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Emoções e Disfarces

No documento Alcoolismo e sistema família (páginas 36-46)

A Análise Transacional considera que existem somente as seguintes emoções autênticas: afeto, alegria, tristeza, raiva e medo. Crema (1982) salienta que essas emoções são incondicionais por estarem contidas na Criança Livre. Os demais sentimentos, como falsa alegria, culpa, vergonha, ciúme, etc., são denominados emoções disfarces, e estão contidas na Criança Adaptada.

Em geral, nas famílias alcoólicas seus membros se sobreadaptam e usam de disfarces para suprimir a emoção autêntica, não permitida.

Kertész (1987) dá a seguinte definição para disfarce “é uma emoção substitutiva, inadequada, fomentada pelos pais ou seus substitutos na infância, que entra no lugar da emoção autêntica, ignorada ou proibida por estes” (p. 105).

A troca de emoções autênticas por disfarce permite ao Estado de Ego Criança de quem as recebe guardá-las para depois trocá-las por algo que tenha valor psicológico. Para Crema (1982) isso representa “uma complacência com sensações antigas que são colecionadas para um eventual resgate, sendo o benefício final de vários Jogos Psicológicos” (p. 55).

3.1.6. Posição Existencial

Crema (1982) conceitua posição existencial da seguinte maneira:

(...) são juízos de valor ou conceitos de si mesmo e dos demais, adquiridos na infância através de tomadas de decisões, muitas vezes imaturas e irreais, uma vez que baseadas nas condições precárias de criança para raciocinar e pensar objetivamente diante da realidade objetiva (p. 59).

As posições existenciais podem expressar uma impressão de si mesmo ou sobre as outras pessoas. As posições existenciais foram denominadas como posição OK e posição Não OK.

Kertész (1987) afirma que existem cinco posições existenciais diferentes:

ƒ a eu estou OK + / você está OK + – que representa uma posição realista, adotada pelo Adulto, pois integra aspectos positivos e negativos da pessoa;

ƒ a eu estou OK / você está Não OK – que representa uma posição paranóide, perseguidora, salvadora ou superprotetora. Geralmente esta posição se estabelece quando um familiar persegue uma criança e outro a salva. Assim a criança fica ressentida contra o primeiro.

Essa é uma posição, em geral utilizada pelo alcoolista na interação com a família, onde em determinados momentos o companheiro assume o papel de perseguidor, o filho de salvador e o alcoolista o papel de vítima;

ƒ a eu estou Não OK / você está OK – representa uma posição depressiva e submissa, adota-se esta posição quando se é

43 perseguido, criticado, humilhado ou então superprotegido na infância.

Essa posição existencial é, geralmente, assumida pelo filho quando este se julga responsável pela bebedeira do pai ou agressividade da mãe;

ƒ a eu estou Não OK / você está Não OK – representa um posição niilista, com uma Criança Adaptada Não OK, submissa ou rebelde;

ƒ e por último a eu estou OK / você está OK – que representa uma posição maníaca, o mundo é perfeito e tudo está sempre bem. Ela é induzida por famílias que desqualificam e negam tudo o que é desfavorável, como se as falhas e os erros pessoais não existissem.

As frases utilizadas pela família alcoólica nesta posição existencial geralmente são as seguintes: “isso é só uma fase”, “foi só um acidente”, “ele nem bebeu tanto”, “o tempo resolve tudo”.

Dependendo do papel social assumido, o indivíduo mudará sua posição existencial na tentativa de confirmar sua posição existencial inicial, criando mecanismos que confirmem sua patologia.

3.1.7. Jogos

Berne (1995), em seu livro Os Jogos da Vida, da a seguinte definição para Jogos:

(...) um jogo é uma série de transações complementares que se desenrolam até um desfecho definido e previsível. Pode ser descrito como um conjunto repetido de transações, não raro

enfadonhas, embora plausíveis e com uma motivação oculta ... todo Jogo é basicamente desonesto, e seu desfecho tem um certo caráter de dramaticidade (p. 49).

Kertész (1987) afirma que os Jogos Psicológicos são como iscas inconscientes para os jogadores, pois os envolvidos inter-atuam em dois níveis: um social que é consciente e moralmente aceito, e outro psicológico que é inconsciente e passível de desaprovação.

Os Jogos podem ser classificados de acordo com sua gravidade:

ƒ Jogos de 1º grau – são os socialmente aceitáveis;

ƒ Jogos de 2º grau – são os que não provocam danos irreparáveis ou

permanentes;

ƒ Jogos de 3º grau – são os que possuem um caráter definitivo e

terminam tragicamente numa sala de operações, num tribunal ou necrotério.

Os Jogos trazem benefícios a quem dele participa, apesar de serem negativos. Crema (1982) afirma que as vantagens gerais dos Jogos “consiste em suas funções estabilizadoras, provendo o equilíbrio biológico pela estimulação recíproca (carícias negativas) e psicológica, garantido pelo reforço das posições e atitudes assumidas pelos jogadores” (p. 73).

