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Elisangela da Rocha Steinmetz FURG – Universidade Federal de Rio Grande

Viver é sempre buscar algo. Buscamos ser, saber quem somos, des- cobrir a quem pertencem os olhos que nos espreitam no espelho. Somos nosso primeiro desejo. E logo queremos crescer, expandir-nos, irmos além: no mundo, na vida, no outro. Nessa busca, há o desdobramento de um sentimento de uma descoberta mais profunda de nós mesmos, que só se dá num encontro com o outro. Falamos aqui do amor como um profundo desejo de vida, de plenitude, de continuidade.

Mas a fortuna humana é cruel. O homem há muito tempo descobriu a morte, e ela provocou-lhe medo, repulsa, nojo. Para lidar com isso, surgi- ram os cuidados com os procedimentos dos corpos sem vida: enterrá-los, ritualizar despedidas, dar um desfecho a algo que foi animado e que agora, como cadáver, só nos lembra que não mais existe, evidenciando a realidade da finitude, da morte. Eliminá-la seria a nossa grande trans- gressão, e é comum que o homem sonhe com isso, com um mundo onde a sua existência não seja descontínua. Para Bataille, o ser humano é descontínuo:"Ele só nasce. Ele só morre.[. . . ] Cada ser é distinto de todos os outros"1. A morte, embora simbolize uma possibilidade de passagem da descontinuidade a um estado inicial de continuidade, em que se pertence

1

BATAILLE, Georges. O erotismo (trad. de Antonio Carlos Viana), Porto Alegre, L&PM,1987; p.36.

a uma esfera superior, divina e eterna, o homem, porém, teme a morte e procura preservar seu estado descontínuo. Advém daí um grande para- doxo: ao mesmo tempo em que desejamos a continuidade perdida, logo, a morte, não queremos morrer.

No desdobramento do ato amoroso, o homem descobriu o poder da fusão com o outro, com algo para além de si: "aparentemente, apenas os homens fizeram de sua atividade sexual uma atividade erótica, ou seja, uma busca psicológica independente do fim natural dado na reprodução"2. E no ato da entrega amorosa, sensual, experiencia sua "pequena morte", deixa o seu estado descontínuo por algum tempo e encontra a continuidade junto ao outro. Seu secreto desejo é satisfeito ainda que momentanea- mente. "Do erotismo, é possível dizer que é a aprovação da vida até na morte"3.

O mundo, no entanto, exige-nos atitudes, procedimentos fragmenta- dos, descontínuos, sequências. Existe a sociedade do trabalho e suas normas. Passamos a viver em uma conjuntura em que a harmonia das coisas passa pelo interdito, por regras, proibições, as quais trazem junto consigo, quase como em decorrência, a transgressão. Assim, é lícito afir- mar que a transgressão depende do interdito, pois é ele que possibilita o retorno a um estado racional da organização da sociedade. No entanto, transgredimos na busca por nossa continuidade. A transgressão torna-se parte de nós, assim como os sentimentos de culpa e de desconforto que surgem na sequência do ato transgressor. Desses movimentos tantas vezes repetidos, temos um homem que se aperfeiçoa, cresce e vive em conflito, buscando sempre mais a vida, mesmo quando nela encontra a morte. Sua satisfação, sua expectativa é viver.

A tarefa parece simples: é da busca pela vida, do sexo, do amor, por fim, da transgressão que nascemos, e a vida, a expressão dela, parece natural. Porém, quando nos estabelecemos nas delicadas teias das rela- ções sociais, descobrimos o quanto é difícil essa busca de si, da vida, do outro e do amor. A beleza passa a estar, então, em nossa insistência, em nossa luta, em nossa existência perturbadoramente descontínua que, como magia, caminha para a continuidade. A beleza encontra-se num processo

2

Ibidem, p.35.

3

de permanente descoberta de fraturas, de diferenças, de desigualdades, de motivos e de comportamentos distintos que, aparentemente, pretendem buscar um mesmo fim, ou melhor, um não fim, um encontro permanente, a continuidade do Ser. Um desafio.

