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A resposta à problemática apresentada pode ser produzida a partir de distintos discursos, que envolvem desde conceitos sobre o Gerenciamento Costeiro Integrado e Políticas Públicas, até a Abordagem Ecossistêmica e Cogestão Adaptativa. Compete relembrar, então, que para tratar dos tópicos já expostos, a presente tese seguiu as discussões sobre governança em AMPs, centrada na lógica da complexidade de sistemas. Para isso, fez uso das leituras seminais da Teoria dos Comuns e da Teoria Ator-Rede, caminhando para uma leitura mais específica da governança em sistemas socioecológicos e da pesca artesanal como sistema sociotécnico.

A Teoria dos Comuns oferece uma abordagem alternativa à gestão, considerando variáveis institucionais em um modelo analítico da ação coletiva, enfatizando o papel das negociações no balanceamento do uso de bens comuns (OSTROM, 2002). A Teoria dos Comuns se desenvolveu em um contexto de reação em relação aos argumentos de Garret Hardin e o enunciado da Tragédia dos Comuns, situação em que os indivíduos agem de forma independente e de acordo com seus próprios interesses (contrários aos interesses coletivos,

por exemplo), esgotando algum dado recurso (HARDIN, 1968).

Vale contextualizar que o recurso comum é qualquer recurso natural, ou mesmo algo desenvolvido pelo ser humano, que é ou pode vir a ser apropriado e usado de forma partilhada (OSTROM, 1999). Esses recursos apresentam dois atributos principais: (1) a exclusão (o controle de acesso de usuários é tido como um problema) e (2) a subtração (cada usuário pode subtrair uma parte do recurso que está disponível para os demais usuários) (OSTROM, 1990). E por estas características, percebe-se sua enorme aderência a sistemas pesqueiros. A opção pela Teoria dos Comuns para compreender a dinâmica de governança de recursos naturais orienta-se para compreensão dos sistemas complexos associados e suas instituições.

Nesta perspectiva sistêmica emerge o sistema socioecológico (SES). Berkes e Folke (1998), na obra "Linking Social and Ecological Systems: Management Practices and Social

Mechanisms for Building Resilience", citam este termo e utilizam a resiliência como aspecto

chave para tratar da complexidade de um sistema ao integrar as perspectivas social e ecológica. Os autores citam que os sistemas socioecológicos não se comportam de forma linear, eles são complexos e possuem distintas formas de absorver distúrbios.

Para Folke et al. (2005; 2012), um importante aspecto para a conceituação de um SES, ligado à complexidade, é a questão de escala. A escala pode ser entendida como uma das dimensões de espaço e de tempo, quantitativas ou analíticas, utilizada para o estudo de processos dinâmicos (Gibson et al., 2000). Berkes (2002; 2008) também verificou que, apesar dos estudos sobre recursos de uso comum avançarem significativamente nas análises das estruturas institucionais em um SES, pouco avançaram sobre sua dinâmica, incluindo esta leitura das escalas, e que esta característica do SES continua sendo um desafio para a governança.

A partir destas percepções e desafios, então, foi que as análises institucionais receberam um crescente aprimoramento (OSTROM; BASURTO, 2011) e a conceituação de outras abordagens relacionadas se tornaram mais evidentes. Logo, ao explorar estas questões, foi preciso compreender outras linhas influentes na literatura, incluindo aquelas ligadas à adaptação nos sistemas e à governança interativa (ARMITAGE et al., 2009; 2013; CHUENPAGDEE; JENTOFT, 2015; FOLKE et al., 2005; KOOIMAN et al., 2005). Diversos trabalhos relacionados à governança em áreas marinhas e estuarinas vêm utilizando estas abordagens e suas combinações em suas discussões, incorporando importantes modelos analíticos em seus enfoques metodológicos (ARMITAGE, 2008; ARMITAGE et al., 2009; 2013; BERKES, 2006; FOLKE et al., 2007; MEDEIROS, 2009).

socioecológicos, então, há a possibilidade de uma leitura mais crítica e holística sobre a governança: uma perspectiva mais abrangente sobre gestores e atores desta governança e um ambiente institucional apropriado a partir de políticas abrangentes, parcerias, formação de redes, comunicação e ação coletiva. E as discussões sobre governança interativa para as AMPs surgem neste contexto. No entanto, a lacuna percebida17 é a discussão ampliada sobre a

governança de um SES na ótica multiescalar, e suas interfaces com as redes sociais.

Segundo os estudiosos da governança interativa, a governança é toda a interação que ocorre e ela abrange os processos governamentais como também os processos não formais (KOOIMAN; BAVINCK, 2005). Nesta abordagem, as condições de governabilidade são um elemento-chave nos estudos de governança (SONG et al., 2018a). E por governabilidade entende-se a capacidade de um sistema socialmente construído governar um sistema complexo (JENTOFT; CHUENPAGDEE, 2015). A governança existe em muitas formas e modos, desde a autogovernança local, de baixo para cima, até a governança hierárquica, de cima para baixo, implantando uma ampla gama de intervenções e instrumentos (CHUENPAGDEE; JENTOFT, 2015; KOOIMAN et al., 2005; OSTROM, 1990).

A AMP, analisada como um sistema complexo, pode ser discutida também sob a ótica de um sistema sociotécnico (ANDRADE, 2010), apontando para oportunidade de se estabelecer novos formatos de governança. Esta reflexão possui uma visão crítica das concepções tecnocráticas, estruturalistas e essencialistas do comportamento e da ação social. Ao considerar uma AMP nesta perspectiva, é importante discutir os aspectos híbridos nas relações.

Uma vez, então, que existem várias formas de governança e relações híbridas, destaca- se o proposto no trabalho de Song et al. (2018a,b), que evidencia que os processos de governança constroem o sistema a ser governado e, no mesmo processo, eles reconfiguram o sistema de governo. Logo, percebem-se possíveis novas leituras. A proposta aqui é, assim, propor uma releitura sobre governança, a partir de uma maior conexão destes subsistemas (de governo e a ser governado). E considerando que as interações governantes aparecem narradas, em vários trabalhos sobre AMPs, como resultado de mecanismos de dominação, poder e controle, é importante fazer uso de uma leitura que codifique essas relações, sendo assim evidenciada a importância da Teoria Ator-Rede (CALLON, 1986; LAW, 1992; LATOUR, 1995). A ANT questiona exatamente essas relações sociais, ao indagar quais e como são as associações entre agentes que compõem uma determinada rede, e estes agentes são considerado atores quando “fazem outros fazer algo”, gerando transformações manifestadas

em eventos inesperados, percebidos em outros atores (LATOUR, 2012).

Dessa maneira, pode-se dizer que a ANT consiste em uma descrição densa das múltiplas associações e conexões estabelecidas em um fluxo de ação, que caracterizará redes (e sub-redes) heterogêneas, com relatos controversos (LATOUR, 2012).

Vale salientar que a escolha deste arcabouço teórico-metodológico distancia a governança das AMPs de um entendimento sobre a governança como sendo meramente o ato de governar por procedimentos e instrumentos de gestão; ou mesmo da governança somente como negociações, revisões e rearranjos de procedimentos e instrumentos (SONG et al., 2018a). Estes itens serão detalhados na Seção 2 da presente tese (Referencial Teórico).

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