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2. A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DE CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL

2.1. Elementos fundamentais de compreensão da crise estrutural do capital

Mészáros (2000), analisando a complexa sociedade contemporânea, enfatiza que vivemos uma crise estrutural que afeta drasticamente toda a humanidade. Para compreendermos tais fenômenos, é necessário que recorramos à leitura do real em sua totalidade, pois, conforme assinala o mesmo autor (2000), a “globalização” – termo utilizado pelos capitalistas para discursar que todos os bens produzidos pela humanidade no sistema do capital seriam divididos de forma igual – é um mito. O termo “imperialismo” é, portanto, mais apropriado que a globalização, visto que esta, segundo o autor, é um fenômeno. De acordo com Mészáros (2000, p. 13),

[…] atualmente, vemos oferecida a varinha mágica da globalização como uma solução automática para todos os problemas e contradições enfrentados. Esta solução é apresentada como uma novidade completa, como se a questão da globalização aparecesse no horizonte histórico somente há uma ou duas décadas com sua promessa de bondade universal, ao lado da outrora igualmente saudada e reverenciada noção da “mão invisível”. Mas, na verdade, o sistema do capital moveu-se inexoravelmente em direção à “globalização” desde seu início. Devido à irrefreabilidade de suas partes constitutivas, ele não pode considerar-se completamente realizado a não ser como um sistema global totalmente abrangente. É por essa razão que o capital procurou demolir todos os obstáculos que permaneciam no caminho de sua plena expansão e porque ele deve continuar a fazê-lo enquanto o sistema perdurar.

Marx (2008) atesta que, dentro do sistema do capital, que vive uma crise analisada como de caráter estrutural (Mészáros, 2000), intensifica-se a não apropriação pelo trabalhador daquilo que produz. A produção de mercadorias sob o domínio do capital é prioritariamente voltada para a comercialização, comprometendo o efetivo atendimento das necessidades humanas. Nesse preciso sentido, a satisfação de quaisquer necessidades – do estômago à fantasia, para lembrarmos Marx (2008, p. 57), na

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Mercadoria – passa, invariavelmente, pela mediação do mercado, do dinheiro, ou seja,

pela lógica incontrolável do capital.

Assim, conforme Mészáros, no capitalismo, a dimensão horizontal do trabalho pode existir desde que não atinja o lucro e a sua lógica, que parte da exploração do

homem pelo homem. Assinala que, anterior ao capitalismo burguês, a propriedade era

para o sujeito aquilo que se produzia e pertencia-lhe. Com o capitalismo em cena, o sujeito passou a subordinar-se à produção, e o sistema passou a impor a categoria do “ter” sobre o “ser”, reificando a riqueza, produzindo-a para a classe dominante em detrimento da classe trabalhadora.

Conforme Mészáros (2000, p.7), essa relação de dominação do capital sobre o trabalho, no contexto das relações de produção estabelecidas no sistema do capital, produz e reproduz as relações sociais. Nas palavras do autor citando Marx,

[…] é preciso ter em mente que as novas forças de produção e relações de produção não se desenvolvem a partir do nada, não caem do céu, nem das entranhas da Idéia que se põe a si própria; e sim no interior e em antítese ao desenvolvimento existente da produção e das relações de propriedade tradicionais herdadas.

Mészáros (2000, p. 8) expõe que o sistema orgânico do capital é uma totalidade em que todos os elementos da sociedade devem estar a ele subordinados, que hoje domina como produção generalizada de mercadorias. Essa produção reduz e limita o homem à força de trabalho necessário, degradando a humanidade. É um sistema que não considera seus antecedentes históricos, que tinham no intercâmbio produtivo uma forma de satisfação das necessidades humanas.

Para Mészáros, os aspectos que constituem a crise caracterizam-na como estrutural e não como cíclica, relacionando-os à produção. A crise, conforme o autor, não se restringiu somente a ramos ou esferas. Ela tem um caráter universal e um alcance global, não se restringindo apenas a um conjunto de países.

Portanto, o sistema do capital vive uma crise distinta das crises cíclicas, visto que tal conflito abala as estruturas do próprio sistema, ameaçando destruí-lo – daí que se faz cada vez mais notória “a precarização da força de trabalho humana como também a degradação do meio ambiente”. De acordo com o autor, na tentativa de superação da crise, o capital recorre a forças que lhe permitam perpetuar-se como sistema, através do

33 sistema ideológico e político de dominação, a exemplo das diferentes formas de manipulação de consciências.

Conforme Mészáros (2000), a contradição capital x trabalho aprofunda ainda mais o antagonismo das classes sociais, gerando riqueza para uns poucos e miséria para a grande maioria da população. Em meio a esse antagonismo, ideologias são disseminadas para que a população acredite na possibilidade de humanização do capital, através das suas múltiplas faces.

Leher (apud Jimenez, 2003), nessa mesma perspectiva, assegura que a educação não ficou impune aos ditames do capital para assegurar sua permanência de domínio mundial nas relações mercantis, sendo invadida por ideologias e modelos como forma de manter a (des)ordem do capital, além de ser responsabilizada por oferecer respostas a problemas como desemprego, questões ambientais, dentre outros.

Jimenez, por sua vez, discorre sobre as contradições da sociedade contemporânea, que emparelham os espetaculares avanços tecnológicos que poderiam proporcionar aos seres humanos “possibilidades fantásticas de fruição” aos problemas sociais dramáticos da contemporaneidade. Estes dividem interpretações e diagnósticos, seja do ponto de vista da crítica marxista, seja do ponto vista liberal ou neoliberal. Os últimos, na vertente da classe dominante, desqualificam a crítica radical ao capitalismo e apostam na gestão competente do Estado, ou seja, apostam que a solução para tais problemas está no gerenciamento eficaz das instituições e dos indivíduos (Idem, 2003, p. 1).

Nesse sentido, Mészáros assegura (2000, p. 11) que “hoje se tornou mais óbvio do que nunca que o alvo da transformação socialista não pode ser somente o capitalismo, deve ser o próprio sistema do capital”.

A transformação socialista como superação do sistema do capital é, segundo Mészáros (2000), a saída que a humanidade tem para continuar existindo. De acordo com o autor, “se não houver futuro para um movimento radical de massa [...], também não haverá futuro para a própria humanidade”. A possibilidade de continuidade da espécie humana é comprometida pelo capital. Ideologicamente, a classe trabalhadora não se percebe como sujeito revolucionário, como capaz de mudar os rumos da história

34 numa ação que promova a emancipação humana. Nas palavras do próprio autor, a classe trabalhadora não compreende que ela é a classe revolucionária por excelência capaz de construir uma sociedade “para além do capital”.

Tonet (2003, p. 201), consentâneo com Jimenez, lembra que, com a crise estrutural, a educação, assim como outros complexos sociais, está em crise. Porém, a análise desta divide opiniões. Os conservadores defendem-na como passageira, em que aspectos positivos devam ser considerados, cabendo, portanto, adaptar os indivíduos a essa nova situação. Os progressistas responsabilizam o agravamento dos problemas à política neoliberal, mas não indicam a superação do sistema do capital, e, sim, a sua humanização.

De posse desses elementos, traçaremos, a seguir, uma análise da Educação no contexto da crise estrutural do capital, rastreando, em grandes linhas, as políticas educacionais consolidadas a partir dos anos de 1990 e sua relação com a reprodução do capital, expondo as exigências do sistema para a formação humana nos moldes explicitados pelo Programa de Educação Para Todos, encaminhados pelo Banco Mundial e pela UNESCO.