Judith Teixeira, escritora portuguesa do século XX, bem soube o que constitui esse desafio. Nascida em um tempo e em uma conjuntura social nos quais a manifestação de determinados sentimentos, desejos e anseios, tão naturais ao humano, era socialmente condenável pela moral pública, em especial quando surgida de uma boca feminina, faz da arte, da lite- ratura sua adaga, seu corpo e sua alma. Negando esse silêncio imposto, instaura seus versos no campo do erótico e da literatura homoerótica.

"Essencialmente, o domínio do erotismo é o domínio da violência, o domínio da violação"4.

Judith Teixeira transgride. Revela em seus versos o corpo: uma imagem feminina pactuada com a plenitude da beleza da vida, com os brancos e os vermelhos, frios e quentes dos tecidos da natureza que essa filha de Viseu soube tão bem iluminar. E, com esse corpo, revela uma alma presente, que faz dele e, descobre nele, seus mais profundos desejos. Através dele, junto ao outro/outra, torna-se transgressora, plena e contínua, descontínua, e finalmente contínua, num bordado de versos que alcança nossos dias e faz do sexo algo para além das visões tradicionais de prolongamento da espé- cie: torna-o um atributo a favor do equilíbrio humano e da excelência do prazer. Na escrita que produziu, a poetisa decadentista inovou: provocou e exaltou paixões que tanto permitiram aos seus textos a experiência da fogueira5, como a da ultrapassagem de décadas, para além de sua vida.

Filha desse mundo onde a descoberta de si, onde encontrar a sua voz, seu espaço e a sua condição de ser humano, de ser humano mulher (deve ser dito), exige todo o impulso da força transgressora, a poetisa ousa e cria. Sua obra é condenada, queimada. E, ainda assim, hoje, rompe silêncios. É transgressora. Fala do proibido, provoca-o, busca e se

4

BATAILLE, Georges. O erotismo (trad. de Antonio Carlos Viana), Porto Alegre, L&PM, 1987, p. 40.

5 Exemplares do seu livro Decadência (1923) foram apreendidos, juntamente com os

livros de António Botto (Canções) e Raul Leal (Sodoma Divinizada), e mandados queimar pelo Governo Civil de Lisboa na sequência de uma campanha, liderada pela conservadora Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa.

desdobra em uma corrente de ritmo e beleza em todas as suas nuances contínuas e descontínuas. Da busca ao encontro, vida, morte e mais uma vez a busca em versos que registram um trilhar de descobertas e sensações sempre tão caras a nós, sempre tão velhas, antigas e, ainda assim, sempre refeitas, tão novas e essenciais. Vejamos então alguns desses poemas:

Ao Espelho

As horas vão adormecendo preguiçosamente. . .

E as minhas mãos estilizadas, vão desprendendo

distraidamente,

as minhas tranças doiradas. Reflectido no espelho que me prende o olhar, desmaia o oiro vermelho

dos meus cabelos desmanchados, molhados

de luar!

Suavemente, as mãos na seda, Vão soltando o leve manto. . . Meu lindo corpo de Leda, fascina-me, enamorada

de todo o meu próprio encanto. . . . . . .

Envolve-se a lua em dobras de veludo nos páramos do céu e eu vou pensando,

no cisne branco e mudo

que no espelhante lago adormeceu. . . . . . . Volta o luar silente. . .

E a minha boca ardente numa ansiedade louca procura ir beijar

o seio branco e erguido,

que no cristal do espelho ficou reflectido!. . .

Impossíveis desejos! Os meus magoados beijos encontram sempre a própria boca banhada de luar

álgido e frio – Dizendo em segredo às minhas ambições, o destino sombrio das grandes ilusões!6

Nesses versos, o eu lírico se encontra em um espaço reservado, pro- vável quarto, que permite o desnudamento de seu corpo e sua observação. A menção ao adormecer das horas na primeira estrofe, a presença do luar na segunda, registram o horário noturno, e o gesto sensual de desprender os cabelos, desfazendo o penteado, remete à preparação para o sono.

