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4 AS COSTURAS DO DEVIR-PEDAGOGO EM ETERNO

4.3 EM OPOSIÇÃO À IDENTIDADE

Quando trouxe palavras introdutórias sobre a repetição no eterno retorno, a intenção foi afirmar um movimento que leva sempre o sujeito ao seu infinito, deixando-o se ver como um ser fasado. No entanto, Deleuze (2006) nos fala de uma repetição por identidade, estática, resultante de algo, à caça da simetria, a qual somente produz o retorno ao mesmo, ao semelhante, ao equivalente, ao idêntico. Entretanto, quando me refiro ao Ser pedagogo aassumo uma oposição ao sentido da identidade do pedagogo, por compreender que a identidade é uma forma mesma de ser, um modo semelhante de ser; é a aceitação do idêntico. Feito isso, não deixo de perceber que a busca da identidade é um dos maiores desejos quando o assunto é a formação do pedagogo. Concordando com Deleuze (2006, p. 339), “quando dizemos que o eterno retorno não é o retorno do Mesmo, do Semelhante, ou do igual, queremos dizer que ele não pressupõe qualquer identidade. Ao contrário, ele se diz de um mundo sem identidade, sem semelhança e sem igualdade”. Esta modelagem é impensável quando a colocamos no fluir da vida em toda a sua imanência, porque não há uma forma ou um modo de Ser pedagogo; cada indivíduo é um exemplar que garante em si a sua

univocidade. Para Deleuze (1976) não podemos compreender o eterno retorno enquanto não o opomos de certa maneira à identidade.

A questão da identidade aparece nos fluxos formativos dos pedagogos como a pedra no

caminho de Carlos Drummond de Andrade (2013). Há uma “violenta” maneira de

modelagem quando se procura um única forma de Ser pedagogo, podendo ser visto nas falas:

[...] eu sou professora? Eu sou coordenadora? Eu sou pesquisadora? E fiquei assim, sem saber o que eu era! Peguei o canudo, concluí sem ter realmente essa identidade (Seda, Ateliê das memórias).

[...] Foi difícil pra mim encontrar e definir na questão da identidade do pedagogo. [...] Eu estou como Seda, eu não me vejo como pedagoga, há até um conflito em relação a profissão. Sei que é isso que eu quero, agora, como sujeito dentro do processo, [mas] qual é o meu papel, mesmo? (Renda, Ateliê das memórias).

[...] Eu comecei a estudar a identidade; eu fiz minha monografia na área de identidade. Ai eu cheguei àquele entendimento inicial de que a identidade ela se constrói e se reconstrói a todo momento, a partir das nossas experiências tocantes, no ser. Então, não era só o curso de Pedagogia que ia nos tornar pedagogo, nos fazer pedagogo, mas a nossa práxis, no dia-a- dia, que ia construir esse “eu sou pedagogo” (Organza, Entrevista Narrativa).

O primeiro choque foi a realidade [a sala de aula numa escola pública do campo]. [...] se ela [a formação acadêmica] foi possível em me aproximar do exercício da profissão? Vou dizer que não! Foi nesse momento que eu me constituí pedagoga e formei minha identidade profissional (Algodão, Entrevista Narrativa).

A minha concepção, o meu entendimento maior que me identifica enquanto pedagogo, eu acho que é esse diferencial que a gente tem, como eu estou batendo na mesma tecla, de que outras, talvez, formações, até outras licenciaturas não têm, que é essa visão mais ampla de mundo que o

pedagogo tem. [...] aí eu acho que a gente encontra uma identidade. [...]. Porque a gente, de certa forma, tem essa visão maior de mundo, de educação e acredita na mudança da educação. Acho que é aí que a gente se identifica, como grupo. Acho que todo pedagogo, de certa forma, tem essa visão. É o que nos faz, de certa forma, uno, nesse sentido (Malha, Entrevista Narrativa).

