• Nenhum resultado encontrado

Emergência e scaling-out autoorganizado de iniciativas-satélite

Na rede-iniciativa do Médio Solimões, que já foi discutida em detalhe na seção 3.4, podemos observar sub-redes iniciativas pequenas, organizadas em torno de centros de convergência que são a Pousada Casa do Caboclo, o coletivo do Acordo de Pesca do Capivara e o Grupo de Preservação e Desenvolvimento (GPD) .

O GPD antecede o período de maior pujança na rede principal. Trata-se se uma inicia- tiva que, como o nome sugere, refere-se aos ecossistemas da várzea e a subsistência da população. Surge nos anos 90, a partir da aglutinação de pouco mais de uma dezena de lideranças comunitárias e outros agentes técnicos e de mobilização que estiveram envolvidos no Movimento de Preservação de Lagos da década anterior. Contam-se entre seus filiados, no período de funcionamento (1992 a 2004), um número que oscilou entre 11 e 45 comunidades, tal como descrito por Peralta (2012). Promoveu ações de reconhecimento do território de pesca, caça e madeira das comunidades, frente as pressões que enfrentavam de atores ligados à conservação e à pesca predatória. De 1996 a 2001 aprovou projetos para financiamento junto a doadores, o que, diante da atribuída falta de capacidade técnica e gerencial do grupo erodiu os laços de coope-

ração o que colapsou a organização (PERALTA, 2012). A amplificação das flutuações

internas da iniciativa pelo aporte externo de capital, hipoteticamente para além das capacidades do sistema-iniciativa de processá-lo, lembra o paradoxo do enriquecimento (ver seção 2.5) descrito para os ecossistemas. Outro aspecto notável é a apropriação do discurso da conservação e desenvolvimento por um movimento de características endógenas, o que contrasta fortemente com a origem e carga geopolítica exógena geralmente associadas a essa abordagem (ver seção 1.2.2).

O Acordo de Pesca do Capivara abrange um complexo de lagos espacialmente excluído dos limites da RDSM e RDS do Amanã, cujo processo social de criação se inicia em 2007 à medida que escalam os conflitos pelo uso de lagos da área, pela escassez do pescado e pelo boom de criação de acordos de pesca na região que se observa entre os anos de 2004 e 2010 até os dias de hoje. Além da escassez alimentar e de atividade econômica (pesca comercial), o conflito severo com pescadores de grande escala que vinham “de fora”, agravado pelas restrições impostas a áreas adjacentes outrora utilizadas (RDSM e RDSA), podem ser considerados as principais tensões- perturbações diante das quais o acordo foi concebido e concretizado. O exemplo dos outros acordos de pesca na região, e especificamente do Acordo do Pantaleão, por se tratar de área fora de Área Protegida e congregar pescadores rurais e urbanos, ofereceu uma visão de futuro possível, diante do contexto de conflitos com outros usuários e escassez de pirarucus, e encontrou a capacidade de organização coletiva e interlocução fruto das atividades do Movimento de Preservação de Lagos nos anos

1960-70.

Disparando o processo de organização para este Acordo, em 2007 um grupo de 3 indivíduos mobiliza suas comunidades para um encontro informativo inicial, para o qual atendem 6 pessoas. No segundo havia 30, e no outro 60. Segundo alguns dos primeiros membros desse Acordo foram necessárias 18 assembleias e dois anos até que o acordo fosse formalmente criado. Depois de mais três anos de vigilância foi feita a primeira despesca do sistema. No ano de 2016 foi a terceira temporada do manejo. O grupo planeja a expansão das atividades coletivas do grupo para o turismo. Ao lado de um flutuante de processamento do pirarucu e de outro destinado às reuniões e formações ja estão boiando as gigantescas toras que, segundo fui informado, serão as bases da futura pousada do grupo.

A Pousada Casa do Caboclo é o único empreendimento turístico na RDS Mamirauá além da Pousada Uacari, de propriedade do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Localiza-se na Boca do Mamirauá, setor Mamirauá, e foi inaugurada no ano de 2012 por um casal de residentes da RDS e ex-funcionários da pousada.

Diante da oportunidade de potenciais turistas que chegavam até a cidade de Tefé, da experiência de residentes locais na Pousada Uakari, da parceria chave com profissio- nais "de fora", de outros pequenos apoios, e frente à disponibilidadede um grupo inicial de turistas estudantes, surge a Pousada Casa do Caboclo no ano de 2012. Desde então recebe pequenos grupos de turistas em uma base regular, e tornou-se a principal atividade do casal de empreendedores locais. Emprega moradores da comunidade Boca do Mamirauá nas atividades básicas e oferecia, em 2016, remuneração diária de R$ 40,00, ligeiramenta superior àquela praticada pela Pousada Uakari no mesmo período.

A emergência de estruturas auto-organizadas é esperada em sistemas complexos adaptativos à medida que estes sistemas são submetidos a um gradiente de capitais

que tenta mover o sistema para além de seu equilíbrio (SCHNEIDER& KAY, 1994). No

caso específico das redes-iniciativas satélites autoorganizadas anteriormente descritas, a disponibilidade de capital financeiro, técnico, social e de conectividade com outros níveis proporcionada pela presença da rede-iniciativa macro foi essencial para sua emergência.

Dado que há potencial para a emergência de iniciativas auto-organizadas, demonstrado pelos casos do Acordo de Pesca do Capivara e da Pousada Casa do Caboclo, e que uma das principais fragilidades da rede iniciativa é a sua alta centralidade e baixa modularidade, há que nutrir ambientes para que as iniciativas-satélite autoorganizadas floresçam, e não que sejam inibidas. O efeito do estabelecimento desta pluralidade de iniciativas na topologia da rede-iniciativa incrementará, do ponto de vista teórico,

a modularidade e heterogeneidade da rede iniciativa e significará um processamento mais distribuído de recursos, resultando em incrementos na resiliência da rede-iniciativa e dos sistemas socioecológicos locais.