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Em busca da civilidade: o futuro do país na perspectiva da Medicina Social.

3 MÉDICOS E SENHORINHAS NA FILANTROPIA E CARIDADE BAIANA

3.3 Em busca da civilidade: o futuro do país na perspectiva da Medicina Social.

A onda modernizante que J. J. Seabra implementava sobre a estrutura

arquitetônica e urbana de Salvador89, cada vez compatibilizava-se com os ideais que a

sociedade médica pregava. Uma disciplinarização dos hábitos diários da sociedade.

Uma nova ordem higienista. Cabia àquela sociedade concretizar o ideal. Era este o

discurso utilizado pela elite baiana.

Os holofotes da imprensa apontavam diariamente os caminhos que era preciso

seguir para chegar à civilidade. “Os países europeus como exemplos de civilização a ser

seguido, o discurso civilizador no Brasil, e, no caso especifico, em Salvador, entendia

que a civilização passava pela infra-estrutura, conjunto arquitetônico e costumes

urbanos”90. Esta reeducação da sociedade passava pelo ordenamento das ruas, bem

como dos atores sociais que por ela transitava. A Maternidade Climério de Oliveira

fazia parte deste ordenamento do nascer na Bahia do inicio do século XX. Dar saúde

pública, educação e tirá-los das ruas era fundamental:

Deante desse quadro, que tão mal diz do modo por que os governos, os paes e os tutores dessas creanças consideravam o dever de velar e preparar o seu futuro, uma pergunta assalta os espíritos que amam assa terra: Que futuro esta lhe reservado? [...] Quando isso venha a suceder, a quem, porém, caberá a responsabilidade? É por isso que, mais de uma vez, temos, no desempenho da nossa missão, chamando a attenção dos poderes publicos para o abandono criminoso em que deixam elles escor-se esse tempo

89

OLIVEIRA, Pelas ruas da Bahia: criminalidade e poder no universo dos capoeiras na Salvador Republicana …, p.11.

90

precioso da geração de amanhan; [...] Amanhan muito raros serão os artistas nacionaes habilitados ao desempenho dos seus officiais, porque os tutores da infância de hoje em dia não cuidam. É este um assumpto de transcendental importância, que esta a exigir a maior attenção e cuidados dos poderes públicos.91

Em uma matéria de primeira página, publicada em agosto de 1916, o Diário de

Notícias traz a manchete ‘A educação da infância: o futuro da pátria’. O Jornal faz uma

abordagem sobre os bens que a educação gera numa sociedade. O texto é enfático

quando falava da necessidade de se cuidar da educação das crianças e adolescentes.

Nos paizes civilizados, as creanças estão nas escholas ou nas oficinas; parecendo que alli, pelo aspecto das ruas, a população infantil não existe. Em alguns paizes da américa, já o mesmo phenomeno se observa, e o poder público seguradamente, vela e dirige a educação da adolescencia, cuidando e parando o povo que há de ir substituindo a geração actual, no cultivo dos campos, nas artes, em todos os ramos das actividade, para um maior e feliz progredimento.

Por centenas na américa do norte contam-se já as colônias educativas, onde são recolhidos os infantes que por falta de seus tutores naturães, ou por indolência e indiferença destes, se não preparam livremente, nessa epocha da vida, para os trabalhos sociais futuros. Aqui se não ignora isso, conhece-se o modo de agir de povos mais adeantados já, mas, não se práticas o salutar e util ensinamento. As consequencias deste descaso ser-nos ão fatalmente prejudiciaes, pela infecção da nova geração que se afaz nos vícios, sob todas as modalidades corruptoras92.

O Jornal continua argumentando sobre tal tema, e anuncia também que o

governador do Estado da Bahia estava com a idéia de criar na Bahia, colônias

educativas nos moldes das colônias européias e norte-americanas. Sobre esta idéia do

governador o jornal argumentou: “Será o maior serviço a se prestar a esta terra, e por si

só bastante para aureolar o seu governo, pelos resultados benéficos e vantajosos que

delle promanarem”93. As pressões que a imprensa, bem como as elites médicas, faziam

ao poder público começava a surtir efeito, cada vez mais os jornais noticiavam ações do

governo do Estado que subsidiava o apoio aos pobres e desvalidos.

91

INFÂNCIA ao abandono. Diário de Notícias, Salvador, p. 1, 09 ago. 1915.

