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Em especial, os poderes do Presidente da República em matéria de defesa

Capítulo III – A dimensão constitucional da organização administrativa da defesa

10. Em especial, os poderes do Presidente da República em matéria de defesa

O Presidente da República é um dos órgãos de soberania indicados taxativamente na Constituição (artigo 110.º, n.º 1), sendo por esta definido como representante da República Portuguesa, garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas, e, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas (artigo 120.º). Detém uma legitimidade democrática direta, decorrente da eleição por sufrágio direto e universal (artigo 121.º, n.º 1), o que, nas palavras de GOMES CANOTILHO, “justifica que o Presidente da República disponha de poderes próprios ao lado de poderes partilhados”, entendendo-se os primeiros, “juridicamente, os actos e as decisões que a Constituição autoriza o Presidente da República a praticar ou a tomar, só e pessoalmente, mesmo que lhe seja exigida a obtenção do parecer prévio de outros órgãos”169.

No âmbito da defesa nacional e das Forças Armadas, enquanto poderes próprios, são cometidas ao Presidente da República as competências para «[p]residir ao Conselho Superior de Defesa Nacional» (artigo 133.º, alínea o)), «[e]xercer as funções de Comandante Supremo das Forças Armadas» (artigo 134.º, alínea a)), e «[c]onferir condecorações nos termos da lei (…)» (artigo 134.º, alínea i), 1.ª parte).

Quanto às funções de Comandante Supremo das Forças Armadas, na perspetiva de CARLOS BLANCO DE MORAIS, assumem uma componente marcadamente honorífica, dado que a competência em matéria de condução e execução da política de defesa, assim como o carácter de órgão superior da Administração Pública foram atribuídos ao Governo170. E essa preponderância do Governo significa o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas, em tempo de paz, parece compreender faculdades de tipo consultivo, protocolar, e de exercício de competências de coordenação [de que a competência para

168 JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, p. 691. Consideram

que: “[a] defesa militar é prerrogativa de soberania, que o Estado exerce através das suas Forças Armadas. E nenhum corpo paralelo, legião ou milícia, pode o Estado promover ou admitir.”.

169 J.J.GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, 2003, Coimbra,

Almedina, pp. 619-620.

presidir ao Conselho Superior de Defesa Nacional constitui exemplo]171. Tais funções são

concretizadas pela Lei de Defesa Nacional, e compreendem os seguintes direitos e deveres: dever de contribuir, no âmbito das suas competências constitucionais, para assegurar a fidelidade das Forças Armadas à Constituição e às instituições democráticas; direito de ser informado pelo Governo acerca da situação das Forças Armadas; direito de ser previamente informado pelo Governo, através de comunicação fundamentada, sobre o emprego das Forças Armadas em missões que envolvam a colaboração com as forças e os serviços de segurança contra agressões ou ameaças transnacionais; dever de aconselhar em privado o Governo acerca da condução da política de defesa nacional; direito de ocupar o primeiro lugar na hierarquia das Forças Armadas; consultar o CEMGFA e os CEM dos ramos, em matérias de defesa nacional; conferir, por iniciativa própria, condecorações militares (artigo 10.º, n.º 1). Nos termos do mesmo diploma, o emprego das Forças Armadas, e de outras forças quando integradas numa força militar, em operações militares no exterior do território nacional é sempre precedido de comunicação fundamentada do Primeiro-Ministro (artigo 10.º, n.º 2)172.

Como formas de revelação de poderes partilhados, ou de codecisão com outros órgãos de soberania, o Presidente da República nomeia e exonera «sob proposta do Governo, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Vice-Chefe do Estado-Maior- General das Forças Armadas, quando exista, e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, ouvido, nestes dois últimos casos, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas» (artigo 133.º, alínea p)). Ainda neste quadro, compete ao Presidente da República, «[d]eclarar o estado de sítio ou o estado de emergência, observado o disposto nos artigos 19.º e 138.º» (artigo 134.º, alínea d))173, bem como, nas relações

internacionais, «[d]eclarar a guerra em caso de agressão efectiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República, ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua

171 Aliás, os poderes próprios e partilhados constitucionalmente reconhecidos não se confundem com

direção política presidencial; cfr. J.J.GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional …, p. 623.

172 Sendo que, de acordo com as várias alíneas do n.º 2 do artigo 10.º da Lei de Defesa Nacional, tal

comunicação «deve, designadamente, incluir: a) Os pedidos que solicitem esse envolvimento, acompanhados da respetiva fundamentação; b) Os projetos de decisão ou de proposta desse envolvimento;

c) Os meios militares envolvidos ou a envolver, o tipo e grau dos riscos estimados e a previsível duração

da missão; d) Os elementos, informações e publicações oficiais considerados úteis e necessários».

173 Dependendo a validade do ato da audição do Governo e de autorização da Assembleia da República ou,

quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da respetiva comissão permanente, nos termos do n.º 1 do artigo 138.º da CRP. O regime do estado de sítio e do estado de emergência consta da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, alterada pelas Leis Orgânicas n.os 1/2011, de 30 de novembro, e 1/2012,

reunião imediata, da sua Comissão Permanente» (artigo 135.º, alínea c)). No âmbito dos poderes partilhados, compete-lhe ainda a direção superior da guerra, conjuntamente com o Governo, dentro dos respetivos limites constitucionais174.

Além dos poderes próprios e dos poderes partilhados, a Constituição atribui ao Presidente da República poderes de controlo, jurídico e político, cujo exercício se projeta na área da defesa nacional e das Forças Armadas. Neste âmbito situa-se o direito de veto sobre qualquer decreto da Assembleia da República que lhe seja enviado para promulgação como lei orgânica sobre a organização da defesa nacional e das Forças Armadas, superável somente mediante confirmação por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções (artigo 136.º, n.º 3). Situa-se, também, neste contexto, o direito de veto sobre qualquer decreto do Governo que lhe seja enviado para promulgação como decreto-lei em matéria de defesa nacional e Forças Armadas (artigo 136.º, n.º 4).

Em suma, o Presidente da República exerce, em tempo de paz, poderes próprios e partilhados, traduzidos em responsabilidades marcadamente honoríficas, de tipo consultivo, protocolar, e de exercício de competências de coordenação, a que acrescem os poderes de controlo175. Tais poderes não abrangem a condução política da defesa nacional e de direção da administração das Forças Armadas, que, como foi acima referido, estão constitucionalmente atribuídos ao Governo176-177.

11. A Distinção constitucional entre Administração direta, Administração indireta