Em Seda e Renda é possível observar certa aflição em ter que assumir uma forma, como se dependessem disso para se tornarem pedagogas. Há um sentimento de “fora de casa”, deixando-as excluídas de um território profissional, mesmo quando afirmam a sua pedagogicidade em seus mapas de vida e em suas cartografias-narrativas.

Organza, por sua vez, na tentativa de entender e construir sua identidade aproximou-se muito mais do sentido da diferença. No momento que diz de um desfazimento e refazimento de si, aproxima-se do próprio movimento de eterno retorno e, como nos diz Pereira (2013, p. 41), “esse estado de tensão constante, esse risco permanente de desfazer-se, é algo muito distinto de identidade. Uma identidade é a institucionalização de uma forma, é a redução do movimento de criação à reprodução de modelos hegemônicos e estereotipados”.

Algodão produz forças ao produzir suas “maneiras de fazer”, fora das modelagens profissionais e, ainda assim, diz que aí está a sua identidade profissional, sugerindo a apropriação do discurso da identidade como uma necessidade que se impõe ao ser. Para contestar tal discurso, trago Sá (2004, p. 126) com quem faço voz, para dizer que “é justamente quando se desprendem de expectativas de uma identidade de Pedagogo, idealmente veiculada, que os estudantes vão desenvolvendo uma compreensão no sentido da construção de um mundo, de uma existência singular”.

Malha, depois de insistir na ausência e na necessidade de uma identidade para o curso e para o pedagogo, ao não encontrá-la, prefere anunciar uma modelagem das ideias, do modo de pensar um pedagogo, deixando ver a força que se impõe às formações profissionais de massificação. Em Pereira (2013, p. 42) encontramos que “a institucionalização das identidades é uma forma de homogeneizar o cotidiano e constituir os agrupamentos e

coletividades”. Para Malha, o fato de pensar de forma homogeneizante dá estabilidade ao grupo de pedagogos, dá-lhes identidade.

De modo geral, fica visível que a sociedade moderna vive à caça de produzir identidades ou representações, de repetições “nuas”, como diz Deleuze (2006), ou seja, estão focadas no efeito, são extensivas e ordinárias, podendo somente ser desenvolvidas e explicadas. Trata- se de um tipo de repetição que busca a igualdade, a comensurabilidade, a simetria; são repetições inanimadas. A busca pela identidade faz sentido quando analisamo-la em relação com a representação que, segundo Deleuze (2006, p. 93), “tem apenas um centro, uma perspectiva única e fugidia e, portanto, uma falsa profundidade; ela mediatiza tudo, mas não mobiliza nem move nada”. A representação está associada a uma lei que a torna possível, como forma de identidade, que “constitui ora o em-si do representado (A é A), ora o para-si do representante (Eu = Eu). O prefixo RE-, na representação, significa a forma conceitual do idêntico que subordina as diferenças” (p. 93). A identidade do pedagogo é uma representação que se faz do pedagogo, donde se exclui as diferenças. Entretanto, quando perspectivamos outras possibilidades de ver e de interpretar, podemos dizer que os fluxos das forças vivas no plano de imanência podem desviar dessas formas predeterminadas, pré- moldadas, deixando notar os devires do pedagogo, cujas multiplicidades, em constantes transformações, não são passíveis de fixações. O Ser pedagogo é um ser do devir, cuja identidade lhe escapa. De fato, o devir-pedagogo arranca o sujeito da identidade e o coloca em movimentos de produção de singularidades. Nesse sentido, diz-se que o Ser pedagogo é uma potência que se atualiza e, ao atualizar-se, coloca-se novamente em estado de defasagem e, encontrando-se assim, acessa continuamente as potências de devir, tornando-se num outro em si-mesmo, diferindo-se, “no sentido daquilo que justamente vêm abalar as identidades, estas calcificações de figuras, opondo-se à eternidade. O inatual, o intempestivo. Diferenças que fazem diferença” (ROLNIK, 1995, p. 1). Então, assumo a oposição à identidade e sigo a caminho da diferença.