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Capítulo 2 – Discussões acerca do Conceito de Dominância e de Hipóteses Alternativas

2.2. Elementos Teóricos

A principal referência da aplicação do conceito de dominância no caso brasileiro são os trabalhos de Ames (1995a, 1995b). O conceito não é definido de maneira direta, mas apresentado em diversas passagens ao longo dos textos. Em seu trabalho “Electoral Strategy

under Open-List Proportional Representation” (1995a), o autor fala que os políticos

procuram “erguer barreiras a entrada” (p. 406) de outros candidatos nas regiões que são dominadas por eles. Isto decorre da percepção de que a maioria dos eleitores opta por votar em candidatos individuais em detrimento dos votos em legenda (p. 408). A passagem em que mais explicitamente aponta para tal conceito está reproduzida a seguir:

Legalmente, os candidatos buscam votos em qualquer lugar em seus estados, mas na realidade, a maioria limita suas campanhas geograficamente. O padrão espacial resultante tem duas dimensões no nível estadual, cada uma baseada na performance municipal. (…) Definimos a dominância municipal de cada candidato como o percentual de votos do candidato com relação ao total de votos direcionados a todos os membros de todos os partidos. Estes percentuais representam a dominância dos candidatos no nível municipal. (…) Candidatos com elevadas médias ponderadas dominam seus municípios chave; aqueles com baixas médias ponderadas compartilham seus municípios chave com outros candidatos. (Ames, 1995a, p. 409, tradução nossa).

Esta dominância pode ocorrer em municípios contíguos ou em municípios dispersos entre si. A partir destas categorias, o autor define quatro tipos de distribuição de voto: concentrada-dominante, concentrada-compartilhada, fragmentada-dominante, fragmentada- compartilhada. Baseado nesta tipologia, o autor passa à verificação de qual é a distribuição dos votos dos deputados federais e quais são as suas estratégias adotadas no que tange à proposição de emendas e comportamento parlamentar mais geral.

Dentre estes grupos, o autor enfatiza que as estratégias eleitorais direcionam os candidatos a buscarem votos dentro de suas áreas de dominância e, nos casos de votação dispersa, angariar votos em segmentos discretos de eleitores, como os evangélicos, uma vez que os distritos eleitorais são muito grandes. Haveria, assim, diferentes incentivos para a busca de votos segmentados, considerando os custos e benefícios destas estratégias. Como os candidatos a um cargo no Legislativo federal competem por espaço físico, eles buscam se estabelecer em municípios onde os eleitores e os líderes políticos os apóiam. É nas cidades

que os políticos devem estabelecer seu apóio político, com foco na formação de redutos eleitorais.

É interessante ressaltar que a visão de Ames sobre a organização do sistema converge com a conceituação tradicional da conexão eleitoral no comportamento parlamentar brasileiro (Mainwaring, 1991; Lamounier, 1989), pois a regionalização dos candidatos, e sua conseqüente atuação exclusivamente voltada para a busca de votos, incentivariam o comportamento legislativo em busca de pork-barrel para suas regiões de interesse. O sistema eleitoral brasileiro favoreceria a manutenção deste tipo de relação pessoal através de uma troca de pork por votos, e o tamanho dos distritos eleitorais também incentivaria as estratégias de especialização dos candidatos com vistas a garantir o controle sobre determinadas áreas. Neste cenário, Ames indica que “a abertura do sistema brasileiro permite que os parlamentares ocupem nichos ideológicos [...], mas os deputados também traduzem o tradicional corporativismo pelo qual interesses econômicos estreitos se infiltram na burocracia do Congresso” (Ames, 2003, pp. 101-2).

Assim, no Congresso, as elevadas taxas de mudança dos deputados de um mandato para outro seriam reflexo do fato de os políticos verem a política como um negócio. A carreira para o político seria curta, o que resultaria, por um lado, em um baixo incentivo em buscar a especialização em determinada área ou tema na atividade parlamentar; e, por outro, “encoraja a concentração [de seus esforços] em pork” (Ames, 1995b, 331, tradução nossa). Além disto, a própria dinâmica do congresso favorece a atuação livre dos deputados, a partir desta interpretação. “No Congresso, líderes de partido exercem pouco controle sobre suas delegações. Muitos, se não todos os deputados, gastam a maior parte de seu tempo buscando cargos e projetos específicos para seus financiadores de campanha e seus companheiros” (Ames, 1995a, pp. 407, tradução nossa). O autor ainda trata de outras características do sistema político brasileiro sob a ótica da dominância pessoal. Dentre elas:

Deputados buscam proteger seus eleitores da incursão de competidores porque eles sabem que barreiras a entrada, eliminando a competição, reduzem os custos de campanha. A dificuldade em erguer as barreiras depende da natureza do grupo a ser protegido. Aumentos salariais, por exemplo, necessitam de ampla coalizão legislativa, e então é difícil para qualquer um reclamar o crédito individualmente. Barreiras contra pessoas de outra etnia (ethnic outsiders), ao contrário, são essencialmente automáticas, mas estas são mais custosas para serem erguidas contra pessoas do mesmo grupo (insiders) do que para os de outros grupos. (Ames, 1995a, p.414, tradução nossa).

