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3.3 TEORIAS DOS REGIMES INTERNACIONAIS

3.3.1 Elementos Modificadores dos Regimes Internacionais

O aparecimento dos regimes internacionais se tornaria propício quando as partes envolvidas percebessem que seus objetivos seriam mais dificilmente atingidos se atuassem de forma isolada, ou, dito de outra forma, quando os Estados ― até então únicos protagonistas das Relações Internacionais ― passassem a perceber que a política mundial se desenvolve por meio de outros instrumentos133

A ampliação dos atores e das áreas de interesse, portanto, acaba tornando necessárias as aproximações tendentes à cooperação entre os envolvidos e se afigura potencialmente favorável a trazer vantagens coletivas, arquitetar arranjos, com vistas à criação de um ambiente, em que as interações se desenvolvam com previsibilidade e estabilidade. De certa forma, isso implica o reconhecimento de que também se torna necessário estabelecer limites às condutas individuais ou à soberania estatal.

e que se interrelaciona em outras temáticas relevantes, além da segurança nacional.

Assim, sob a perspectiva da teoria realista, ganharia destaque o papel que os Estados com maior capacidade econômico-militar poderiam representar à criação e manutenção dos regimes, pois, teoricamente, reuniriam melhores condições para arcar com os correlatos custos. Ajudariam a criar interesses comuns, por meio de recompensas à cooperação ― e sanções às deserções ― ou, ainda, por meio de sua conduta, que poderia servir de exemplo aos demais.

A proeminência que determinado Estado alcança na ordem política mundial pode facilitar certos tipos de cooperação, mas não significa, contudo, que sua condição hegemônica seja necessária ou suficiente ao surgimento e manutenção de relações cooperativas.

De acordo com a teoria da estabilidade hegemônica, formulada pelo autor norte-americano ROBERT KEOHANE, uma maior concentração de poder no sistema internacional, com ênfase na preponderância dos recursos materiais sob controle de um Estado, implicaria maior demanda de ofertas por regimes internacionais.

133 Além da usual ameaça ou emprego da força.

Para que seja considerado hegemônico, dentro da política econômica mundial, o país deveria ter “[...] acesso às matérias-primas essenciais, controle das principais fontes de capital, sustentar um grande mercado de importações e sustentar vantagens competitivas em bens de alto valor agregado, que produzam benefícios e salários relativamente altos”.134 O domínio desse conjunto de relevantes recursos tornaria o Estado poderoso o bastante para criar e manter as regras, conforme sua vontade. Sob tal perspectiva, a hegemonia pode ser definida como uma situação em que “[...] um estado é poderoso o suficiente para manter as regras essenciais que regem as relações interestatais e está disposto a fazê-lo.”135

O modelo da estabilidade hegemônica, portanto, se escora na assertiva de que os resultados refletiriam a capacidade tangível dos atores, fazendo com que quanto mais dominante seja o Estado, mais cooperativas se tornariam as interações.

A teoria da estabilidade hegemônica, mesmo não afirmando expressamente a existência de um vínculo imediato entre poder e liderança, se apresenta insatisfatória ao objeto do presente estudo por não se diferenciar, substancialmente, dos modelos teóricos antecedentes, que identificam as relações entre Estados como interações permeadas, preponderantemente, por alguma das facetas do poder. De certa forma, substitui o recurso militar pela força econômica.

Em que pese à importância que a potência136

A possibilidade de cooperação, mesmo na ausência de um Estado hegemônico, acaba sendo uma alternativa viável em várias temáticas, precisamente quando se passa a visualizar que são os interesses comuns ou complementares ― e não a liderança ou coerção de uma potência ― que possibilitam a cooperação e incentivam a criação dos regimes.

dominante possa desempenhar, o que se observa, empiricamente, é que os regimes são criados, vão se desenvolvendo e se extinguindo sem sua obrigatória existência.

Conforme salienta KEOHANE, os regimes devem ser entendidos como o “[...] resultado da distribuição de poder, dos interesses

134

KEOHANE, Robert O. Op. cit., p. 52. 135 Idem, p. 53.

136 Para o autor inglês Martin Wight, o poder que torna um Estado uma “potência” é composto de muitos elementos. Seus componentes básicos são o tamanho da população, posição estratégica e extensão geográfica, recursos econômicos e produção industrial. Temos de acrescentar, a esses últimos, elementos menos tangíveis, tais como a eficiência administrativa e financeira, o aprimoramento educacional e tecnológico e, acima de tudo, a coesão moral. In: WIGHT, Martin. A política do poder. Tradução de Carlos Sérgio Duarte. 2. ed. Brasília: UnB, 2002. p. 5.

compartilhados e o predomínio de certas práticas e expectativas [...] e que surgem com base em tentativas anteriores, exitosas ou não, de cooperação”.137

A criação dos regimes internacionais decorreria do reconhecimento de que, em determinadas circunstâncias,tal iniciativa é mais vantajosa aos envolvidos, que se supõem estarem respondendo racionalmente aos incentivos e limitações a que estariam expostos, evitando serem surpreendidos por atos violentos e súbitos dos demais.

A demanda por regimes, portanto, não advém de sentimentos altruístas dos envolvidos, nem apenas de imposições daqueles que, em dado momento, se apresentam em melhores condições econômicas, militares ou tecnológicas.

Nesta ordem de ideias, os regimes também necessitariam dispor de mecanismos satisfatórios para que as normas, regras e princípios sejam observados, e não dependam, unicamente, de represálias pontuais dirigidas aos eventuais transgressores.

A existência de uma diversidade de temas envolvidos pode potencialmente multiplicar as interações entre os membros de um regime, vinculando-os, inclusive, a outras questões, aparentemente não relacionadas.

As próprias situações conflituosas teriam a capacidade de exercer força atrativa para que as normas fossem cumpridas, não apenas porque as partes espontaneamente assim o desejassem, mas também porque considerariam suas expectativas e as dos demais em relação aos compromissos assumidos, cujo cumprimento poderia estimular ou dificultar os esforços tendentes à cooperação.

A estabilidade e equilíbrio do regime, portanto, não seria buscada pelo recurso da força ― ineficaz em várias si tuações ―, mas pela percepção de que as condutas podem afetar, além daquela específica área temática, outros regimes da rede.

O modelo da interdependência complexa, tal como proposto pelos seus idealizadores, permite visualizar que recompensas e sanções podem ser oferecidas e aplicadas por outros Estados que não os hegemônicos, bem como por outros atores, se as condições lhes forem favoráveis.

Em suma, a demanda por regimes internacionais decorreria da necessidade dos envolvidos, mutuamente dependentes e racionais, mediarem seus potenciais ou reais conflitos. A existência de estruturas que estabeleçam responsabilidades legais ― ainda que imperfeitas ―, poderia facilitar as aproximações entre as partes, melhorar a quantidade

e qualidade das informações disponíveis, ou reduzir os custos envolvidos nessas negociações.