• Nenhum resultado encontrado

5. ESTUDO DE CASO: ONTOLOGIA DE ECG

5.1. ELETROCARDIOGRAFIA E ONTOLOGIA DE ECG

Eletrocardiografia é a técnica de registro de sinais elétricos gerados pela atividade do coração. Enquanto um impulso elétrico cardíaco é conduzido no coração humano, correntes elétricas percorrem os tecidos próximos a ele e alcançam levemente a superfície do corpo. Assim, o potencial elétrico gerado pelo coração pode ser medido através de pequenos sensores (eletrodos) colocados em pontos opostos da superfície do corpo (GUYTON; HALL, 1996 apud GONÇALVES ET AL., 2007).

Chama-se de eletrocardiograma (ECG) o registro resultante da aplicação dessa técnica. Sabe-se ainda que várias cardiopatias podem ser identificadas por anomalias específicas em algumas características do ECG. Essas características são: (i) a morfologia das ondas e complexos que compõem um ciclo cardíaco; e (ii) o tempo dos eventos e variações de padrão ao longo de várias batidas (GESELOWITZ, 1989 apud GONÇALVES ET AL., 2007).

O avanço tecnológico permitiu a representação digital de registros de ECG. Em especial, de acordo com Geselowitz (1989 apud GONÇALVES ET AL., 2007), o ECG foi possivelmente o primeiro

sinal de diagnóstico a ser estudado com o propósito de se fazer interpretação automática por

programas computacionais. Finalmente, o avanço das tecnologias de informação e comunicação permitiu o surgimento da Telecardiologia, que contempla a transmissão de ECG‟s como um serviço médico que pode ser fornecido remotamente, de uma forma econômica e eficiente. “Esses serviços vão desde um simples monitoramento remoto, através da transmissão de um ECG (por meio das tecnologias móveis e sem fio), até a transmissão de ECG ambulatorial, possibilitando o telemonitoramento cardíaco a qualquer hora e em qualquer lugar” (GONÇALVES ET AL., 2007, p. 2). Assim, utilizando-se a transmissão e interpretação automática de ECG‟s, torna-se possível

agilizar a identificação de problemas cardíacos, e, consequentemente, o atendimento às pessoas monitoradas.

Contudo, nota-se que, para melhor explorar o potencial desses serviços, faz-se importante a padronização do armazenamento e transmissão dos registros ECG. Segundo Gonçalves et al., os formatos considerados padrões de referência em Cardiologia não favorecem a interoperabilidade semântica entre aplicações baseadas em ECG. Isso se dá, em geral, por se representar o domínio com modelos conceituais de baixa expressividade e clareza, e/ou por haver um forte acoplamento com ambientes de programação específicos e linguagens cujos metamodelos misturam conceitos de domínio com os de apresentação da informação.

Tendo em vista essas questões, Gonçalves et al. (2007) desenvolveram uma ontologia com o objetivo principal de se obter uma teoria de eletrocardiograma independente de aplicações específicas do domínio. Posteriormente, esta teoria foi aprimorada (GONÇALVES; ZAMBORLINI; GUIZZARDI, 2009, GONÇALVES, 2009) e usada para prover interoperabilidade entre padrões de ECG existentes (GONÇALVES ET AL., 2010). A ontologia de ECG apresentada nesta seção é uma simplificação desta teoria, que, porém, preserva as principais informações relevantes para servir como estudo de caso para este trabalho, a saber, as informações a respeito do funcionamento do coração a partir da verificação dos ciclos do ECG. Um ciclo completo de ECG é ilustrado na forma de onda contida na Figura 70. A forma de onda representa os valores de potencial elétrico medidos em cada observação em função do tempo. Assim, uma série de observações seqüenciais constitui uma forma de onda, na qual podem-se identificar ciclos. Um ciclo, que representa uma batida do coração, é composto por formas elementares que mapeiam os impulsos elétricos. Em particular, as formas chamadas onda P e complexo QRS mapeiam respectivamente os impulsos elétricos chamados SA, responsável pela contração dos átrios, e HisPurkinje, que se soma ao impulso SA e é responsável pela contração dos ventrículos.

Neste trabalho, a ontologia simplificada abstrai estes detalhes, representando-se apenas os ciclos, classificados de duas formas: (i) ciclo completo, quando mapeia o impulso elétrico cardíaco dito completo, que consiste do SA e do HisPurkinje, ou seja, quando o ciclo possui ambas as formas elementares onda P e complexo QRS então ocorre a contração total do coração; ou (ii) ciclo parcial, quando mapeia o impulso elétrico cardíaco dito parcial, que consiste apenas do HisPurkinje, ou seja, quando o ciclo possui o complexo QRS porém não a onda P, então ocorre a

contração parcial do coração que corresponde à contração apenas dos ventrículos (GONÇALVES ET AL., 2007; GONÇALVES; ZAMBORLINI; GUIZZARDI, 2009).

Figura 70. A forma de onda em um ciclo completo de ECG. Fonte: Gonçalves et al. (2007, p. 7)

A ontologia de ECG apresentada na Figura 71 foi criada utilizando-se uma ferramenta existente baseada em modelos para OntoUML (CARRARETTO, 2010), em que foram implementados os mapeamentos propostos (ver seção 4.4). Esta ontologia descreve um cenário em que uma pessoa (Person), que tem (componentOf) necessariamente um coração (Heart), possui (belongsTo) opcionalmente um registro de ECG (ECGRecord). Este pode ser caracterizado (characterization) por um ciclo (Cycle) que necessária e imutavelmente mapeia (maps) um impulso elétrico cardíaco (CardiacElectricalImpulse). Neste cenário, destaca-se dois tipos de ciclo (Cycle), completo (CompleteCycle) e parcial (PartialCycle), que mapeiam respectivamente os tipos de impulso elétrico, completo (CompleteCardiacElectricalImpulse) e parcial (PartialCardiacElectricalImpulse).

Estes dois impulsos instanciam necessária e imutavelmente a relação material de contrair (contracts) o coração, derivada dos relators contração completa e parcial do coração (CompleteHeartContraction e PartialHeartContraction). Neste caso, diz-se que o coração desempenha ou o papel de coração funcionando completamente (CompletelyFunctioningHeart) ou o de coração funcionando parcialmente (PartiallyFunctioningHeart). As restrições de cardinalidade, quando omitidas, significam que cardinalidade é de exatamente um. O domínio da relação é aquele cujo final de associação tem o rótulo src (do inglês source) enquanto a imagem tem o rótulo dst (do inglês destination).

Figura 71. Ontologia de ECG (simplificada)

Por fim, destaca-se que não é o intuito da ontologia de ECG detectar as anomalias, mas prover a informação que viabilize tal intento. Conforme citado anteriormente, a identificação das anomalias envolve a verificação do funcionamento do coração ao longo do tempo baseando-se, por exemplo, nos dados dos ciclos registrados pelo ECG.