A preocupação de cada deputado é, assim, a de garantir que nenhum outro candidato se arrisque a buscar votos nas regiões onde ele tenha elevado número de votos. Cada deputado buscará, de alguma forma, proteger estas áreas, formando redutos de controle político.

Em outro trabalho, Ames (1995b) detalha algumas outras razões para a concentração espacial de votos:

Por que concentrar em uma área específica? Por diversas razões: as famílias dos candidatos mantêm a tempo o poder na região; um líder partidário designa o candidato para aquela área; eles [os deputados] recorrem aos eleitores daquelas áreas, eles fazem acordos com os líderes políticos locais. Quaisquer que sejam as raízes da dominância local, outros aspirantes dos mesmos partidos, e talvez de outros também, evitam aquela fortaleza. (Ames, 1995b, p. 326, tradução nossa).

Além deste, outro argumento utilizado pelo autor é de que quanto maior a dominância em um dado município, maiores as chances de reivindicar crédito pelo empenho em trazer benefícios para a região, e, portanto, mais emendas ele possivelmente apresentará para aquele destino (Ames, 2003, p. 115)

Em outro trabalho, o autor encontra importantes registros com relação às diferenças entre deputados que se elegem por estados distintos. A concentração de votos não é espacialmente homogênea, nem a dominância dos deputados em cada estado, pois cada estado elege números diferentes de representantes. “Deputados no Sul e no Sudeste geralmente confrontam candidatos de outros partidos, e algumas vezes candidatos do próprio partido, mesmo em áreas rurais. Deputados do Sul e Sudeste [...], entretanto, têm votos mais concentrados” (p. 329). Com relação às diferenças entre os padrões de votos em cada região no Brasil, Ames encontra outras variações importantes. O autor aponta que:

Um exame das eleições realizadas entre 1978 e 1994 mostra claramente que: a) os deputados nordestinos realmente tendem a dominar os municípios nos quais obtém votos; b) as distribuições de votos mais concentradas não estão no Nordeste, e sim em estados populosos e prósperos como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo; e c) a concentração do apoio eleitoral cresceu regular e constantemente depois de 1982, mas se estabilizou em 1994. (Ames, 2003, p. 135, tradução nossa).

Como o Sul e o Sudeste são mais competitivos, estes lugares apresentariam maior número de candidatos em cada eleição. Isto forçaria os políticos a buscarem cada vez mais a concentração regional como forma de distinção. Conseqüentemente, aprofundariam a sua dominância sobre aquelas áreas.

Em suma, os deputados que receberem votos concentrados estabeleceriam uma relação de troca de pork por votos com os eleitores de suas áreas, como forma de criar um distrito eleitoral informal consolidado que será evitado por outros. Deputados que tiverem votos dispersos procurariam criar relações com segmentos de eleitores de acordo com alguma característica comum a todos também como forma de criar o mesmo vínculo de troca com tais eleitores, ainda que não haja uma restrição espacial definida. De qualquer maneira, haveria o intuito de formar tais áreas através de uma política paroquial de trocas entre as partes.

Em outro trabalho mais recente, Ames (2003: 67-8) mantém a mesma definição com relação às origens da dominação política local apresentada em seus trabalhos anteriores. Porém, cabe destacar uma análise particular introduzida neste mesmo trabalho em que o autor mostra o caso de disputa política entre Geraldo Alckmin Filho, deputado federal eleito pelo PMDB em 1986, Orestes Quércia, então líder estadual do mesmo partido, e Ary Kara José, deputado estadual nesta mesma data, ao longo da região de Taubaté, Vale do Paraíba, no estado de São Paulo. Em 1986, os dados utilizados pelo autor mostram que esta região se classificava como concentrada-dominante em favor de Alckmin, então no PMDB, e que também tinha sido prefeito de Pindamonhangaba, cidade daquela região. Este contexto se encaixa na descrição de dominância feita pelo autor: um candidato a deputado federal, ex- prefeito, concentra seus esforços em municípios próximos à cidade centro de sua dominância, reduzindo seus custos de campanha. Mas, o fato deste ter migrado para o PSDB, já em 1987, portanto, durante seu mandato, segundo o próprio autor, fez Quércia incentivar a disputa política da região, apoiando um novo candidato local: Ary Kara. Na eleição seguinte para o Legislativo federal, no ano de 1990, em que tanto Kara quanto Alckmin se elegeram, ambos dividiram os votos da região, que se transformou, então, em uma região competitiva.

Assim, em um intervalo de apenas quatro anos, uma região que era considerada uma “fortaleza” de um candidato “concentrado-dominante” transformou-se em uma região competitiva, a partir da mudança de partido. Apesar da incorporação deste caso dinâmico, entre duas eleições, que mostrou a mudança nos resultados, não houve nenhuma reconsideração de seu posicionamento teórico a luz deste fato, principalmente em relação à influência política do líder de outro partido. Não há nenhuma menção sobre como a dominância se transforma, entre as eleições, em um caso como este, e também não há nenhuma reconsideração sobre a relevância das legendas partidárias nestes casos. É com base também nesta constatação que se iniciará a crítica teórica e empírica ao conceito de dominância proposto por Ames.