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Elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos

CAPÍTULO 2. A TEORIA ESTRUTURANTE DO DIREITO: A INFLUÊNCIA DA

2.2 As relações entre norma jurídica, metodologia e ciência jurídica

3.3.1. Elementos metodológicos strictiore sensu

3.3.1.2 Elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos

Assim como Savigny, Müller professa a interdependência dos elementos de concretização, quais sejam: os elementos históricos, genéticos, sistemáticos e teleológicos. Para Müller, todos estes elementos relacionam-se diretamente com o elemento gramatical, e este com aqueles, pois, com exceção do elemento teleológico, lidam com a interpretação de textos.

Na esteira do TCF, Müller diferencia a interpretação histórica da interpretação genética316. A interpretação histórica lida prioritariamente com regulamentações anteriores,

fazendo o confronto das disposições vigentes com outras anteriores paralelas ou análogas, ao passo que a interpretação genética tem por objeto os materiais legislativos ou trabalhos

313 Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. pp. 73-74. Os artigos citados por Müller

são: art. 4º (1) A liberdade de crença, de consciência e a liberdade de confissão religiosa são invioláveis. Art. 52

(1) O Conselho Federal elege o seu Presidente por um ano.

314 Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. p. 73.

315 Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. p. 75.

316

A denominada interpretação genética sempre esteve ligada à interpretação histórica. A interpretação genética sempre foi considerada apenas outro fator da exegese, mero desdobramento da interpretação histórica, convivendo ambos os elementos sob a mesma denominação geral (interpretação histórica). A confusão entre o elemento histórico e o elemento genético pode ser confirmada no capítulo “Elemento Histórico”, da obra

Hermenêutica e aplicação do direito, de Carlos Maximiliano. Vide: Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 137-147.

preparatórios, debates, anteprojetos, exposições de motivos, etc., ou seja, todos aqueles textos que deram origem ao texto da norma interpretanda. O traço em comum entre o elemento histórico e genético é que ambos lidam com textos não-normativos. Explique-se: tanto a interpretação histórica quanto a interpretação genética fornecem pontos de vista que não derivam do direito vigente317.

Para Müller, a interpretação histórica e a interpretação genética, ambas referidas a textos não-normativos, podem ser consideradas modos procedimentais acessórios à interpretação gramatical, pois “podem ajudar a precisar em termos de conteúdo as possíveis variantes de sentido no espaço de ação demarcado pelo teor literal”318.

O elemento teleológico possui para Müller uma especificidade não documentável em outros autores. Se por um lado o elemento teleológico é autônomo no que se refere aos cânones e demais elementos de concretização para além dos cânones319, não é autônomo no

sentido de poder ser utilizado sem uma qualquer “documentabilidade”.

A autonomia em relação aos cânones se perfaz na possibilidade da pergunta pelo “sentido e finalidade” da norma possuir um sentido indagativo autônomo em relação aos elementos gramaticais, históricos, genéticos e sistemáticos. Entretanto, a reposta obtida a partir da pergunta pelo “sentido e finalidade” não poderá prescindir da “ajuda” dos outros elementos de interpretação. Ao fim e ao cabo o elemento teleológico depende de uma documentabilidade que só pode ser fornecida por outro elemento de interpretação320. Se é

possível pensar numa imagem que reflita a condição do elemento teleológico, pode-se ver uma circularidade que parte da autonomia (pergunta pelo sentido e finalidade da norma) e deságua na dependência (documentabilidade) em relação aos cânones.

Sempre tendo como pano de fundo concepções metódicas que utilizam os dados reais de forma implícita ou não refletida, Müller critica a utilização do elemento teleológico (como forma de encobrir decisões materiais) sob o manto de expressões retóricas, tais como:

317 Sempre fiel ao pressuposto de que os elementos de interpretação atuam coordenada e reciprocamente, Müller

irá dizer que a interpretação histórica e a interpretação genética são subcasos da interpretação sistemática. Apesar dos pontos de vista trazidos pela interpretação histórica e genética não derivarem de prescrições do direito vigente, são contextualizáveis sistematicamente. Cf. Müller, Friedrich. Métodos de trabalho de direito

constitucional. p. 79.

318

Müller, Friedrich. Métodos de trabalho de direito constitucional. p. 77.

319 Princípios de interpretação constitucional, elementos dogmáticos, elementos de teoria, elementos de solução e

“conforme ao fim”, “praticabilidade”, “natureza das coisas”, “essência do instituto jurídico”, “a consideração de dados sociais e políticos”, etc. A crítica de Muller ao elemento teleológico é interessante, quando constatado que o TCF (e outras escolas do pensamento jurídico, como visto no primeiro capítulo) o considera um elemento objetivo e privilegiado, sem ao menos estabelecer critérios coordenados de utilização.

A questão da documentabilidade do elemento teleológico é reiteradamente repisada, pois a busca pela finalidade da lei não pode ser realizada sem limites e sem critérios. No âmbito da metódica estruturante é inadmissível uma fundamentação “auto-referente” acerca da finalidade e dos objetivos da lei, realizada sem qualquer tipo de comprovação empírica. Nos dizeres do Professor de Heildelberg:

(...) pontos de vista de “sentido e finalidade” da prescrição interpretanda só podem ser aduzidos à medida da sua documentabilidade com a ajuda dos outros elementos. A suposição de uma “ratio” que não pode ser comprovada sob nenhum outro aspecto da concretização desqualifica-se enquanto “valoração” ou “ponderação” subjetiva deslocada da norma321

.

A interpretação teleológica corretamente realizada e documentada se perfaz invariavelmente na combinação de um ou de vários elementos de concretização, com o que se comprova que os elementos de concretização não podem ser isolados como métodos autônomos, mas devem ser trabalhados reciprocamente.

Por fim, cabe ressaltar o elemento sistemático. Este possui importância ímpar para a concretização da norma constitucional, já que, nos dizeres do próprio Müller, “nenhuma norma representa apenas a si mesma, mas ao menos se relaciona com todo o ordenamento jurídico”322

. A interpretação do direito não pode ser realizada isoladamente. Na metáfora de Eros Roberto Grau: “não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços”323

.

A interpretação sistemática não se reduz a mera comparação de textos normativos. Se a norma jurídica é formada pelo programa da norma e pelo âmbito da norma, para além da análise textual deve ser realizada uma análise dos âmbitos de normas das prescrições

320 Sejam aqueles elementos ligados aos textos de normas (interpretação gramatical e sistemática), sejam aqueles

ligados aos textos de não-normas (interpretação histórica e genética).

321

Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. p. 79.

322 Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do direito constitucional. p. 80.

sistematicamente interligadas324. A concretização sistemática “abrange, ao lado do contexto

dos teores literais argumentativamente expostos, ao mesmo tempo o contexto das estruturas materiais dos âmbitos de regulamentação”325. Ao tempo que complica e dificulta o

procedimento sistemático, a análise dos âmbitos normativos das prescrições interligadas constitui uma obrigação inerente à teoria estruturante do direito, que advoga a necessária pesquisa pela estrutura da norma, de forma a viabilizar o processo de concretização.