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V. ANÁLISE DOS CASOS

5.2. Empresa B

Histórico

A Empresa B iniciou suas operações com um único avião e inovou ao oferecer um preço único de tarifas e, extinguir as classes nos aviões e vender passagens somente pela internet.

A Figura 9 permite perceber que a Empresa B, em sua primeira fase, oferecia vôos em ligações densas entre Rio de Janeiro (Galeão), São Paulo (Guarulhos), Brasília, Porto Alegre e Florianópolis.

Figura 9 - Malha Empresa B - Início da Operação

Fonte: HOTRAN/DAC

Em menos de um ano, a companhia pediu ao Departamento de Aviação Civil (DAC) para cancelar temporariamente seus vôos. Isto ocorreu pelo fato de que os vôos não conseguiram obter 35% de ocupação, em parte por uma guerra tarifária deflagrada por empresas concorrentes. Apesar da Empresa B ter recorrido a esse mecanismo só no final

após quase um ano, os sinais da sua crise e da dificuldade para se manter operando começaram a ser percebidos logo nos primeiros meses, quando a empresa ficou três dias sem operar nenhum de seus 26 vôos.

No ano seguinte foi anunciada a venda da companhia a uma associação de empresas de ônibus e empresas ligadas ao setor de turismo, com a retomada da operação com apenas vôos fretados (charter).

Em poucos meses a empresa recomeçou a operar regularmente no mercado doméstico. Após rever sua estratégia de apostar em vendas somente pela internet, as passagens passaram a ser comercializadas também por operadores de turismo, agentes de viagens e acordos corporativos.

Em dois anos a Empresa B foi vendida para grande operadora de pacotes turísticos do país, como uma forma de reduzir sua dependência por vôos de companhias aéreas regulares.

Com a empresa operadora de pacotes de turismo no comando da Empresa B, a empresa aérea passou a voar para cidades destinos de pacotes de turismo aos sábados e domingos. Eram cidades atendidas por vôos fretados da operadora, que posteriormente passaram a ter cota de vôo regular.

Após esses ajustes no plano estratégico a Empresa B passou a crescer cada vez mais, operando vôos regulares entre as principais capitais do país com aeronaves de aproximadamente 144 lugares.

Mercado de baixa renda, agentes indutores e restritivos

Em artigo publicado na revista especializada no setor, o ex-presidente da empresa Empresa B, discorre sobre a evolução do setor de transporte aéreo:

“Uma rápida olhada no movimento de passageiros transportados em nosso país nos últimos anos nos mostra que o desenvolvimento ganhou corpo a partir desta década. Entre 2000 e 2008, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil, o total de pessoas embarcadas no mercado doméstico pulou de 28,995 milhões para 50,140 milhões, alta de 72,93% no período. O aproveitamento médio das empresas aéreas também acompanhou este movimento, passando de 49,3% em 2000 para 65,9% no ano passado.

À primeira vista, a combinação entre o aumento na oferta de assentos e a queda nas tarifas domésticas, associado ao crescimento da renda das famílias brasileiras, pode ser considerada como o principal vetor desse desenvolvimento. Mas, na verdade, as inovações em gestão são os verdadeiros responsáveis por estes avanços. Ao focarem as atenções nos custos, em detrimento das receitas, as companhias puderam, enfim, aumentar suas já reduzidas margens e crescer. Sem esta mudança de paradigma, a transformação jamais teria acontecido. Mais ainda, quem não tomou tal medida ficou pelo caminho – exemplos não faltam no setor.”

De acordo com entrevistado, hoje, a classe C representa apenas 11% dos passageiros, embora seja quase metade da população brasileira. Com a queda no preço das passagens aéreas, os executivos da Empresa B acreditam que cada vez mais os consumidores da classe C deverão viajar de avião, demonstrando o potencial desse mercado.

De acordo com entrevistado da Empresa B, a cadeia de turismo deve trabalhar em sintonia. Desenvolver produtos com valores adequados a essas classes é fundamental para que o apelo tenha sentido. Ocupar espaço em época de baixa demanda é uma alternativa simples e eficaz. Nesse sentido as operadoras de turismo tem exercido papel de coordenação da cadeia para desenvolver pacotes adequados para a baixa renda.