A nudez mencionada (o seio branco e erguido no espelho) "se opõe ao estado fechado, ou seja, ao estado de existência descontínua. É um estado de comunicação, que revela a busca de uma continuidade possível do ser para além do fechamento em si mesmo. Os corpos se abrem à continuidade através desses canais secretos que nos dão o sentimento de obscenidade"7, revelando o desejo de fusão. Esse desejo, por sua vez, recaí sobre si, é autoerótico: diante da imagem do espelho, objeto destacado no espaço do quarto, o eu lírico evoca duas figuras mitológicas, Leda e Narciso. Considerando o mito grego, Leda poderia representar aqui uma capacidade de metamorfose e de estabelecimento de uma união incomum (como ocorre com Leda)8. A união incomum desejada, no caso, é o sonho de Narciso, mas, como ele, o eu lírico, enamorado da própria imagem, ao beijá-la no espelho percebe que a fusão entre ela e seu reflexo jamais será possível, gerando então os sentimentos de mágoa e de desilusão.

6 Judith Teixeira in GARAY, René P. Judith Teixeira o modernismo sáfico portu-

guês;Lisboa: Universitária Editora, 2002, pp. 99-100.

7

BATAILLE, Georges. O erotismo (trad. de Antonio Carlos Viana), Porto Alegre, L&PM,1987; p.14.

8

No mito grego Leda se transforma em gansa na tentativa de escapar de Zeus; no entanto a união entre a rainha de Esparta (mortal) e Zeus ( deus imortal) se concretiza.

Outro destino, que não a morte (como ocorre a Narciso), pode aguardar o eu lírico. Se notarmos nos versos todo um jogo de autoerotismo, podemos também observar traços do desejo homoerótico, dada a atração sentida pela forma feminina (nua) representada no espelho. Portanto, aqui não se trata apenas de um amor por si mesmo, mas de um desejo por uma forma - a feminina - "o seio branco e erguido"que conduz o eu lírico à possibilidade de um enlace incomum, um envolvimento homoerótico. Os "impossíveis desejos"revelados na imagem exaltada da beleza feminina desenhada no espelho, não acessível ao contato, representando a impossibilidade de ter em sua posse amorosa uma mulher, o ser do mesmo sexo, que o eu lírico quer em suas secretas ambições e que considera uma demanda de amor sombria e tão ilusória como a imagem que sua boca encontra no objeto frio e luarento do espelho. Aqui há a exaltação da beleza, da figura feminina e a consciência de seu desejo e do ato transgressor que ele representa. Ainda assim, o eu lírico lança seus lábios junto ao cristal, disposto a ir ao encontro da sua fantasia. A sensualidade e o aconchego exalam nas figuras de tecidos nobres: seda e veludo, que aumentam o efeito sinestésico da cena, acordando o tato e a visão.

Aliada ao clima de fascinação que se instaura no ambiente, a partir da imagem refletida, está a luz do luar, que também representa o feminino, tornando a atmosfera do quarto propícia ao clima de sedução, entreme- ado por uma luz¸ luz do luar fria, que irá entrar em contraste com um corpo branco, que também remete a algo frio, frio como o mármore ou a neve e que, no entanto, se revela ardente, fascinado pela imagem sobre- tudo feminina e atormentado pela descoberta de si e dos desejos secretos que lhe parecem terríveis, tanto quanto atraentes. Nos próximos versos observamos a realização de uma vontade secreta: a união homoerótica.

Rosas Vermelhas Que estranha fantasia! Comprei rosas encarnadas às molhadas

dum vermelho estridente,

tão rubras como a febre que eu trazia. . . – E vim deitá-las contente

Toda a noite me piquei nos seus agudos espinhos! E toda a noite as beijei em desalinhos. . .

. . . . A janela toda aberta

meu quarto encheu de luar. . . – Na roupa branca de linho, as rosas,

são corações a sangrar. . .

. . . . Morrem as rosas desfolhadas. . . Matei-as! Apertadas às mãos-cheias! . . . . Alvorada! Alvorada! Veio despertar-me! Vem acordar-me! . . . . Eu vou morrer. . .