92

EDUCAÇÃO da infância: o futuro da pátria (A). Diário de Notícias, Salvador, p. 1, 23 ago. 1916.

93

Para a elite que norteava os projetos higienistas civilizadores, proteger a mulher-

mãe e a criança, era também preparar o futuro do país94. Cuidar da maternidade

significava preparar a chegada da criança ao mundo. A mulher tornou-se alvo da agenda

higienista, não por ser o único objetivo final do projeto modernizante. Medicalizar o

parto, requeria planejar, dar assistência no processo da gravidez, modernizar a forma de

nascer. E foi justamente para este fim, que a Maternidade Climério de Oliveira, foi

criada.

Esta assistência à mãe pobre baiana vinha sendo dada desde os primeiros anos

do século XX, mesmo antes da inauguração da M.C.O. Apesar das limitações e

deficiências, instituições como Santa Casa de Misericórdia da Bahia, através do

Hospital Santa Izabel, o Instituto de Proteção e Assistência a Infância, através da

Assistência Maternal no Domicílio, prestavam apoio a um reduzido número de

mulheres pobres 95.

Os centros de apoio à mulher grávida na Europa, eram sempre apontados como

referência a ser seguida no Brasil96. A puericultura deveria passar a fazer parte da rotina

das parturientes baianas, pois cuidando da mãe carente estaria cuidando do futuro do

país.

Esse ‘Bureau’ comprehende divesas comissões; uma das mais activas é a da maternidade; vela sobre as creanças desde o tempo da gestação. A mãe communica a próxima vinda ao mundo, de seu filho e o ‘comitê’ se encarrega de todas as medidas necessárias à salvaguarda do pequeno ser esperado; trata dos cuidados médicos, das despesas do parto, etc. Depois do nascimento, fornece meios para a alimentação láctea da creança, e quando esta se acha em edade de ser desmamada, cerca-a de todos os cuidados possíveis para que lhe seja dada

94

MOTT, Assistência ao parto: do domicilio ao Hospital (1830 – 1960) Projeto História Corpo & Cultura. …, p. 201.

95

GAZETA MÉDICA DA BAHIA, Salvador, p. 463, abr. 1907.

96

Muitas vezes apresentando matérias aparentemente sem propósito, o jornal Diário de Noticias, sempre públicava textos que falavam das conquistas das mulheres. Em alguns momentos polemizava temas como a autonomia da mulher, a mulher e o mercado de trabalho, a mulher trabalhadora e a amamentação, entre outros. Um exemplo deste tipo de comportamento do Diário de Noticias, é a edição de 18/03/1914, p.3.

uma alimentação apropriada á sua constituição physica. quando a creança já esta crescida, o ‘Bureau’ ou agência envia-á escola, onde recebe lições racionais; nõ lhe é ministrada educação livresca, salvo a leitura97.

O discurso de amparo à mãe desvalida tinha como um dos objetivos finais a

infância. Ao referir-se ao Serviço de Assistência Maternal no Domicílio, o Dr Alfredo

Magalhães diz:

Destina-se a proteger mulheres casadas, reconhecidamente pobres. [...] será protegida a mulher por bem do filho, que traz no ventre. [...] pretende ainda a Assistencia medica, no ultimo mez da gravidez [...] dar á mulher conselhos de hygiene, assistir o parto e providenciar para que ele se faça com as devidas regras de asepsia [...] intervir scientificamente em tudo quanto se fizer preciso, conservar a mulherpara o filho que deu á luz98.

As inquietações de uma elite que aspirava a civilidade encontravam limites na

mentalidade dos governantes. A preocupação do Estado brasileiro para com sua

população desprovida, garantindo e efetivando uma saúde pública, educação e

respectiva real inserção social, para que assim diminua-se o desequilíbrio social, ainda

está por vir. As críticas proferidas pelos médicos no início do século XX se fazem atuais

na dinâmica da realidade cotidiana.

97

ASSISTÊNCIA à infância. Diário de Notícias, Salvador, p. 1, 26 out. 1911.

98

Á esquerda: Maternidade Climério de Oliveira; Instituto Vaccinogenico; Hospital de Isolamento; Pavilhão Dr. Antonio Muniz e fachada lateral do mesmo hospital. Á direita: Hospital Santa Izabel; Asilo de Mendicidade; Instituto Anti-rabbico.

Fonte: Diário Official do Estado da Bahia. Salvador, Edição Especial em comemoração ao 1º centenário do 02 de julho 1823-1923. 1923.