Porém, a infra-estrutura aeroportuária segue como preocupação para crescimento do setor de transporte aéreo. Nesse sentido, o entendimento da Empresa B é que o governo

deve não só desenvolver a infra-estrutura necessária, mas como incentivar linhas de créditos aos provedores de serviço da cadeia e desenvolver um plano de turismo sustentável, de curto/médio/longo prazo.

Estratégias para o mercado de baixa renda

Em outubro de 2009 a Empresa lançou programa destinado a oferecer passagem aérea para o público das classes C e D, em modelo de venda direta em parceria com agência de turismo especializada em baixa renda. O programa contempla um modelo de parcelamento pioneiro para a aquisição de passagens aéreas.

O novo sistema dispensa análises de crédito, um dos principais obstáculos para que o consumidor de classes sociais mais baixas tenha acesso ao transporte aéreo. Através do programa o cliente poderá parcelar sua viagem de três a 12 vezes fixas, sem juros, sem qualquer comprovação de renda ou análise de crédito. O cliente estará apto a viajar ao final do pagamento do seu plano, podendo, a qualquer tempo, usar o valor das parcelas já pagas, caso altere seu roteiro original.

O programa inova nas condições para compra e também nos canais de venda de passagens. Além dos meios tradicionais, como internet e agências de viagem, a Empresa B está fechando parcerias para oferecer o programa em canais diferenciados, priorizando a venda presencial. Fazem parte da estratégia alianças com redes de crédito, venda porta a porta por promotores e a implantação de lojas e quiosques em locais estratégicos. Em fevereiro de 2010, o programa possuía mais de 150 vendedores percorrendo bairros da zona leste de São Paulo e de Duque de Caxias, na região

metropolitana do Rio de Janeiro, oferecendo aos consumidores uma espécie de carnê- avião.

De acordo com um dos entrevistados, o desafio é chegar é no público de baixa renda: “O difícil é estabelecer o canal de distribuição para atingir o público de baixa renda, que é um problema para todas as indústrias, inclusive de bens de consumo. O canal de distribuição básico das empresas aéreas ainda é agência de viagem, porém o cliente de baixa renda tem constrangimento de entrar em uma agência de viagem na Av Ibirapuera, Av Paulista ou Shopping Center, porque ele acredita que isso não é para ele mesmo. É necessário convencer esse cliente que ele pode viajar de avião. E a dúvida é como fazer isso. Pode anunciar no Jornal Nacional, mas isso não vai dar resultado esperado, porque tem que ser presencial. A web cresce como canal de distribuição, mas ainda não é relevante, visto que o cliente de baixa renda não é um comprador de web. O comprador de web é de alta renda, por vários motivos. Dado esse desafio sempre surgem as soluções brilhantes, como utilizar as vendedoras que vendem cosméticos para vender passagem aérea. Não dá resultado porque tem que capacitar esse vendedor, e segundo porque quem vende perfumaria não consegue vender o aéreo. O cliente que vai comprar um item de higiene não está pensando em comprar uma passagem de avião.Não tem a menor relação. A gente está tendo êxito em lojas que inicialmente vendiam apenas passagem de ônibus localizadas nos centros comerciais da periferia. Foram necessárias campanhas juntos com os agentes para gerar credibilidade junto ao público da baixa renda. Para as agências foi positivo, pois a comissão é maior e o cliente fica mais satisfeito por viajar de avião ao invés de ônibus. Como exemplo, investimos em uma equipe de vendas na baixa santista, que começou a dar resultado depois de alguns meses. Nos primeiros meses não vendeu nada, mas depois a curva de venda seguiu uma tendência exponencial.”

O processo de formação da equipe de venda passa inclusive pela experiência em voar de avião, dado que esses vendedores em sua maioria nunca tiveram essa oportunidade:

“Sábado agora estou saindo com 10 vendedores para viajar de avião pela primeira vez. Esse pessoal é o que chamamos de plataforma de venda porta a porta e vão começar a vender depois desse treinamento. Vamos levá-los para experimentar o produto. Eu escrevi uma aula, com dicas para como se comportar no aeroporto. Por exemplo, o banheiro não é pago como em rodoviária, o café é o mais caro de todos, portanto não vá com fome para o aeroporto. Esse público precisa aprender a fazer check-in, embarcar, ir para o gate, ficar atento porque o gate muda toda hora, ensina a sentar no avião. A capacitação é diferente da realizada para um agente de viagem normal. Para esse vendedor não precisa falar o que é o Boeing ou Airbus. Para ele isso é grego. Ele precisa desmistificar a coisa do avião. A idéia é que essa experiência seja disseminada para ir se infiltrando nas áreas de baixa renda. Apesar desse modelo já ter sido proposto por outras empresas, o diferencial está na forma com que é implantado.”