E não consigo desprender dos meus desejos,

as rosas encarnadas, que morrem esfarrapadas, na fúria dos meus beijos!9

O desejo proibido, guardado, encontra sua plena satisfação na repre- sentativa figura das rosas vermelhas. Frequentes na literatura, as flores evocam a beleza e a fragilidade da presença feminina. Assim, as rosas são "deitadas", "picam", são beijadas e "desfolhadas"no ato convulsivo das mãos e "as mãos cheias", que as possuem, insinuam a configuração de um enlou- quecido encontro amoroso entre figuras femininas. O espaço é novamente o privado, o quarto invadido pelo luar que é aliado no engendrar das con- torções amorosas. A evocação da figura do tecido nobre "na roupa branca de linho", o branco, que remete à inocência e pureza, é colocado em con-

9

Judith Teixeira in GARAY, René P. Judith Teixeira o modernismo sáfico portu-

traste com o vermelho das rosas e dos "corações a sangrar", evidenciando o aspecto de luxúria, sedução e transgressão dos limites convencionais da vida social daquela época. Ao mesmo tempo, o vermelho remete ao fluido sanguíneo e, portanto, a algo que é essencial à vida: é necessário que o sangue circule, é necessário que ocorra o movimento de entrega sensual, e, no entanto, acompanha a expressão "corações a sangrar"uma sensação de angústia. Fica claro, na expressividade dos versos, um ato de relação homoerótica que é interrompido pela "alvorada", a chegada do dia, da luz solar, de um chamado à razão. Como decorrência, vem a morte: "Eu vou morrer. . . ", que tanto representa a "morte"que antecede a ruptura do estado descontínuo no ato de entregar-se ao outro e, com ele, tornar-se contínuo, como uma deflagração de culpa e auto-condenação pela transgressão do interdito, assim como também simboliza o fim do ato amoroso e, portanto, o retorno ao seu estado descontínuo sujeito a um fim, sujeito à morte. No poema "Perfis decadentes"o ato de entrega é, outra vez, consumado, como vemos:

Perfis decadentes Através dos vitrais ia a luz a espreguiçar-se em listas faiscantes, sob as sedas orientais de cores luxuriantes!

Sons ritmados dolentes, num sensualismo intenso, vibram misticismos decadentes por entre nuvens de incenso.

Longos, esguios, estáticos,

entre as ondas vermelhas do cetim, dois corpos esculpidos em marfim soergueram-se nostálgicos, sonâmbulos e enigmáticos. . .

Os seus perfis esfingicos, e cálidos

na ânsia duma beleza pressentida, dolorosamente pálidos!

Fitaram-se as bocas sensuais! Os corpos subtilizados, femininos,

entre mil cintilações irreais, enlaçaram-se

nos braços longos e finos!

. . . . E morderam-se as bocas abrasadas, em contorções de fúria, ensanguentadas! . . . . Foi um beijo doloroso,

a estrebuchar agonias, nevrótico ansioso, em estranhas epilepsias! . . . . Sedas esgarçadas, dispersão de sons, arco-íris de rendas irisando tons. . . . . . . E ficou no ar a vibrar a estertorar, encandescido, um grito dolorido.10

Aqui novamente o espaço é banhado por uma luminosidade atmos- férica externa e os tecidos nobres "sedas orientais de cores luxuriantes", "ondas vermelhas de cetim"e "arco-íris de rendas"compõem um ambiente de riqueza, luxo e suntuosidade que, aliado ao perfume de "nuvens de in- censo"tornam a atmosfera mágica, atraente e bela, pronta para encarnar o

10

Judith Teixeira in GARAY, René P. Judith Teixeira o modernismo sáfico portu-

quadro de um espaço de fantasia para o espetáculo da satisfação amorosa, que se concretiza entre os dois "corpos de marfim", "os corpos subtiliza- dos, femininos"que se enlaçam "nos braços longos e finos"em "contorções de fúria, ensanguentadas!". Ocorre a entrega, a satisfação. E, em seguida, uma perturbação do estado de êxtase, "um beijo doloroso"e "um grito do- lorido"que trazem a dor e o sofrimento para o mesmo espaço em que se encontra o gozo e o prazer. Coexistem elementos de alegria e de vida com elementos sombrios de tristeza e morte."O que está em jogo nessa fúria é o sentimento de continuidade possível percebida no ser amado"11. Também nesse poema há o contraste entre as cores branca e vermelha. A branca, que se acha inicialmente em um estado "frio", ganha vigor, mo- vimento, abrindo caminho para a força do vermelho quente, abrasado e "ensanguentado", pulsante e dominante durante a dança dos corpos que se unem e passam a pertencer ao mesmo movimento do tecido que toca a pele - "as ondas vermelhas do cetim"que evidenciam o ato da luxúria.

