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Elementos intergovernamentais e supranacionais

4. CARACTERÍSTICAS E DESAFIOS DO SISTEMA POLÍTICO EUROPEU

4.1. Elementos intergovernamentais e supranacionais

Como já se afirmou, as crises tendem a reavivar o debate sobre o futuro modelo de integração e, nesse contexto, se por um lado, a construção de uma união política é considerada como necessária para restaurar a confiança e relançar a União Europeia, por outro, a par deste caminho supranacional os processos intergovernamentais ganham grande relevância. Acresce que as dificuldades acentuam a natureza não línear e homogénea do processo de integração, isto é, a existência de fortes disparidades económicas e sociais entre Estados e regiões o que pode conduzir a soluções de integração diferenciada ou a uma “Europa a várias velocidades”. Apesar da complexidade teórica sobre a integração europeia – que se procurou demonstrar na análise precedente – a governação da União pode ser, de alguma forma, simplificada e perspectivada de acordo com o dilema institucional “intergovernamentalismo vs supranacionalismo”. Trata-se, portanto, de um sistema de coexistência e tensão entre a lógica da integração europeísta e a lógica da diversidade nacionalista. A vertente

supranacional está presente no desenho e forma de ação de instituições como a Comissão e o

Tribunal Europeu, nas áreas comuns, relativamente às quais os Estados-membros transferiram para a União Europeia as suas soberanias, mas também em “novos” domínios-chave como o cumprimento das políticas orçamentais. Mais recentemente as crises contribuíram para o maior pendor supranacional, com a Comissão e o BCE a terem um papel decisivo na definição e implementação das políticas europeias. Ao mesmo tempo, verificou-se um declínio da relevância do Parlamento Europeu e do procedimento de co-decisão (método

comunitário)148. Por seu turno, a vertente intergovernamental também se intensificou no contexto da crise, em particular através da necessidade de obter consensos no Conselho Europeu e do consequente maior protagonismo desta instituição.

A crise levou também ao surgimento de novas perspectivas sobre a relação entre supranacionalismo e intergovernamentalismo, em particular quando se analisa a política de coordenação económico-social a que os Estados-Membros passaram a estar submetidos. Trata-se da chamada nova governação económica da União Europeia, a qual foi criada a partir da reformulação e do reforço do pacto de estabilidade e crescimento, e da aprovação de novos instrumentos, tais como o “pacto orçamental”, o semestre europeu e o mecanismo de monitorização dos desequilíbrios macroeconómicos149. A qualificação destas alterações suscita controvérsia sobre a sua natureza intergovernamental ou supranacional. Assim, alguns apelidam estas alterações como um “novo intergovernamentalismo” pois verifica-se um reforço da integração sem ter existido uma transferência formal de poderes para o quadro supranacional150 . No entanto, outros autores entendem estarmos perante um “novo supranacionalismo” uma vez que existe um efetivo reforço da actuação da Comissão e do BCE151.

Ambas as perspectivas parecem estar certas mas tendemos a ficar ao lado dos que entendem existir um novo intergovernamentalismo. Com efeito, em resposta à crise os Estados-Membros, em particular os pertencentes à zona euro, empenharam-se em reforçar a

148 Sobre a evolução do método comunitário: S. FABBRINI (2015) Executive Power in the European Union:

The Implications of the Euro Crisis, 2015 (http://aei.pitt.edu/79011/).

Com explica este autor desde o Tratado de Maastricht que se acentuou o pendor intergovernamental mas foi com o Tratado de Lisboa que esta tendência se vincou mais ao institucionalizar-se o Conselho da União Europeia como instituição executiva com um presidente.

149 Ver páginas 13-14. 150

C. BICKERTON; D. HODSON & U. PUETTER, “The New Intergovernamentalism”.

U. PUETTER, The European Council and the Council: New Intergovernmentalism and Institutional Change, Oxford University Press, Oxford, 2014.

151 R. DEHOUSSE “Why has EU Macroeconomic Governance become More Supranational?”, 38(5) Journal of

European Integration, (2016) 617–631; BAUER, M.W. & BECKER, S., “The Unexpected Winner of the Crisis:

The European Commission’s Strengthened Role in Economic Governance”, 36(3) Journal of European

Integration (2014) 213–229; J. D. SAVAGE & A. VERDUN, “Strengthening the European Commission’s

Budgetary and Economic Surveillance Capacity Since Greece and the Euro Area Crisis: A Study of Five Directorates-General”, 23(1) Journal of European Public Policy (2016) 101–118

união económica e monetária – primeiro com um conjunto de medidas de emergência e depois com mecanismos permanentes de solidariedade e de regulação, tais como o Mecanismo Europeu de Estabilidade, o Mecanismo Único de Supervisão e o Mecanismo Único de Resolução na área bancária – sem que a sua natureza política tenha sido alterada. Assim, as grandes decisões tiveram de ser tomadas pelos Estados-Membros pois não existiam normas nos tratados que habilitassem a União a decidir nesses domínios. Tratou-se de obter uma vinculação dos Estados que tornasse eficazes as novas medidas. No entanto, no modelo intergovernamental a diplomacia sobrepõe-se à democracia; com efeito, as decisões são apresentadas como unânimes sem que exista um processo transparente de manifestação de diferentes prefências políticas, escrutinável pelos cidadãos. Esta falta de transparência permite também que os Estados-Membros possam ter discursos distintos na União Europeia e nos respetivos espaços nacionais, culpando a Europa e os seus parceiros por medidas impopulares. Há ainda quem evidencie que a vertente intergovernamental se encontra fortemente marcada pela negociação franco-alemã, afirmando-se que estes dois países negoceiam primeiro entre si cabendo aos demais aceitar, alterar ou rejeitar as propostas por eles apresentadas152. Tratar-se-ía de uma eficaz de tomada de decisões que permite economizar custos de transação, garantir rapidez e permitir equacionar perspectivas dos paíes do norte, personificados na Alemanha e do sul, representados pela França.

Em síntese, a resposta da União Europeia à crise traduziu-se na confluência de tendências supranacionalistas e intergovernamentalistas153.

A evolução da governação da União Europeia deverá, na nossa perspectiva, evoluir para um reforço da vertente supranacional, primeiro porque o modelo intergovernamental,

152 H. DEGNER & D. LEUFFEN, “Powerful Engine or Quantité Negligeable? The Role of the Franco‐ German

Couple during the Euro Crisis”, EMU CHOICES WORKING PAPER SERIES, (2017).

153 S. EYLEMER, “Revisiting the Debates On A Model Of Integration For Post-Crisis Europe: Towards A

Political Union Or Just More Differentiation?”, XX(4) Perceptions (2015) 16. M. POIARES MADURO, “How Constitutional Can The EU Constitution Be? The Tension Between Intergovernamentalism and Constitutionalism In The European Union”, in WEILER, J.H.H. (Org.), Altneuland: the EU Constitution In A

usado até à data com sucesso para alcançar a necessária cooperação entre os Estados- Membros, não garante uma legitimidade democrática (direta) das decisões e, em segundo lugar porque os domínios materiais da integração se vão alargando e se o mercado interno é um núcleo supranacional incontestado, também a união económica e monetária – e matérias com ela estreitamente ligadas, tais como a fiscalidade e o orçamento relativo, estabilidade dos mercados financeiros, etc. – devem integrar esse núcleo. Estamos, assim, perante um aprofundamento da integração explicável de acordo com o neofuncionalismo pois a progressiva centralização nas áreas económica e financeira – com a transformação da união económica e monetária numa união bancária e possivelmente numa união orçamental – irá pressupor uma mais profunda integração política (processo de spillover funcional).

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