Como já mencionado os Jogos tem um elemento dramático que alicerça a troca de papéis. Berne (1995) salienta que todo Jogo tem influência importante e decisiva nos destinos dos jogadores, mas que alguns oferecem mais oportunidades que outros para se perpetuarem numa longa existência e para envolverem observadores relativamente inocentes. A este grupo de Jogos o mesmo autor deu o nome de Jogos da Vida. Faz parte desse grupo o denominado pelo próprio Berne (1995) de Jogo do

45 Alcoólatra, que consiste num papel assumido por um indivíduo em certos tipos de jogos.

Para este trabalho interessa a análise dos Jogos, das transações sociais relacionadas com o álcool.

Berne (1995) considera que o Jogo do Alcoólatra é jogado por cinco pessoas, podendo ser condensado de forma que ele começa e termina como um jogo para dois. Ainda afirmava que “o objetivo transacional da bebida é produzir uma situação em que a Criança possa ser severamente repreendida não apenas pelo Pai interior, mas por quaisquer figuras parentais que queiram se dar a esse trabalho” (p.72).

Ele segue afirmando que o tratamento do alcoolismo deve se concentrar nas manhãs de ressaca e não na bebedeira em si, pois se o ato de beber é um jogo o benefício está na manhã seguinte com a punição interna ou social. O alcoolista tem como passatempo preferido o desconforto psicológico da ressaca. O ato de beber, numa análise mais profunda, é o que o próprio Berne (1995) chama de “um prazer acidental” (p.72), cujo objetivo final do jogo é realmente a ressaca.

Para melhor entender essa dinâmica analisar-se-á o seguinte exemplo:

Um pai de família costuma chegar em casa alcoolizado. Enquanto está sob o efeito da bebida esse homem está apenas desfrutando do “prazer” que o álcool pode lhe dar. A grande “cena” do Jogo começa na manhã seguinte, pois é nesse momento que ele vai tomar consciência, que vai ter que “encarar” a esposa e filhos e as cobranças que certamente eles farão. Isso dará ao alcoolista o pseudo direito de vitimizar-se e achar que o estão perseguindo.

Crema (1982), referindo-se a representação dos Jogos descritas por Berne, apresenta o diagrama de Karpman, denominado de triângulo dramático. Baseado no Jogo do Alcoólatra de Berne, Karpman desenhou um esquema para representar as mudanças de comportamento em três papéis básicos: Vítima, Perseguidor, Salvador.

O exemplo anteriormente citado descreve bem a relação familiar existente dentro do triângulo dramático. O esposo alcoolista assume o papel de Vítima, pois a esposa, no dia seguinte, cobrará o marido pela bebedeira, assumindo nesse momento o papel de Perseguidora. Os filhos entram para salvar ou a mãe ou o pai, geralmente o Salvador resgatará a Vítima.

Esses três papéis são de ação. As pessoas podem trocá-los quando melhor lhes convir, ainda que não saibam que o estão fazendo.

Usando-se ainda do mesmo exemplo pode-se compor uma triangulação completamente diferente. Por exemplo, os filhos como Perseguidores da mãe por aceitar que o pai se alcoolize, onde ela passa a ocupar o papel de vítima e o pai o de Salvador da esposa que está sendo acusada pelos filhos.

Para Kertész (1987) as pessoas que se utilizam dos Papéis do Triângulo Dramático aprenderam a desempenhá-los na infância, na interação familiar e depois de muitas repetições passam a desempenhar estes papéis automática e inconscientemente.

Perseguidor: Pai

Crítico Negativo – dá carícias agressivas, manipula com o medo

Salvador: Pai Nutritivo Negativo – dá carícas de lástima, manipula com culpa Vítima:

Criança Adaptada – procura carícias negativas agressivas ou de lástima, manipula com culpa e medo

47 Crema (1982) também afirma que “o significado histórico dos Jogos é o fato de que são passados de geração à geração. Sabemos que o jogo favorito de qualquer indivíduo, muito provavelmente teve sua origem em seus pais ou avós, e tenderá a ser transmitido para seus filhos” (p. 76).

Os papéis do Triângulo Dramático são dinâmicos com mudanças nos papéis, são manipulativos ou falsos, podendo deixar de ser utilizados mediante uma decisão do Adulto que não aceitará compactuar com essa triangulação.

Geralmente quando um dos familiares entra em terapia e os demais não, a família se une para tentar “resgatar” aquele que não mais aceita participar dos Jogos Familiares.

3.1.8. Script de Vida

“Minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo, tudo, o que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos... ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”

(Belchior)

Script é denominado por alguns autores como Argumento ou Roteiro de

Vida. Dentre os instrumentos de AT, ele é o de verificação mais complexa.

Antes mesmo de nascer, a família já tem expectativas conscientes e inconscientes a respeito dos papéis que a criança desempenhará. A sua personalidade irá encaixar-se como uma peça de quebra-cabeças com as personalidades de seus pais e parentes é o que afirma Kertész (1987). Ele segue enfatizando que o script é grupal, pois “é um plano inconsciente de conjunto de vida. Para que se cumpra, cada um deverá cumprir o Papel complementar dos outros” (p.131). Um bom exemplo disso é o Triângulo Dramático: Perseguidor, Vítima, Salvador.

