• Nenhum resultado encontrado

8. DISCUSSÃO

8.1 EMOÇÃO EXPRESSA

A prevalência de alto nível de Emoção Expressa entre os cuidadores de pessoas com transtornos mentais em início de internação, tanto global (98,2%) quanto nos

domínios Comentários Críticos (83,0%) e Superenvolvimento Emocional (87,5%), ressaltam a relevância em analisar tal questão nesta população.

Estudos brasileiros mostram altos níveis de EE entre também cuidadores de pacientes dependentes químicos e psicóticos. Um estudo avaliou a EE de 31 familiares de pacientes dependentes químicos internados em comunidades terapêuticas e evidenciou alta EE de 87% (TISSOT, 2006). Outro estudo realizado no Brasil avaliou a EE de 29 familiares de pacientes psicóticos após a alta hospitalar e encontrou 59% com alta EE (MARTINS; DELEMOS; BEBBINGTON, 1992). Em ambos os estudos os autores ressaltaram que o alto SEE foi o que mais contribuiu para a alta EE encontrada, o que não se confirmou no presente estudo, que teve índices muito próximos de SEE (87,5%) e de CC (83%).

A maior parte dos estudos encontrados na literatura científica sobre a EE de familiares tem priorizado os momentos após a alta hospitalar psiquiátrica, o que limitou as comparações, já que a coleta de dados deste estudo priorizou o início da internação da pessoa com transtorno mental.

Estudos internacionais mostram que é comum a detecção de altos níveis de EE entre familiares de pacientes com transtornos mentais em situação de alta provenientes de culturas ocidentais: 74% em Salford (TARRIER et al., 1988), 73% na Austrália (PARKER; JOINS, 1987), 71% em Chicago (MOLINE et al., 1985), 66% em Genebra (BARRELET et al., 1990), 57% em Milão (BERTRANDO et al., 1992), 53% em Atenas (MAVREAS et al., 1992), 50% em Londres (VAUGHN; LEFF, 1976).

Já entre familiares de pacientes com transtornos mentais provenientes de culturas orientais, altos níveis de EE são menos frequentes: 25% em Chardigarh, no norte da Índia (LEFF et al., 1990). A prevalência de famílias com alta EE tende a ser menor nos países não ocidentais do que nos ocidentais (RAMOS, et al., 2012). Acerca disso, Cheng (2002) ressalta que ao contrário das famílias provenientes de culturas ocidentais, nas quais autonomia e independência são incentivadas, as orientais tem foco na interdependência entre as gerações, na obediência e na aceitação das críticas dos pais.

A alta prevalência de alta EE encontrada nesse estudo pode ter sido influenciada pelo momento no qual a coleta de dados ocorreu (na internação do paciente ou nos primeiros 15 dias de internação). Este momento de início de internação pode ter influenciado os níveis de EE encontrados, que foram altos em quase todos os familiares cuidadores investigados. As questões respondidas pelos cuidadores para avaliação da

EE eram referentes ao mês anterior à internação, ou seja, dias nos quais o paciente já apresentava ou começou a apresentar sintomas agudos do transtorno mental, certamente demandando muitos cuidados.

Os altos níveis de EE entre cuidadores de pessoas com transtornos mentais em início de internação evidenciam que os dias que antecedem a internação, nos quais os pacientes apresentam sintomas agudos do transtorno mental, são marcados por uma relação tensa, com alto criticismo e alto superenvolvimento emocional do cuidador em relação ao paciente. Sabe-se que a alta EE é caracterizada pela diminuição na qualidade das relações familiares.

Neste contexto, caso intervenções profissionais pudessem ser realizadas no início da recaída do paciente, o agravamento dos níveis de EE poderia ser evitado, o que representaria importante cuidado a estas famílias.

Ao longo da coleta de dados foi possível observar que a internação constituiu um momento delicado para o cuidador, ocasionando angustia em alguns, que se questionavam sobre ser ou não a melhor coisa a ser feita pelo paciente. O choro, por exemplo, foi uma reação comum entre estes cuidadores quando oferecido espaço de acolhimento e reflexão sobre questões relacionas ao momento vivenciado.

Apesar disso, na maioria das vezes a internação foi vivenciada como um momento de alívio por estes cuidadores, devido à pressuposição de que aquele seria o início do período necessário para estabilização do quadro do paciente e retorno ao seu “estado normal”, rompendo assim com o sofrimento causado pelo “episódio de crise” do transtorno mental. No caso dos pacientes com internações recorrentes, foi possível observar que os cuidadores vivenciaram o momento da internação com maior naturalidade, como parte do prognostico da doença e do tratamento.

Apesar da relevância do momento da internação hospitalar psiquiátrica para o cuidador e da expressão de emoções no contexto do cuidado em saúde mental, não foram identificados na literatura científica outros estudos que tenham investigado de maneira articulada as variáveis aqui contempladas nesse determinado momento e com essa população específica, o que ressalta a relevância dos resultados obtidos.

Acerca da oferta de cuidados pelo familiar e da internação psiquiátrica, é importante ressaltar que a família passou a ocupar um lugar de mediadora entre a pessoa com transtorno mental e a sociedade após os movimentos que propuseram a reestruturação da assistência psiquiátrica através da substituição do modelo hospitalocêntrico de cuidados por uma rede se serviços na comunidade. Nesse contexto,

a internação psiquiátrica continuou fazendo parte da assistência, porém, desempenhando um papel diferente do qual desempenhava no passado.

Se antes a internação psiquiátrica podia ser comparada a um encarceramento, agora ela surge como um tipo de assistência humanizada que constitui um recurso e um apoio aos cuidadores em momentos de críticos, a fim de auxiliar no manejo das situações de crise e na estabilização dos sintomas psiquiátricos agudos. A Lei nº10.216, de 2001, propõe que o tratamento em regime de internação deve ser estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

Acerca da internação psiquiátrica, Vecchia e Martins (2006) ressaltam que o episódio de “crise psiquiátrica” seguido pela internação gera uma ruptura das relações sociais cotidianas do paciente, e que essa ruptura é importante para avaliar através do sofrimento psíquico do paciente as implicações no plano do cuidado. Esses autores consideram o período de internação importante para analisar a qualidade das relações estabelecidas, variável de contexto fundamental nas estratégias de cuidado.

Documentos relacionados