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Elementos de ordem pedagógica no discurso do clero

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CAPÍTULO 2 A COMUNIDADE EM ANÁLISE

2. Participação: Categorias do discurso do clero

2.2. Categorias de elaboração do discurso dos padres na paróquia

2.2.2. Elementos de ordem pedagógica no discurso do clero

A presença deste instrumento de caráter categórico norteará com mais exatidão a organização sistemática de nossa pesquisa. Alguns pontos desta análise se basearão em opções de caráter pedagógico visto que essa opção consciente proporcionará um entendimento mais coeso da proposta elaborada.

O Padre Rodrigues teve sua posse na paróquia Nossa Senhora das Graças em janeiro de 1999. A comunidade compareceu para recepcioná-lo com uma expectativa muito grande, pois o pároco anterior, em sua passagem pela paróquia, havia cativado grande parte da comunidade e esta sentiu muito a sua transferência. Em seu discurso, Padre Rodrigues se colocou receptivo a esta paróquia, pois há 19 anos atrás, ele havia trabalhado um tempo com esta comunidade. À medida que os meses passavam a relação pároco e comunidade se estreitava apesar de todas as atividades fora da paróquia que o Padre Rodrigues desempenhava, entre elas professor universitário. Sua postura quanto a coordenador e administrador da paróquia Nossa Senhora das Graças era de muita responsabilidade e coerência com seu discurso de participação, serviço, transformação, quebra de rotulações de poder, de hierarquia desnecessária e de igualdade entre todos. O conselho paroquial tinha poder de decisão, quando chegava a um consenso sobre tudo o que envolvia as atividades da paróquia.

“Devemos incentivar o jovem para participar com mais vontade, com mais esclarecimentos para ter clareza dos fatos, os jovens são o futuro de tudo, o jovem bem acompanhado hoje será um adulto crítico, que não se deixará enganar. Não podemos colocar bobagens, coisas sem importância na cabeça desses meninos. Quando falamos de Deus não podemos esquecer de dizer a esses jovens que Deus não é aquele bonzinho que concorda com todas as desigualdades, ao contrário, Deus nos fez inteligentes, e se, preciso for, lutarmos contra as desigualdades.” (Pe. Rodrigues)

Analisando o discurso do Padre Rodrigues, nota-se a preocupação que este demonstra em articular uma comunidade participativa, ativa, onde todos são importantes. Não escapa em suas ações a capacidade de inserir cada fiel como peça fundamental na construção de uma Igreja viva, com capacidade de transformar a prática comunitária e envolver a todos rumo ao que ele designa como construção social da realidade. Padre Rodrigues defende a idéia que cada um tem o seu saber “ainda que seja este saber meramente opinativo” (Freire,1983). E a partir desse saber, mesmo que empírico, faz suas colocações ainda que elaborado apenas a partir do senso comum. O fiel é considerado sujeito do processo que constrói uma verdadeira comum unidade.

A resistência ao novo, ao expor-se, ao opinar, ao criticar, a comprometer-se com a construção de uma forma diferente de ser Igreja, dificultou a continuidade das atividades desenvolvidas por Padre Rodrigues. As palavras geradoras em seu discurso, carregadas de sentido existencial começam a ser confrontadas por um teor emocional que gerou uma insatisfação de alguns fiéis, comprometendo as perspectivas de elaboração de sistematização de uma combinação de discurso e ação. É impressionante deparar com a quebra da operacionalidade de um processo, cuja pedagogia da comunicação não funciona, ou pelo menos, não acontece como esperado por quem o operacionaliza. Os valores individuais caracterizam a emoção, a espiritualidade individual acontece em primeiro lugar. E com esse posicionamento o fiel da paróquia Nossa Senhora das Graças sai em busca de outra paróquia que corresponda aos seus anseios quanto a essa interiorização. A comunidade não está preparada para um discurso progressista.

O primeiro ano de permanência do Padre Rodrigues na paróquia foi de aprendizado. A maioria dos fiéis não o conhecia. Com o tempo a participação, o compromisso cobrado por ele não estava sendo correspondido como se esperava.

Os fiéis não estavam acostumados àquela prática de falarem em público, darem suas opiniões durante a homilia, e cada vez mais sentavam longe do altar, com receio que o Padre Rodrigues os chamasse para opinar sobre algum assunto. Os diversos temas e argumentos apresentados pelo padre durante a homilia se baseavam em um caráter heterogêneo de informações e para se fazer entender ele enfrentava um grande desafio.

“Estamos chegando na Quaresma. Que tipo de reflexão iremos fazer neste período? Podemos nos organizar em pequenos grupos de vizinhos para acompanhar a campanha da Fraternidade. Fazer jejum pelo prazer de dizer que faz jejum não adianta nada aos olhos de Deus. Não comer carne toda 4ª feira e toda 6ª feira e continuar com essa carne guardada não adianta . Por que não fazer um gesto concreto? Pegar essa carne e dar para alguém que não pode, não tem condições financeiras de comer carne mais de uma vez por semana? Aí sim faz sentido o gesto de não comer carne. Precisamos entender o sentido dos gestos concretos para entendermos os ensinamentos de Deus, a fraternidade, a justiça, a igualdade” (Pe. Rodrigues).

Teria que se reavaliar o passado e levar em conta a forma como esse fiel que faz parte da fundação dessa comunidade concebe a idéia de Quaresma, avaliar o contexto atual que influencia com uma suposta emocionalidade. Fazendo uma análise da possível compreensão de uma realidade particular dessa paróquia, para se detectar as motivações efervecentes destes fiéis, através de elementos fundamentais, considerando os pioneiros como sujeitos e com uma identidade histórica e os que chegaram recentemente e são sujeitos desse momento da história pode-se construir uma nova concepção de viver e entender a Quaresma nos dias atuais.

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