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Capítulo 1. No rastro da boiada: a fronteira e a formação da elite do gado

1.3 Ocupação e formação de elite no sul de Mato Grosso

1.3.3 A elite do mate

Em 1882, o então marechal Enéas Galvão é nomeado presidente da Província de Mato Grosso. No mesmo ano, o comerciante e amigo de Galvão, Thomaz Larangeira85, consegue, pelo Decreto Imperial n° 8.799, de 9 de dezembro de 1882, concessão legal, por um período inicial de dez anos, para explorar a erva mate nativa.

É concedida a Thomaz Larangeira permissão por 10 annos para colher mate nos ervais existentes nos limites da Província

84 BIANCHINI, Odaléa da Conceição Deniz. A Companhia Matte Larangeira e a ocupação da terra do sul de Mato Grosso (1880-1940). Campo Grande: Ed. UFMS, 2000.

85 Thomaz Larangeira fez parte da Comissão de Limites, fornecendo alimentos à expedição. Em 1874, torna-se criador de gado na região de fronteira entre Brasil e Paraguai; três anos mais tarde (1877), dá início ao trabalho de exploração da erva mate no território paraguaio, expandindo seus empreendimentos no solo brasileiro após a concessão da exploração dos ervais em 1882. Informações em: CORREA FILHO, Virgílio. A sombra dos Hervaes Mato-

de Matto Grosso com a Republica do Paraguay, no perímetro comprehendido pelos morros do Rincão e as cabeceiras do Igatemy, ou entre os rios Amambay e Verde, e pela linha que desses pontos for levada para o interior, na extensão de 40 kilometros.86

De acordo com as pesquisas de Eva Maria Luiz Ferreira87, José Roberto Rodrigues de Oliveira88 e Laércio Cardoso de Jesus89, as terras concedidas pelo Decreto Imperial a Thomaz Larangeira situavam-se em pleno território tradicional das etnias Kaiowá e Guarani. A política de arrendamento “como forma de acesso às terras devolutas foi largamente utilizada pelo estado durante a Primeira Republica, objetivando a exploração da indústria extrativa vegetal, sobretudo da borracha e da erva mate”.90

Em 1891, aproximando-se o fim da concessão de exploração dos ervais nativos, Thomaz Larangeira associa-se ao Banco Rio e Matto-Grosso, de propriedade dos irmãos Joaquim Murtinho91 e Francisco Murtinho, criando, conforme o Decreto nº 43692, a Companhia Matte Larangeira. Em 1892, a empresa foi beneficiada com prorrogação contratual e, em 1894, obtém o “arrendamento, por 16 annos, de terrenos devolutos situados na zona fronteira

86 Decreto Imperial n° 8.799, de 9/12/1882. Coleção Leis do Império do Brasil de 1882. Parte II. Tomo XLV, Vol. II. Rio de Janeiro. Typographia Nacional, 1883. p. 530. Arquivo digitalizado e disponível na Biblioteca da Câmara dos Deputados através do Link:

http://www2.camara.gov.br/atividade-egislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao8.html 87FERREIRA, Eva Maria Luiz A participação dos indios Kaiowá e Guarani como trabalhadores na Companhia Matte Larangeira. Dissertação (Mestrado em História),

Dourados: Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), 2007.

88OLIVEIRA, José Roberto Rodrigues de. Terras devolutas de áreas ervateiras do sul de Mato Grosso: a difícil constituição da pequena propriedade (1916-1948). Dissertação

(Mestrado em História), Dourados: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), 2004. 89JESUS, Laércio Cardoso de. Erva mate: O outro lado – A Presença dos Produtores Independentes no Antigo Sul de Mato Grosso. Dissertação (Mestrado em História),

Dourados: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), 2004.

90MORENO, Gislaene. Os (des)caminhos da apropriação capitalista da terra em Mato Grosso. Tese (Doutorado em Geografia). São Paulo: Universidade de São Paulo (USP),

1993.p.146.

