• Nenhum resultado encontrado

2.2 O olhar sedutor do poder: as relações entre sujeito e informação

2.2.1 Em nome do consumo: o fetiche da informação

Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia

tão diverso de outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário

com outros seres diversos e conscientes de sua humana, invencível condição. Agora sou anúncio

ora vulgar, ora bizarro.

No neoliberalismo, a partir do momento em que a informação passa a ser considerada como um produto para consumo, ela assume um valor de mercado. Torna-se mercadoria atraente, estrategicamente utilizada e trabalhada pelos meios de comunicação de massa, dentre eles o discurso jornalístico, para seduzir e capturar o sujeito-consumidor. A lógica do mercado aplica-se perfeitamente à relação sujeito-consumidor e informação- mercadoria. Os sujeitos praticamente transformam-se em sujeito-objeto, “capturados” pela mercadoria, que reina soberana no mercado. A imagem construída da mercadoria é o espelho que revela ao sujeito aquilo que ele pode ser ou ter, promete um gozo ao sujeito. Entretanto, para essa imagem realmente produzir sentido, ter valor, deve estabelecer-se no imaginário do sujeito. A construção do valor da mercadoria transforma-a, então, em fetiche. Para Marx, o fetiche é o que encobre na mercadoria a sua condição de trabalho alienado, aquilo que faz dela um objeto de idolatria, de tal forma que sua origem social fique apagada. Dessa forma, o fetiche funciona como uma espécie de adoração, a partir do esquecimento da alienação do trabalho, fazendo com que o sujeito deseje o que lhe foi alienado. A esse respeito, trazemos uma citação longa de Marx (apud BUCCI, 2002, p.70), que consideramos fundamental para entender o fetiche:

O misterioso da forma mercadoria consiste simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades sociais destas coisas e, por isso, também reflete a relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social que existe fora deles, entre objetos. Por meio desse qüiproquó os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas físicas, metafísicas, sociais. (...) Não é mais nada que determina a relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Por isso, para encontrar uma analogia, temos que nos deslocar à região nebulosa do mundo da religião. Aqui, os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, figuras autônomas, que mantêm relações entre si e com os homens. Assim, no mundo das mercadorias, acontece

com os produtos da mão humana. Isso eu chamo de fetichismo que adere aos produtos de trabalho, tão logo são produzidos como mercadorias, e que, por isso, é inseparável da produção de mercadorias.

Bucci (2002) traz o fetichismo em Marx, atualizando-o para os nossos dias, como um processo de fabricação do valor de gozo. Para esse autor, agora é gozo, e não uso, o que o sujeito busca na mercadoria. A imagem da mercadoria materializa-se na linguagem, através de relações imaginárias, tornando o fetiche, ele próprio, um produto industrializado do modo capitalista de produção. Dessa forma, o que é socialmente fabricado não é a mercadoria, mas o seu fetiche, que, por sua vez, também é visto como mercadoria, como imagem. Portanto, se considerarmos a informação como fetiche, podemos afirmar que, hoje, sua construção pelo discurso jornalístico necessita de estratégias incisivas para capturar o olhar do sujeito-consumidor.

Já Birman (2005, p.259-261) apresenta o fetichismo a partir de Freud, colocando-o como “a maneira pela qual o sujeito evita a todo custo a experiência da castração e o reconhecimento da diferença sexual”. A castração, em Freud, direciona o sujeito, de forma inapelável, para um outro olhar sobre a figura materna, que é destituída de seus emblemas fálicos e reconhecida, então, em sua diferença sexual, constituindo a individualidade como singularidade. Desse modo, a intersubjetividade e a experiência da alteridade apenas se constituem quando o sujeito é atravessado pela diferença e pelo desejo (sempre inapreensível). Caso isso não ocorra, o fetiche buscará tamponar (provisória e interminavelmente) essa percepção do corpo materno. Portanto, o fetichismo como modo de ocultamento da falta constitutiva do sujeito, a qual instaura o desejo, nasce com a recusa, por parte do sujeito contemporâneo, em admitir a diferença sexual, a castração. Com isso, ele permanecerá num processo de fabricação do valor de gozo, capturado pelo consumismo do mundo capitalista. É importante lembrar, com

Birman, que o sujeito do desejo continua presente porque, caso contrário, não existiria mais sujeito; entretanto, encontra-se embotado, “anestesiado” no imaginário, no excesso, no “gozar a qualquer preço”, segundo Melman (2003). Desse modo, Birman (2005, p.172) destaca que, na atual cultura do narcisismo,

[...] assistimos a uma transformação crucial na problemática do sujeito (...). O estado de ser fora-de-si do sujeito perde o lugar de maldito, pois, como autocentramento, passa a ser valorizado socialmente e portanto legitimado. O sujeito fora- de-si passa a ser bendito e não mais amaldiçoado. Os excessos na interiorização, no estado de ser dentro-de-si, é que passam a ser então considerados negativos para o sujeito.

Isso significa que o sujeito busca a exterioridade, um movimento do eu para fora de si, a exposição de si, a informação superficial, desde que ele esteja em evidência, o que é próprio da sociedade do espetáculo (cf. 2.2.3).

Como vimos, tanto em Marx quanto em Freud, o fetichismo fala de um ocultamento: em Marx, o ocultamento das relações de dominação/exploração nasce da transformação dos produtos do trabalho em mercadorias; a partir das idéias de Freud, o que ocorre é o ocultamento da falta constitutiva do sujeito. Assim, a noção de fetiche pode sustentar-se a partir das considerações desses dois teóricos, pois a informação torna-se algo desejado e buscado pelo sujeito-consumidor, ainda que por motivações diferentes.

Bucci lembra, ainda, que a utilidade da mercadoria é de complementar (e, ao mesmo tempo, esconder) a função de gozo. Essa utilidade tem um (suposto) valor de uso que legitima imaginariamente sua função de gozo que, hoje, é central. Propõe, então, o termo “gozo imaginário”, que define da seguinte forma:

O gozo imaginário, seja pela “fantasia” de Marx, seja pelo fantasma de Lacan, é que determina o valor de troca (...). No capitalismo super-industrial, um outro valor passou a ser

produzido socialmente, o valor de gozo, e ele é que incide de forma preponderante sobre a determinação do valor de troca (BUCCI, 2002, p.63).

O autor defende que o valor de gozo, além de ser produzido pelo trabalho, seja ele criativo, de inovação tecnológica ou científica, entre outros, também se compõe do olhar social, isto é, “o capital se apropria do olhar para incorporá-lo aos signos que fabrica” (BUCCI, ibid., p.63). Dessa forma, o discurso jornalístico diversificado busca despertar o olhar do público, no sentido de levá-lo a consumir a informação-mercadoria.

A seguir, discutimos a questão do olhar e seu poder na relação sujeito-informação.