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Farmácia 1 Dirigentes e quadros superiores

4. Em suma: tendências fortes e uma recomendação

Os dados com que se trabalhou ao longo do Relatório dão-nos um retrato actual, extensivo e à superfície da Universidade e dos seus estudantes de 1º ano. Com sérias limitações, é certo, e que aqui convém recordar: a não obrigatoriedade de entrega da chamada “Ficha Azul”, a ausência de controlo sobre o rigor do seu preenchimento são, entre muitos outros, obstáculos incontornáveis. Assinalámos, aliás, alguns efeitos destes procedimentos institucionais negligentes: no ano lectivo de 2003/2004, o universo da população de inscritos pela 1ª vez no 1º ano da UL ascende a 3651 alunos (fonte: OCES), enquanto o total de fichas constantes das bases de dados das próprias faculdades se reporta a 2939 alunos; há algumas perguntas, no caso de certas bases de dados, com elevadíssima taxa de não resposta (ex.: a nota de candidatura em Psicologia e Ciências da Educação ou em Ciências, o distrito de residência antes da entrada na universidade no caso de Letras). A estas falhas elementares junta-se a grande liberdade de codificação das respostas dada pelos diferentes serviços académicos, depois da devolução da ficha – o que não raro desvirtua o sentido das perguntas e inviabiliza as comparações.

Neste âmbito, há porém alguns padrões identitários que se conseguem reter, a partir dos apuramentos simples e dos cruzamentos estatisticamente significativos de variáveis.

Em traços largos, podemos dizer que estamos em presença de...

• uma Universidade (metropolitana) de Lisboa, pois a esmagadora maioria dos seus alunos são provenientes de Portugal e recrutados na área metropolitana de Lisboa. A excepção que se destaca é Medicina, com um recrutamento mais nacional;

• uma Universidade (feminina) de Lisboa, onde a representação de raparigas é esmagadora, à entrada: 63% (56% no total do país, 1º ano, 1ª vez, em 2004/2005); • uma Universidade (preferida) de Lisboa, pois ¾ dos alunos estão no seu curso de

eleição, isto é, aquele que constituía a sua 1ª opção no curso. No leque de ofertas destaca-se, numa ponta, Medicina (95% de alunos em 1ª opção) e, na outra, Medicina Dentária (72% de alunos não em 1ª opão);

• uma Universidade (de excelência) de Lisboa, onde 80% dos alunos entram com notas de candidatura de “Bom” ou “Muito Bom” (entre os 14 e os 20 valores);

• uma Universidade (favorecida) de Lisboa, com uma claríssima sobrerrepresentação das origens sociais favorecidas, embora a paisagem surja com cambiantes distintos, por Faculdade.

Contudo, este universo sumariamente apresentado está longe de ser homogéneo. Os mesmos dados revelam contornos distintos entre as diferentes unidades orgânicas, em grande parte moldados pelas características socio-escolares dos estudantes que afluem à sua entrada. A diversidade é portanto também um dos traços marcantes deste retrato e ela não se organiza ao acaso.

A condição de género do estudante, rapaz ou rapariga, é um dos factores estruturantes desse universo. As raparigas são em muito maior número (em especial nas Faculdades de Farmácia, Medicina Dentária e Belas Artes), apresentam os melhores percursos escolares no secundário (melhores notas de candidatura, menos retenções), estão sobrerrepresentadas na categoria dos “deslocados da área de residência” e provêm mais frequentemente das classes mais desfavorecidas. Os rapazes, em minoria e menos bem sucedidos na escola secundária, provenientes de famílias mais favorecidas (do ponto de vista da escolaridade e da profissão dos pais, do rendimento) acantonam-se em escassos bastiões: alguns cursos de Ciências (Física, Engenharias, Estatística, Energia e Ambiente) ou de Letras (Filosofia e Geografia).

As suas origens sociais constituem outro poderoso elemento estruturador da diversidade. No momento da entrada, as melhores notas de candidatura associam-se implacavelmente aos melhores níveis de escolaridade de pai e mãe, às profissões do topo (com destaque para as “intelectuais e científicas” ou “dirigentes e quadros superiores”, bem como “técnicos e profissionais intermédios”). O que revela a incidência e o sentido da desigualdade de oportunidades: a excelência e o mérito académicos são cúmplices da pertença social do aluno e fabricam-se, portanto, no contexto das condições materiais e culturais da existência familiar, no seio de um cenário educativo doméstico e exterior à instituição escolar.

A mancha delineada dos recrutamentos sociais das diferentes Faculdades é outro sinal do impacto dos meios de origem na estruturação do campo académico. Há uma clara diferenciação e marcação social das vias de acesso à Universidade. Os alunos provenientes dos meios mais desfavorecidos fazem a sua entrada no ensino superior através de cursos como os da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação ou Letras. Pelo contrário, os estudantes oriundos dos meios mais favorecidos (do ponto de vista do capital económico) distribuem-se preferencialmente pelos cursos de Farmácia, Direito e Belas Artes, enquanto os que provêm das famílias mais favorecidas do ponto de vista das qualificações académicas se apresentam com uma representação de peso, nos cursos de Medicina e Medicina Dentária.

A Universidade de Lisboa encontra-se num período de acelerada viragem que decorre, afinal, das transformações mais vastas presenciadas nas últimas décadas no sistema de ensino português.

Mais aberta aos grupos sociais outrora distantes da Universidade – as mulheres e as classes sociais mais desfavorecidas – o que representa sem dúvida um ganho democrático, ela não deixa contudo de perpetuar clivagens culturais muito nítidas. O seu acesso ainda depende em grande medida de factores que, não sendo estritamente escolares (como os recursos económicos e culturais) e situando-se para lá da instituição escolar (na família), contribuem claramente para a construção de trajectórias académicas de sucesso.

Ora, num momento em que, por efeito do aprofundamento da intervenção política comunitária no campo da educação (Antunes, 2005; Pacheco e Vieira, 2006) o ensino superior português se prepara para revolucionar estruturas, conteúdos e processos pedagógicos, acentuando a autonomia de aprendizagem do aluno, julgamos importante sublinhar que estas clivagens não podem ser esquecidas. Mecanismos de apoio tutorial e um acompanhamento docente acrescidos não podem deixar de ser considerados neste cenário de maior autonomia, sob pena de vir a aumentar potencialmente o fosso entre estudantes que dispõem de meios para a exercer com sucesso, e estudantes para quem uma maior margem de liberdade de aprendizagem não devidamente enquadrada poderá culminar em desorientação, impotência e insucesso.

Só a monitorização extensiva e permanente dos percursos escolares dos seus estudantes permitirá à Universidade de Lisboa – e a todas as suas unidades orgânicas – dispor de instrumentos seguros e actualizados para agir com clarividência nesta matéria.

A concluir, e como recomendações finais, a equipa:

• apresenta em anexo uma nova proposta de “Ficha Azul”, resultado de uma apreciação sobre as limitações do modelo anterior16;

• faz um apelo à Reitoria no sentido de supervisionar de perto e com firmeza todo o processo de inquirição, codificação e construção das bases de dados pelas diferentes Faculdades – tornando-o, desde logo, universal e obrigatório.

Lisboa, 31 de Maio de 2006

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