De acordo com um dos entrevistados, a barreira seguinte é com relação a meio de pagamento, visto que esse público não tem cartão de crédito, cheque, e quando muito tem cartão de débito. Porém, o que foi observado é que esse cliente se programa para comprar uma passagem de ônibus, visto que essa compra tem que ser a vista. Esse mesmo conceito foi aplicado para a compra de passagem de avião, em que o cliente opta

por uma compra programada, sem a necessitar de meios de pagamento que exijam comprovação de renda para atribuir crédito.

O relacionamento com a comunidade de baixa renda também foi apontada como aspecto extremamente importante, pelo entrevistado:

“É preciso estabelecer relações de parcerias ou de benefício mútuo. Existe uma experiência muito interessante de uma empresa que vende produtos alimentícios que a princípio montou uma estrutura para apenas vender os seus produtos sem dar nada em troca. A comunidade se sentiu usada, e a relação com a comunidade nunca mais foi restabelecida. É necessário estabelecer uma relação de troca mútua com a comunidade, dar formação e treinamento, com uma conotação de inclusão. Adicionalmente é necessário realizar um trabalho com os líderes comunitários para entrar pelo portão da frente, de forma a evitar qualquer problema de rejeição.”

Já os organizadores de turismo não foram ainda abordados pela empresa por operarem ainda num mundo extremamente informal, o que pode gerar complicações legais. Outro aspecto é que o cliente atendido pelos organizadores de turismo ainda não possui condições de voar de avião por ainda possuir outras prioridades. Mesmo assim a equipe de vendas consegue achar nichos, mesmo nas classes mais baixas, como no caso de uma mineradora que trouxe operários da região Norte do Brasil e a cada noventa dias paga uma certa quantia de dinheiro para esses operários retornarem para a sua cidade de origem. A equipe parceira da Empresa B conseguiu identificar esses clientes e convencê-los a viajar de avião comprando o nosso produto.

Finalmente, a agência parceira da Empresa B estabeleceu uma gestão de crise para atendimento da baixa renda, visto que na indústria de transporte aéreo problema sempre irá existir. De acordo com um dos entrevistados pode-se tornar uma situação de crise bem resolvida como marketing barato, porque gera uma percepção positiva para esse cliente, e essa informação irá se propagar rapidamente pelo boca a boca. Isso cria uma

percepção positiva no canal também, porque eles sentem que podem vender o produto porque se ocorrer qualquer problema a empresa irá resolvê-lo.

A definição do produto teve como maior dificuldade estabelecer um preço fixo e determinar o valor por mercado, visto que o preço de uma passagem aérea pode mudar rapidamente conforme a demanda. A resposta foi se balizar no preço de um ônibus. Existe um estudo que indica que o cliente está disposto a pagar até 20% a mais para viajar de avião em comparação ao ônibus por entender que a viagem de avião gera um benefício.

A empresa B trabalha ainda com a divulgação de seu site em “lan houses” de comunidades e agências de viagens em centros de entretenimento voltados a essas classes são alguns canais existentes.

O Quadro 6 apresenta um resumo das informações obtidas pela coleta de dados na Empresa B.

Quadro 6 - Resumo das estratégias da Empresa B

Agentes indutores Operadoras de turismo como coordenadoras da cadeia

Agentes restritivos Infra-estrutura aeroportuária, principalmente em grandes centros urbanos

Segmento de cliente Não definido

Canal de distribuição Internet, porta a porta, agências e operadoras de turismo Meio de pagamento Boletos bancários, cheques, cartões de crédito, dinheiro e

pagamento antecipado em até 12 vezes

Comunicação Lan houses e agências de entretenimento de comunidades Serviço específico

para baixa renda Não há

Preço Tarifa reduzida em vôos de menor demanda

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