/défice cognitivo.

b. Planeamento instrumental: A reabilitação cognitiva deve ser

planeada de acordo com as dimensões das habilidades cognitivas, ou seja, iniciar com processos mais elementares, como os atencionais, e, em seguimento, recrutar habilidades mais complexas como planeamento e funções executivas. É necessário facilitar a reorganização sináptica através da identificação de rotas alternativas para haver a compensação de um défice, por exemplo.

c. Metacognição: A participação ativa do paciente no processo de

reabilitação é fundamental para a otimização dos resultados de reabilitação. A autoconsciência e organização são habilidades que devem ser estimuladas com o intuito de encorajar o processo de reabilitação, ressignificação e reavaliação de metas. Os processos top-down, em que os centros corticais superiores modulam o tipo de informação sensorial que será recrutada, otimizam a atenção através de processos endógenos, aumentando o grau de ativação do cérebro, facilitando a modulação dos processos cognitivos.

71

d. Modularidade: Esse princípio se relaciona com a medida de

especialização funcional dos hemisférios cerebrais. O cérebro direito refere-se predominantemente a estímulos não verbais, musicais, gestuais, enquanto o hemisfério esquerdo refere-se à linguagem, sequenciação e categorização racional dos eventos. Essa especialização funcional beneficia a recriação de alternativas para descrever e tratar os fenômenos.

e. Singularidade: diz respeito às diversas manifestações dos

transtornos, inerentes a indivíduos ou sociedades, e consequentemente, as abordagens terapêuticas devem ser adaptadas a cada contexto e expectativa. Para isso se faz necessário analisar a cultura, modelos familiares, motivação e expectativas de cada indivíduo a ser tratado.

f. Reserva funcional: todo o organismo vivo, e o cérebro

particularmente, possui uma capacidade de reserva funcional, de adaptação frente a insultos orgânicos e psicológicos. Pode se manifestar por meio da compensação sensorial intermodal (o aumento de uma modalidade sensorial frente ao comprometimento de outra – ex. visão/audição), ou por meio de compensação de área homóloga (ex. linguagem para o lado direito).

g. Complementaridade sensação-emoção-ação: É a capacidade de,

por exemplo, se ativar áreas motoras quando se imagina um movimento, ou áreas auditivas quando se canta silenciosamente. É facilitadora nos processos de reabilitação, uma vez que as ativações multissensoriais e simultâneas enriquecem a criação de novos padrões de conectividade e plasticidade.

Além desses, Gindri e colaboradores (2012) descrevem mais um princípio, que traduz um dos principais e mais árduos marcos de sucesso da reabilitação cognitiva: o princípio da transferência. A transferência ou generalização ocorre quando o treino de uma tarefa ou habilidade funciona como um facilitador, ocasionando a melhora de outra tarefa ou habilidade não treinada. Um dos fenômenos de transferência descritos, de grande relevância para esse trabalho, é o de comportamentos funcionais, e estão relacionados a medidas de êxito de reabilitação cognitiva e funcional que geram efeitos de melhora em tarefas não treinadas. Um dos desafios da reabilitação cognitiva é transferir os ganhos obtidos em contexto de clínica para a demanda do contexto real, o que pode estar relacionado com a forma de realização das atividades dos programas de reabilitação.

72

2.2.2. Abordagens e enfoques da reabilitação cognitiva

Os programas de reabilitação cognitiva podem ser executados através de duas abordagens e, a escolha de uma delas se faz a partir das características do cliente, suas reservas neurobiológicas, contexto e dos outros aspectos inerentes a cada plano de reabilitação. São elas: a) restauradora ou remediadora e, b) compensatória ou adaptativa (Abrisqueta-Gomez, 2011; Gindri et al., 2012; Tomás et al., 2010).

A restauradora ou remediadora consiste no treino enfocado nos défices dos mecanismos subjacentes (ex. memória, funções executivas). A partir da identificação de domínios cognitivos deficitários busca-se a melhora dos mecanismos biológicos das funções cerebrais através da reorganização dos circuitos neuronais prejudicados, ajudando o indivíduo na promoção da saúde (Andrade, 2008; Katz, 2014).

Já a compensatória ou adaptativa, é focada em tarefas e funções prejudicadas, como também nos casos em que a lesão não pode ser restaurada. São utilizados mecanismos alternativos e/ou habilidades que não estejam comprometidas para remediar o prejuízo cognitivo. Recursos externos são introduzidos para assistir os défices, como pagers, agendas, computadores, etc. Modificações e adaptações ambientais também podem ser consideradas nessa abordagem, especialmente para tornar o ambiente mais seguro para o paciente, conforme as dificuldades individuais (Andrade, 2008; Katz, 2014).

Quanto aos enfoques, as tarefas ou atividades utilizadas nos programas de reabilitação cognitiva podem ser planeadas através do enfoque uni ou multimodal, por meio de duas vias, bottom-up e top-down, respetivamente. A perspectiva bottom-up (uni modal) enfatiza a remediação de défices e presume que as funções metacognitivas se desenvolverão após as funções cognitivas de base estarem fortalecidas. Ou seja, é focado no défice cognitivo apresentado. De outra forma, o enfoque top down (multimodal) enfatiza o desempenho funcional deficitário, e baseia-se no desenvolvimento de estratégias cognitivas através da demanda ambiental, focando habilidades mais complexas. Ou seja, através do treino de atividades/ tarefas, prevê a melhora do défice cognitivo. É uma abordagem holística porque possibilita a análise de um conjunto de funções que trabalham para um resultado comum (Gindri et al., 2012).

73

2.2.3. Métodos de aplicação

No que concerne à aplicação da reabilitação cognitiva, os programas são realizados através de um conjunto de atividades, cujas tarefas podem ser apresentadas em formato de papel e lápis, jogos, audiovisual, ou ainda através de softwares para computadores. Por norma, os exercícios são aplicados em contexto laboratorial. No entanto, podem ser também realizados em outros contextos, como o contexto real ou virtual.

Documentos relacionados