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Elementos de base de uma sociedade tendencialmente sustentável

Capítulo I Fundamentação teórica

4. Sustentabilidade

4.1. Elementos de base de uma sociedade tendencialmente sustentável

Cada grande período da história intelectual é caracterizado por uma relação íntima e específica entre subjetividade e conhecimento, ou entre psicologia e epistemologia. O nosso período histórico é o de crise do paradigma moderno - marcado pela regulação pelo Estado, pela Ciência e pelo Direito - e de construção dos novos paradigmas que o substituirão na pós-modernidade (Sousa Santos, 2007a). Nesse sentido, a transição paradigmática proposta neste estudo é da regulação para a emancipação, dando vantagem para a emancipação na tensão com a regulação.

Somos uma sociedade pós-histórica com relação a representações que mediaram a sociedade moderna, e somos também, dialeticamente, uma sociedade pré-histórica com relação a outras representações emergentes, as quais começam a materializar-se historicamente. Se somos pré-históricos com relação a um próximo período da história, somos também pré-revolucionários. E, sendo assim, cabe aos cientistas pós-modernos dimensionar esta condição e buscar onde se depositam as perspectivas históricas e ganham materialidade as práticas pré-revolucionárias (Sousa Santos, 2006; Simonato, 2003).

Consideramos como os autores acima, que o ponto de partida para tal é a reconversão histórica da exclusão. E não há como processar-se a inclusão social no interior de uma história que se construiu e se regulou para ser excludente. Portanto, cabe a uma nova ciência integrar um projeto estratégico para colaborar com a construção de um corpus lógico que supere a modernidade (Sousa Santos, 2006).

A modernidade é caracterizada por esse autor pelo pensamento abissal, o qual produz e radicaliza distinções, separando o que tem direito à existência, em termos

53 científicos, políticos, sociais, culturais, filosóficos, teológicos etc., do resto. Ela é marcada pela não admissão da existência do outro lado da linha abissal: para “além dela há apenas inexistência, invisibilidade, e ausência não-dialética” (Sousa Santos, 2007b, p. 4). Nas palavras de Bauman, “a modernidade refere-se essencialmente à solução de conflito, à admissão de nenhuma contradição exceto de conflitos acessíveis à solução e à sua espera” (Bauman, 1997, p. 13). A pós-modernidade, implicada nessa lógica, caracteriza- se pela mudança da fixidez para o fluxo, exigindo, por isso, uma permanente vigilância sobre si própria. Essa auto-reflexividade distingue a emancipação pós-moderna da emancipação moderna (Bauman, 1997 e 1999).

O projeto estratégico para a construção de um corpus lógico que supere a modernidade é um projeto utópico, entendendo a utopia conforme definida anteriormente. E para concretizar-se, esse projeto deverá caminhar em direção a algumas frentes, dentre as quais destacamos duas: a construção de uma democracia radical, global, das relações sociais, reconstruindo os conceitos de solidariedade, justiça e responsabilidade; e o desenvolvimento de uma nova subjetividade, apta e desejosa de realizar essa construção.

Reconhecemos com Sousa Santos (2007a) que este projeto é tão urgente quanto inverossímil, considerando-se as condições sociais, políticas e culturais da atualidade. Primeiro, existe uma restrita consciência na sociedade a respeito das implicações do modelo de desenvolvimento em curso. Segundo, estamos em uma fase de transição paradigmática em que o paradigma emergente ainda é pouco nítido e pouco motivador, pois tem de enfrentar a oposição de um amplo leque de forças sociais, políticas e culturais interessadas em reproduzir o paradigma dominante. Por outro lado, sabemos pouco do futuro que queremos, sabemos muito melhor o que não queremos.

Outra dificuldade é que, embora assente na contradição e na competição entre o dominante e o emergente, o velho e o novo, os opressores não estão necessária e exclusivamente do lado do dominante e do velho; nem as vítimas se encontram necessária e exclusivamente do lado do emergente e do novo. Além disso, a maior parte dos opressores e das vítimas estará no lado do paradigma dominante nas relações sociais concentradas em torno de múltiplos espaços estruturais – “doméstico, produção, mercado, comunidade, cidadania, espaço mundial” (Sousa Santos, 2007a, p. 273), etc. Portanto, a experimentação social com formas alternativas de sociabilidade pode ser recusada inclusive pelos grupos sociais que, em teoria, mais se beneficiariam dela, mas, o direito de recusa é um dos direitos incondicionais nessa transição paradigmática.

54 As dificuldades referidas acima são agravadas na medida em que a transição paradigmática é uma luta de longo prazo enquanto as lutas sociais, políticas e culturais para serem credíveis e “eficazes”, têm de ser travadas no curto prazo. Por isso, as lutas paradigmáticas tendem a ser travadas como se fossem sub-paradigmáticas, isto é, como se ainda se admitisse que o paradigma dominante pudesse dar resposta adequada aos problemas para os quais chamam atenção. A sucessão das lutas e a acumulação das frustrações vão aprofundando a crise do paradigma dominante, mas, pouco contribuem para a emergência de novos paradigmas (Sousa Santos, 2007a).

Contudo, observamos que o paradigma emergente manifesta-se como a inquietude, que é ponto de partida, não apenas dos nossos desejos e anseios, mas também do nosso pensar e julgar, do nosso querer e agir. Nesse contexto, o problema central de uma sociedade tendencialmente sustentável é o de imaginar uma subjetividade suficientemente apta para transformar a inquietude em energia emancipatória. Uma subjetividade que queira empenhar-se nas competições paradigmáticas, tanto em nível epistemológico, quanto em nível societal, fazendo emergir formas alternativas de conhecimento que gerem práticas sociais alternativas, e vice-versa.

Os caminhos emancipatórios, e a construção das subjetividades emergentes, capazes e desejosas de percorrê-los, teriam como princípios orientadores: (a) um conhecimento baseado numa retórica dialógica; e (b) tolerância com o caos, por sua potencialidade para criar uma ordem emancipatória capaz de facilitar uma resolução progressista de transição paradigmática (Sousa Santos, 2007a) .

Os pontos de partida para essa transição, de acordo com o autor, seriam: o princípio da comunidade e o princípio estético-expressivo. O princípio da comunidade, marcado pela participação assente na solidariedade, justiça e responsabilidade. O princípio estético-expressivo, assente nas ideias de prazer, de autoria e de artefatualidade, na vivência das novas formas de sociabilidade, na superação de limites diversos, na construção de si, do outro e da sociedade.

Com o exposto acima, pretendemos situar os elementos de base de uma sociedade tendencialmente sustentável na construção de uma subjetividade apta e disposta a enfrentar competições paradigmáticas implicando uma ética assente na solidariedade, justiça e responsabilidade, imbricadas no prazer da autoria da própria construção, do outro e da sociedade. Uma subjetividade, também, que reconheça a

55 fluidez e infinitude desta tarefa, o que faz dela uma tarefa exclusiva e verdadeiramente humana.

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2ª PARTE

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