91 Senador pelo Estado de Mato Grosso entre 1890 – 1911, ocupou os cargos de Ministro da Viação, Indústria e Comércio (1896) e Ministro da Fazenda (1898 – 1902). Informações em: CORRÊA FILHO, Virgílio. Joaquim Murtinho. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1951.

92 Decreto nº 436, de 4/06/1891. Colleção das Leis da Republica dos Estados Unidos do Brazil de 1891. Parte II. Vol. II. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional, 1892. p. 82. Arquivo

digitalizado e disponível na Biblioteca da Câmara dos Deputados através do Link: http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/novoconteudo/Legislacao/Republica/Leis1891part2vII p787/indice.pdf

com a Republica do Paraguay, para exploração e colheita de herva-matte e outros productos vegetaes”.93

A Companhia deteve o direito de exploração de uma área de, aproximadamente, cinco milhões de hectares e, no início da década de 1920, chegou a gerenciar recursos até seis vezes maiores que a receita estadual.94 As sucessivas renovações das concessões de arrendamentos se estenderam até 1943, momento em que a política estadonovista desestrutura o “para- estado” que havia se instalado na fronteira oeste sob o domínio da Matte Larangeira. Por meio da criação do território federal de Ponta Porã, (de acordo com o Decreto-Lei no 5.812), tornou-se inviável um novo arrendamento, o que

obrigou a empresa a entregar os terrenos à União.95

No século XX, algumas medidas estatais, como a construção das linhas telegráficas e da Ferrovia Noroeste do Brasil (NOB), estimularam a migração, dinamizaram as atividades produtivas e alteraram a espacialidade econômica da região.

Para o governo central, a ligação telegráfica de Cuiabá ao Rio de Janeiro apresentava-se como instrumento capaz de garantir a defesa e a soberania sobre as “vastas e desguarnecidas” fronteiras de Mato Grosso, bem como auxiliava a tentativa de manter a ordem pública, ameaçada pelos inúmeros conflitos travados entre os grupos oligárquicos mato-grossenses que disputavam o controle do poder político local.96

Com os trilhos, o transporte fluvial foi, gradativamente, perdendo a primazia. O eixo econômico moveu-se de Corumbá para Campo Grande, que se transformou no principal entreposto de exportação e importação de Mato Grosso no final da década de 1910. Essa alteração levou à rearticulação das relações capitalistas na região, cujo foco foi deslocado da Bacia do Prata para São Paulo. Segundo Pierre Monbeig, durante as primeiras décadas do século

93Lei Estadual de n° 26, de 26 de novembro de 1894. Indicador das Leis e decretos do Estado de Mato Grosso. (1890-1935). APMT.

94CARONE, Edgar. A República Velha. op.cit. p.71.

95Decreto-Lei nº 5.812, de 13/09/1943. Coleção de Leis do Brasil. op. cit. De acordo com o Decreto, em seu 2º Artigo: Passam para o Domínio da União os bens que, pertencendo aos Estados ou Municípios na forma da Constituição e das leis em vigor, se acham situados nos Territórios delimitados no artigo precedente.

96MARTINS JÚNIOR, Carlos. Apontamentos para uma leitura de Rondon e da Comissão de Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas. Tese (Doutorado em

XX, a produção de gado no sul de Mato Grosso abasteceu os incipientes núcleos populacionais do sudoeste paulista, que floresciam com a expansão da lavoura cafeeira.97

Na passagem do século XIX para o XX, o aprofundamento das relações capitalistas na região definiu o jogo político e o processo de apropriação da terra. Em Mato Grosso, o regime latifundiário permitiu a formação de uma elite de proprietários rurais que passou a ter atuação decisiva na política regional.98 A partir desse ponto, iremos dar ênfase à formação da elite do gado, uma vez que Campo Grande nasceu como pouso de boiadeiros, tendo na pecuária a sua principal atividade econômica.