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3 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO / MATEMÁTICO AO LONGO DO

3.2 Em Busca da Visão (de Totalidade) Perdida

Sempre é possível, contudo, descobrirem-se/construírem-se relações entre partes distintas de um todo. Em se tratando da relação entre a Matemática e a Física, Lecourt14 declara:

Com os “Principia Mathematica Philosophiae Naturalis” (Princípios Matemáticos da Filosofia da Natureza), de Newton, em 1687, o poder da Matemática tornou-se indiscutível. Mais ainda, a partir de então a Matemática passou a ser uma ciência posta nos píncaros. Descobre-se que uma mesma lei de atração liga os corpos mais pequenos e os maiores – os átomos e as estrelas – do universo infinito. Mas esta lei só pôde, afinal, ser formulada e ficar estabelecida graças a uma transformação da própria Matemática. O mérito imortal de Isaac Newton consistiu efetivamente em aproximar as entidades matemáticas da Física, em submetê-las ao movimento, em deixar de considerá-las no seu “ser”, para as conceber no seu “devir” ou no seu “fluir” (1990, p.13).

E prossegue asseverando (agora acerca da relação Matemática/Biologia) que:

Veremos nos próximos anos novos setores das ciências da vida abrirem-se à matematização (...).

(...) A descoberta dos “genes de desenvolvimento” que modelam o “padrão” do organismo poderia muito bem vir a conferir validade à intuição que ele (Arc Thompson15) teve da existência de uma estrutura

biológica que ligasse a evolução a variações morfológicas matematicamente mensuráveis (...) (Ibidem, p.16).

Finalmente, no que pertine à relação Matemática/Economia, afirma:

Quanto à Economia Política, há mais de um século e meio que aspira abertamente à matematização. (...) Foi o politécnico e filósofo francês Antoine-Auguste Cournot (1801-1877) quem pela primeira vez

14 Dominique Lecourt é diretor da coleção denominada Questões de Ciência, da qual faz parte a

obra O Poder da Matemática, de Moshé Flato.

15 Arc Thompson (1860-1948) fez pesquisas no campo da Morfologia Animal, divulgadas na sua

formulou o programa sistemático dessa “algebrização” na obra “Recherches sur les principes mathématiques de la théorie des richesses” (Investigações sobre os Princípios Matemáticos da Teoria das Riquezas).

(...) Cournot não inovou em matéria de Matemática: limitou-se a aplicá-la tal como a conhecia (estatísticas e cálculo diferencial) a um objeto, o “mercado”, pensando em termos de mecânica para fins explicitamente normativos de instauração ou restauração de um “equilíbrio” ideal (LECOURT, p.17).

Não se trata de criar uma oposição incondicional à especialização, cuja utilidade - haja vista esse fenômeno estar na origem da maioria das conquistas culturais da humanidade nos últimos séculos - não pode ser desprezada. É preciso, contudo, complementar a especialização com a construção de relações entre as partes/disciplinas, fato que nos aproxima da visão do todo, o qual nossos antepassados, cujo “mundo” era menor, vislumbravam mais facilmente. Não obstante o armazenamento de informações ora ser maior, a progressão rumo à consciência de totalidade é (sempre será) possível. Para tanto, basta que se mude a atitude mental, fazendo-se valerem (concordando-se com) os ditames da teoria da complexidade, pautada por: distinção, união e incerteza. Distinção: porque é inevitável admitir que o/um todo é composto por partes, por unidades, por elementos distintos; União: porquanto o/um todo não é constituído por partes que não se relacionam, sob pena de ser (uma) totalidade não-coesa, possibilidade inaceitável pelo bom senso; Finalmente, incerteza: resultante das interações, dos contatos entre as partes (bem como dos vínculos entre as partes e as totalidades), em processo inalcançável por leis determinísticas, dado o caráter aleatório das relações (o que condiz com o pensamento do consagrado cientista Ilya Prigogine, expresso na obra “O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza”), mas que

(as interações), exatamente em função da incerteza, permitem um comportamento, tanto do homem quanto do restante da natureza, impregnado de criatividade, de liberdade, de livre-arbítrio, o que não existiria em um mundo regido por leis deterministas.

Trata-se, pois, de complementar a visão compartimentalizada, de expandir/ultrapassar a concepção fragmentada da natureza, acrescentando a ela o “pensamento complexo”, mediante o qual o ser humano certamente estará mais harmonizado com o mundo à sua volta.

Referindo-se a uma nova estrutura educacional que contemple a complexidade, Morin propõe:

Assim, vivemos num mundo em que é cada vez mais difícil estabelecer ligações, quando se trataria de enraizar outra estrutura de pensamento. Para isso é preciso, evidentemente, uma ruptura do ensino, que permita juntar ao mesmo tempo que separa. O conhecimento complexo conduz ao modo de pensar complexo, e esse modo de pensar complexo, ele mesmo, tem prolongamentos éticos e existenciais, e talvez até políticos (2002a, p.18).

Petraglia (2001, p.69), em consonância com Edgar Morin, afirma que “a necessidade das relações das partes que integralizam o todo se dá a partir da complexidade que se explica pelos múltiplos aspectos influentes no processo do pensar”

“Distinção com união, união com distinção”: eis a idéia básica. Não é concebível uma natureza cujos elementos não estejam associados uns aos outros. O conhecimento humano, significando e/ou abrangendo nossa visão (nossa

criação/recriação) da natureza, não pode, portanto, ser concordante com a existência de compartimentos que não se comuniquem. Seria como imaginar o desenvolvimento da humanidade sem que seus indivíduos jamais se tivessem unido para esse fim. Distinção sem união é inconcebível, seja na natureza, seja na sua representação/recriação (através dos conhecimentos acumulados), seja, enfim, no conjunto formado pelos responsáveis (a humanidade) por tal representação/interpretação.

Entendemos que o compromisso do homem moderno no que pertine ao avassalador aumento dos conhecimentos científicos/matemáticos é, sobretudo, o de não se deixar perder na irrealidade da compartimentalização, cultivando um pensamento de união de/das partes, buscando, com isso, aproximar-se da realidade do “todo universal”, ao qual ele, o homem, também pertence, não obstante a visão cartesiana. Trata-se, então, de encontrar-se (de conhecer-se) a si próprio, conforme apregoava Sócrates.