Essa afirmação de Kertész vem de encontro a teoria de que o alcoolismo é transgeracional e que a recuperação perpassa o ambiente familiar.

Uma outra definição apresentada para o que seja Script é oferecida por Crema (1982) que o conceitua como sendo “um plano de vida não consciente que é decidido pela Criança Adaptada antes dos 8 anos, sendo tal decisão determinada pelas mensagens parentais, advindas das Crianças Adaptadas dos pais ou substitutos, que denominamos mandatos” (p. 78).

É através das mensagens recebidas dos pais que a Criança da criança começa a recolher dados que determinarão suas decisões básicas. Para isto, ela se utilizará dos conceitos básicos a respeito de si e do outro, isto é, da Posição Existencial que ocupa e do Script de Vida que possui.

Em oposição ao Script existe o Contra-Script que são as mensagens parentais gravadas no Estado de Ego Pai da pessoa. Crema (1982) salienta que “o objetivo do Contra-Script é opor-se às mensagens “bruxas”, que são os mandatos negativos que as Crianças Adaptadas dos pais gravam na Criança Adaptada do filho e que determinaram seu Argumento” (p. 81).

O mesmo autor segue falando dos impulsores que são as mensagens ou mandatos do Contra-Script que, na verdade, contribuirão para que o indivíduo cumpra seu Script negativo, pois é inevitável a frustração pelo não cumprimento desses mandatos.

Kertész (1987) detalha as características de cada um dos impulsores:

ƒ Seja Perfeito – tem como mandato característico o “Não me supere”.

Prende-se a detalhes, não consegue distinguir o essencial do acessório. O indivíduo que atua com esse impulsor acha que não está fazendo bem aquilo a que se propôs;

ƒ Seja Forte – cujo mandato é “Não sinta”. Procura ocultar as emoções,

49 Há, internamente, uma mensagem do Pai Crítico à Criança para que ela não se mostre “fraco” ou vulnerável;

ƒ Apresse-se – onde a atribuição básica e “Apresse-se a crescer”. Há

uma desqualificação interna que diz ao indivíduo que ele não conseguirá terminar o que começou, isso faz com que a pessoa, pela velocidade com que toma decisões, erre, tome decisões prematuras, seja confusa, etc.;

ƒ Seja Esforçado – com o mandato de “Não desfrutar”. As pessoas

tendem a fixar mal os objetivos, seguem métodos ineficientes para ter que começar tudo de novo e confirmar seu fracasso e ter que se esforçar ainda mais;

ƒ Agrade Sempre – com o mandato de “Não pense”. O intercâmbio

entre o dar e receber é regulado por ele. Refere-se tanto a dar demais, como a pretender que o agradem em excesso. Um exemplo em família é o de uma mulher que tiraniza o marido, mas é tiranizada pelos filhos. Nesse impulsor a submissão é a principal característica, o sentimento autêntico não é validado, quem atua nesse contexto é a Criança Adaptada Negativa.

Crema (1982) afirma que, felizmente, existem além dos Impulsores os Permissores, que são mensagens enviadas pelo Pai Nutritivo Positivo da pessoa que diz: “é suficiente fazer bem”; “podes pedir ajuda”; “toma o tempo que necessitas”; “vive o aqui e agora”; “não precisas agradar a todos, agrada-te a ti mesmo”.

O mesmo autor segue exemplificando através da ilustração abaixo a matriz de Script e Contra-Script:

O fim trágico do Alcoolista é temporariamente interrompido quando ele decide viver “um dia de cada vez”, e isso pode ser chamado de contra-script, pois o poder da vontade de viver no aqui-e-agora está no Pai (este é um ato do Pai Nutritivo Positivo).

Para a AT o alcoolismo é um Script, e a menos que o bebedor pare, levará a um fim trágico. O terapeuta deve ser capaz de distinguir entre o desenrolar do contra-

script e uma cura.

A PC AC CC P MÃE A PC AC CC P FILHO A PC AC CC P PAI AGRADE-ME “NÃO PENSE” “SEJA PASSIVO” “NÃO REAJA” “Seja um alcoólatra ESFORCE-SE “Tenha fé em Deus que tudo sairá bem. Não se preocupe, tudo se resolve com o tempo. É só esperar.” CONTRA-SCRIPT Quando tinha algum problema ou dificuldade largava tudo e se embriagava. SCRIPT

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3.1.9. Mini Script de Vida

Crema (1982) define mini script como sendo o que a “pessoa faz durante todo seu dia (ou semana ou mês), para no final se sair mal (quando não OK) ou bem (quando OK)” (p. 84).

Os mini script podem ser OK ou Não OK. Ele será Não OK quando partem de um dos impulsores (seja forte, seja esforçado, apresse-se, seja perfeito e agrade sempre), que desencadeiam emoções disfarces como angústia, culpa, ansiedade, fobia vindos da Criança Submissa que permitirá a obtenção do benefício final Não OK, como a solidão, depressão, fracasso, etc.

O mini script será positivo quando, no lugar dos impulsores estiverem os permissores, emoções autênticas para um desfecho saudável.

No documento Alcoolismo e sistema família (páginas 36-46)

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