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CAPÍTULO II: PRÁTICAS DE DIFERENÇA E IDENTIFICAÇÃO NO

2.4 Em que se baseiam as rivalidades?

Conforme demonstrado no tópico que apresenta os grupos que compõem o circuito, os conjuntos que participam deste possuem várias semelhanças, ou seja, se distribuem espacialmente seguindo uma mesma lógica, possuem os mesmos repertórios, possuem uma frequencia em seus encontros e até mesmo executam os mesmos instrumentos, considerados a formação básica do choro, o cavaquinho, os violões 6 e 7 cordas, o bandolim e o pandeiro. Mesmo existindo similaridades entre os conjuntos, é possível observamos “rachaduras” no

circuito, que tem como resultado a aglutinação de alguns grupos e o não reconhecimento de outros. Este quadro nos reporta a uma indagação: em que se baseiam as rivalidades?

As rivalidades presentes no circuito do choro de Aracaju se baseiam em disputas por posições de prestígio. Ocorrem em uma relação entre estabelecidos e outsiders, utilizando-nos

47 Fala de Alvino Argollo.

das categorias propostas por Elias e Scotson (2000), na obra de mesmo nome. Tentando entender quais eram os motivos que levavam alguns grupos sociais a se considerarem superiores a outros, os autores estudaram uma comunidade, onde perceberam a existência de divisões claras em seu interior, apesar de parecerem um bairro homogêneo, ou seja, os moradores pareciam ter características sociais semelhantes (ocupação profissional, formação escolar, entre outras).

Elias e Scotson (2000) chamaram de estabelecidos os indivíduos que ocupavam posições de poder, que tinham sua identidade social construída a partir da combinação tradição, autoridade e influência. Já os outsiders representavam aqueles que ficavam fora da considerada “boa sociedade”, que possuíam laços sociais menos intensos e não apresentam uma identidade de grupo.

Retoma a discussão proposta o Outsiders: estudos da sociologia do desvio (2009). Nesta obra Becker afirma que o sucesso de uma rotulação ocorre devido ao poder que é legitimado por uma organização política, social e econômica. Ou seja, um grupo consegue fazer com que as suas regras sejam aceitas por outros grupos no interior da sociedade. A teoria de Becker é a da rotulagem, o que significa dizer que é desviante aquele que é apontado como tal. Deste modo ser um outsider significa estar de fora de um grupo que detém o poder de impor esta classificação.

Aqui são chamados de estabelecidos os que atuam há mais tempo no circuito e que reúnem a maior quantidade de membros ligados ao saber formal da música, os grupos do Sarau do Maestro Argollo e Cantinho da Boemia – este último por ser composto de membros do primeiro. Esses conjuntos por terem os participantes mais antigos do circuito, tiveram contato direto com os regionais de rádio, alguns dos músicos dos regionais49 participaram, inclusive, do sarau do maestro. Além dessas características existe o fato de alguns dos chorões que frequentam (ou frequentaram) o Sarau tocaram com músicos renomados no cenário nacional50, foram professores no Conservatório de Música de Sergipe ou em filarmônicas, participaram dos antigos festivais de música promovidos pela prefeitura da cidade e porventura venceram tais eventos.

Os outsiders representam os grupos que possuem um menor tempo de atuação no

circuito, de modo que não são ligados a uma ideia de tradição, são também os que concentram

49 A exemplo de Miguel Alves, Carvalhal e Carnera. 50 A exemplo de João Gilberto, músico de MPB.

um menor número de chorões que possuem o saber institucionalizado da música. A categoria

outsiders refere-se aos grupos Renovação do Choro, Recanto do Chorinho, Bondenós e Boêmios Nota10. Representa uma exceção à classificação o Grupo Tabajara, pois existe desde a década de 1950, período próximo do início da atuação dos chamados estabelecidos (é o mais antigo em termos de atuação profissional e foi um regional de rádio). Contudo, este conjunto não ocupa uma posição de prestígio no circuito, o que pode ocorrer por terem se desenvolvido profissionalmente fora do Estado e atualmente possuir apenas um membro da formação original. Este conjunto aparece isolado no circuito, de modo que os outros grupos nem chegam a mencionar a sua existência.

A legitimidade de alguns grupos em detrimento da estigmatização de outros se deve a princípios ou critérios que irão estruturar um determinado universo social. Em relação ao gênero estudado, formam o quadro geral do que se entende por choro as ideias de que este representa um tipo de música genuinamente brasileira, essencialmente instrumental, de difícil execução, conhecida pela capacidade de improviso e virtuosidade de seus músicos. Em suma, ser um músico de capacidade excepcional, ter erudição – o que pode ser demonstrado pelo fato de ter o conhecimento formal ou na escolha do repertório.

Ser ou não um outsider constitui, portanto, o resultado de processos políticos, em que alguns conseguem impor os seus posicionamentos como legítimos, enquanto outros não terão o mesmo sucesso. Implica disputas de poder entre grupos. “Estar de fora da boa sociedade” não depende de critérios fixos, ou seja, pode existir ou não um consenso nessa classificação. Será o resultado das condições sociais que influenciam a imposição do rótulo, no caso desse estudo, as redes de solidariedade nas quais os indivíduos se inserem e as maneiras pelas quais demonstram que são músicos de choro, por meio das práticas cotidianas, comportamentos e valores próprios desse universo social.

CAPÍTULO III: A BUSCA POR LEGITIMIDADE NO CONTEXTO DAS