Por fim, no poema "Outonais", temos uma visão de uma entrega em conflito, onde dor e prazer se fundem no enlace amoroso:

Outonais

No meu peito alvo, de neve, as claras pétalas dos teus dedos, finas e alongadas,

tombaram como rosas desfolhadas à luz espásmica e fria

deste entardecer. . . E o meu corpo sofre,

ébrio de luxúria, um mórbido prazer!

A cor viva dos teus beijos, meu amor,

prolonga ainda mais o meu tormento, na trágica dor

deste desvestir loiro e desolado do Outono. . .

Repara agora, como o sol morre 11

BATAILLE, Georges. O erotismo (trad. de Antonio Carlos Viana), Porto Alegre, L&PM,1987; p.43.

num agónico sorrir doloroso e lento!. . .

. . . . Noite. . . um abismo. . .

sombras de medo!

Tumultuam mais alto os teus desejos! Sobe o clamor do meu delírio

e a brasa viva dos teus beijos, num rúbido segredo,

vai-me abrindo a carne em sulcos de martírio!12

Na primeira e na segunda estrofes temos a manifestação do senti- mento que aproxima os corpos de tez clara, que se tocam com delicadeza no entardecer e revelam o sofrimento do flamejante desejo, que se inten- sifica com a passagem da tarde para a noite. Com o fim do dia ("repara agora como o sol morre") e a chegada de uma hora obscura, a noite, mais propícia à transgressão amorosa, ocorre a libertação e, na terceira estrofe, a chegada dessa noite traz "um abismo"e "sombras de medo": é o momento do desconhecido, ou daquilo que deve ser ignorado, que não pode ser revelado e se oculta. Ao mesmo tempo, essa noite que desperta o medo aumenta a atração: "tumultuam mais alto os teus desejos"e "o clamor do delírio"é atendido "vai-me abrindo a carne"evidenciando o gozo. Há uma satisfação onde o prazer que sentem os corpos é também marcado pela dor, pois o ato amoroso aguarda o transcorrer do dia para a noite, uma espera pela mudança de tempo, e nisso está presente a consciência da chegada de um novo dia que ameaça os amantes e provoca a separa- ção não desejada e, novamente, a instalação dos segredos, dos secretos desejos só realizáveis nos abismos protetores da noite.

Da descoberta de si, do desejo secreto revelado, ao alcance dessa sa- tisfação amorosa que é, quase constantemente, sombreada por sensações de doloroso desconforto, por um desejo que não pode revelar-se à total luminosidade e deve permanecer entre as luzes mais discretas, noturnas mas fulgentes, Judith Teixeira compõe uma mulher de beleza comparti- lhada, com as faces representativas do feminino na natureza e que é con-

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Judith Teixeira in GARAY, René P. Judith Teixeira o modernismo sáfico portu-

trastante: branca e vermelha, fria e ardente, pura e pecadora, delicada flor e atroz espinho; real e ilusória como a imagem de um espelho, e que, sobretudo, exala erotismo, o poder de sedução, no encontro com o "ou- tro"com quem compartilha todas as nuances do enlace sensual amoroso. Ela apresenta ao leitor uma mulher que goza da sensualidade e prazer sexual. Judith Teixeira faz do espaço privado, a princípio opressor, um es- paço de libertação: abre as portas do quarto e revela todo o serpenteado, todo o jogo de troca amorosa. Faz, em seus versos, do privado o público e acende a fogueira de paixão, lucidez e loucura que o texto literário pode pôr em movimento no coração humano.

Eleonora de Fonseca Pimentel: