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Emoção e fruição 29 

No documento Arte na escola : um espaço de inclusão (páginas 31-33)

Percorrido um dos caminhos que podem levar da emoção ao “acto criador” e da emoção à “reacção estética”, falta agora percorrer o caminho que nos poderá levar da “reacção estética” ao “conhecer artístico”.

Se até um filme pornográfico pode ser causa de emoção humana, será que existe um tipo particular de emoção associada à obra e/ou “intervenções estetícas-artísticas” e a qual corresponde uma “reacção estética”?

Defensor do formalismo nas artes plásticas, Clive Bell faz referencia à existência de uma emoção peculiar, a “emoção estética” (Bell 2007) provocada pelas “obras de arte”. Considera ainda que na base da “emoção estética” está a “forma significante” . “Para uma discussão de estética, apenas temos de acordar em que as formas dispostas e combinadas de acordo com certas leis desconhecidas e misteriosas nos emocionam de um modo particular, e em que a tarefa do artista consiste em combiná-las e dispô-las de um modo a emocionar-nos.” (Bell, 2007: 32). Clive Bell considera que a “ausência de figuração” (Bell, 2007: 39), a “ausência de exibicionismo” (Bell, 2007: 39) e a “forma sublimemente impressionante” (Bell, 2007: 39) devem ser características comuns a todas as “obras de arte”. Afirma que a figuração sugere as “emoções da vida” e que é reveladora de uma “inspiração pouco consistente” por parte do artista que recorre a ela. E acrescenta ainda que o “espectador” revela falta de “sensibilidade” sempre que procura, detrás das formas, as “emoções da vida”. “ Um pintor sem energia suficiente para criar formas que provoquem mais do que uma emoção estética reduzida tentará potenciar a sua fraqueza sugerindo as emoções da vida. Para evocar as emoções da vida, tem de ser figurativo. Assim, pode pintar uma execução; se falhar o primeiro tiro, o da forma significante, tenta acertar com o segundo, despertando uma emoção de medo ou compaixão. Todavia, se, no artista, uma inclinação para se aproveitar das emoções da vida é muitas vezes sinal de uma inspiração pouco consistente, no espectador, uma tendência para procurar, por trás da forma, as emoções da vida é sempre um sinal de falta de sensibilidade.” (Bell, 2007: 43).

A vida e a arte não são feitas da mesma “matéria”, segundo Clive Bell, a arte sobrepõem- se à vida, ultrapassando-a. “Em vez de entrarem, pelo caminho da arte, no mundo novo da experiência estética, fazem meia volta e regressam a casa, ao mundo dos interesses humanos. Para eles, o significado de uma obra de arte depende do significado que nela investem; nada de novo se acrescenta às suas vidas; o único efeito da obra de arte é agitar um pouco o material já conhecido” (Bell, 2007: 43).

I Parte - Arte e emoção

Clive Bell reconhece a existência da emoção em arte e essa “emoção estética” parece estar próxima do efeito de catarse referido por António Damásio e por Vigotski. O efeito de superação da vida através da arte descrito por Clive Bell também apresenta algumas semelhanças com a “função biológica” defendida por Vigotski e que de alguma forma é reforçada por António Damásio. Contudo, para Bell a “essência” da arte é distinta da “essência” da vida.

Segundo Vigotski a “reacção estética” consiste na catarse cuja origem reside no facto de na obra ou “intervenção estética-artística” o conteúdo e a forma induzirem emoções contraditórias que ao coexistirem provocam um efeito de “autocombustão” (Vigotski, 2001: 270) das mesmas e o consequente efeito catártico. “Aqui se traduz em forma de lei estética a observação verdadeira de que toda obra de arte implica uma divergência interior entre conteúdo e forma, e que é precisamente através da forma que o artista consegue o efeito de destruir ou apagar o conteúdo” (Vigotski, 2001: 272).

Aquilo a que António Damásio denomina de “aspecto traiçoeiro do processo indutivo” parece corroborar a lei enunciada por Vigotski. “Porém as emoções podem ser induzidas indirectamente e o indutor pode produzir o seu resultado de uma forma de certo modo negativa, bloqueando o desenvolvimento de uma forma de certo modo negativa, bloqueando o desenvolvimento de uma emoção em curso.” (Damásio, 2000: 80).

Assim sendo podemos considerar que o conteúdo [“trovoada, cobras, memórias felizes” (Damásio, 2000: 80)] seria um “indutor directo” (Damásio, 2000) da emoção e a forma um indutor indirecto que iria contrariar a emoção desencadeada pelo conteúdo e essa contradição iria por termo à emoção inicialmente induzida, substituindo-a por uma de efeito contraditório. “O efeito purificador, catártico, que, segundo Aristóteles, deveria fazer parte de todas as grandes tragédias baseia-se na suspensão súbita de um estado de medo e pena até aí mantidos sem quartel. Muito tempo depois de Aristóteles, Alfred Hitchcook construiu uma brilhante carreira baseada neste simples arranjo biológico e Hollywood nunca mais deixou de nele apostar. Quer queiramos quer não, sentimo-nos muito bem quando Janet Leigh deixa de gritar no chuveiro e passa a jazer pacificamente no chão da banheira. (Damásio, 2000: 80, 81).

Não será também a esta “reacção estética” que Sigmund Freud faz referencia quando anuncia a arte como forma de sublimação do indivíduo? Deixamos esta questão em aberto como porta para uma outra concretização que não é, por opção, a deste estudo. Partindo deste ponto de vista podemos ainda recuperar o pensamento de Vigotski quando afirma que tanto no “acto artístico” como na fruição está presente a necessidade de superação do sentimento e que é está necessidade que impele para a acção, tanto o

artista como o fruidor e que permite que a arte exista e que lhe possa ser atribuído um significado. “Eis por que a percepção da arte também exige criação, porque para essa percepção não basta simplesmente vivenciar com sinceridade o sentimento que dominou o autor, não basta entender da estrutura da própria obra: é necessário ainda superar criativamente o seu próprio sentimento, encontrar a sua catarse, e só então o efeito da arte se manifestará em sua plenitude.” (Vigotski, 2001: 314).

Resumidamente podemos concluir que no contexto deste estudo, o conhecer em arte prende-se com a necessidade de reconhecimento que está relacionado com os processos de percepção que são entendidos como processos de repetição e recriação inerentes tanto ao “acto artístico” como a fruição.

No documento Arte na escola : um espaço de inclusão (páginas 31-33)