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Encontro de vereadores em Ribeirão Preto, 1949

V. O II “CONGRESSO DAS MUNICIPALIDADES”

V.1. Encontro de vereadores em Ribeirão Preto, 1949

Em junho de 1949, Ribeirão Preto sediou o II Congresso das Câmaras Municipais do Estado de São Paulo, também chamado de “Congresso Municipalista”, por ser um fórum do movimento do mesmo nome, ou “Congresso das Municipalidades”, pelo entendimento de que se tratava de uma reunião de municípios, representados por seus vereadores. Sistema tributário, serviços públicos, a previdência e assistência social constavam dos temas em discussão1. O I Congresso fôra realizado em 1948, em Campinas.

O II Congresso foi um evento semi-oficial, ou paraoficial, pois a Câmara Municipal de Ribeirão Preto, que o organizou, recebeu verba de 50 mil cruzeiros da Assembléia Legislativa, a título de auxílio para as despesas2. Os participantes do II Congresso eram, em sua maioria, vereadores ligados aos maiores partidos. Estava prevista a gravação da solenidade de abertura, no dia 12 de junho, pela famosa emissora de rádio da cidade, a PRA-7, e sua irradiação “para todo o Brasil” pela Rádio Tupi. A abertura seria também filmada3.

Os jornais divulgaram que 86 delegações inscreveram-se no II Congresso, num total de 1.500 participantes, entre vereadores e prefeitos. O único orador inscrito na sessão inaugural foi o representante dos Diários Associados, João Scantinburgo, que falou da posição da

1 II Congresso das Câmaras Municipais do Estado de S. Paulo. A eleição da mesa diretora dos trabalhos e

das comissões. O Estado de S. Paulo, 14.6.49, p. 4.

2 Por 40 Votos a Zero, Rejeita o Plenário da Assembléia um Veto Governamental — Mantido o Projeto que

concede auxílio ao Sanatório de Cascata. Correio Paulistano, 18.5.49, p. 16 e p. 2 (cont). O projeto 142 dispunha sobre a concessão e foi aprovado em segunda discussão.

imprensa na Campanha Municipalista. Também compareceram os deputados Luis Augusto de Matos e Cunha Bueno.

Após uma disputa entre delegações, em torno de quem ocuparia a Mesa do encontro, a presidência coube à cidade de Ribeirão Preto4. São Paulo perdeu a disputa por 31 votos a 23. A delegação da Capital teria então abandonado o recinto em sinal de protesto, mas a situação foi contornada. Um representante de Campinas sugeriu que coubesse à Capital a presidência honorífica, o que foi aprovado por aclamação5.

O II Congresso debateu algumas teses bastante polêmicas, como a que estendia o Imposto de Indústrias e Profissões aos proprietários rurais. Mas a repercussão que provocou não estava relacionada com tais assuntos internos e sim com uma operação desencadeada pelo DOPS e a Polícia local contra os vereadores do PCB que participavam do encontro.

O quadro foi descrito assim pelo correspondente da Folha da Manhã:

“Desde o início dos trabalhos do II Congresso das Câmaras Municipais, ora em realização nesta cidade, mantém-se cerrado policiamento em Ribeirão Preto. Grande número de investigadores do DOPS, auxiliados por tropas do III Batalhão de Caçadores da Força Pública e por elementos da polícia local, guarnecem, policiam e vasculham, dia e noite, o perímetro

3 II Congresso das Câmaras Municipais. Diário de Notícias, Ribeirão Preto, 12.6.1949.

4 Ribeirão Preto — Sede do 2º Congresso das Câmaras Municipais Diário de Notícias, Ribeirão Preto,

12.6.1949.

5 Instalado Anteontem em Ribeirão Preto o II Congresso das Câmaras Municipais do Estado. Folha da

Manhã, 14.6.49, p. 11. Tb. Diário de Notícias e Diário da Manhã, mesmas datas. Na sequência, o

vereador paulistano Cantídio Sampaio propôs que São Caetano do Sul dividisse a distinção com São Paulo, o que também foi aceito por aclamação.

urbano, em missão preventiva. A cidade, entretanto, tem estado em absoluta calma”6.

Nesse mesmo dia, reportagem de O Estado de S. Paulo chegava a uma conclusão semelhante: “A situação na cidade é de absoluta calma e tudo indica que o movimento não tinha propósitos subversivos, pois o seu escopo era apenas o apoio a uma tese”7.

Treze vereadores e outros três ativistas foram, não obstante, indiciados, denunciados à Justiça e processados, sob a alegação de que conspiravam para “sabotar” o II Congresso, organizando um levante de operários e camponeses em Ribeirão Preto. Posteriormente, o juiz Francis Selwin Davis decretou a prisão preventiva de todos, e seis vereadores chegaram a ser presos8. O sindicalista Natal Gracchia, preso já no decorrer do II Congresso, em 14 de junho, só seria libertado em dezembro.

Foram submetidos a processo pela 1ª Vara Criminal de Ribeirão Preto os vereadores Aparecido Araújo, José Engracia Garcia e Salvador Trovato, de Ribeirão Preto, eleitos pelo PSD; José Maria do Nascimento, de Lins, Luiz Gonzaga da Silva, de Cubatão, e Valentina Loyola, de Getulina, eleitos pelo PTB; Mário Longo, de Votuporanga, e Reinaldo Machado, de Marília, ambos eleitos pela UDN; Antonio Vieira, de Franca, e Paulo Sampaio, de Amparo, eleitos pelo PSB; Waldemar Bernardes da Fonseca, de Jaboticabal, e Sérgio Francisco Barguil, de Pompéia, eleitos pelo PSP; Manoel de Assunção Ribeiro, de São João da Boa Vista, eleito na legenda do PTN. Também foram processados o

6 Em Calma a Cidade de Ribeirão Preto. Decorrem Normalmente os Trabalhos do II Congresso das Câmaras

Municipais. Apenas Duas Prisões Efetuadas pelo Policiamento Preventivo do DOPS. Folha da Manhã, 16.6.49, seg. cad., p. 4.

7 Apreensão de material de propaganda comunista em Ribeirão Preto. O Estado de S. Paulo, 16.6.49,

estudante José Antonio Neves e os operários José Damasceno Neto e Natal Gracchia.

V.1.1. Ribeirão Preto e a alta de preços. Devemos indagar se o

ambiente de insatisfação popular crescente no país e a situação da própria cidade teve alguma relação direta com as ações da Polícia política em Ribeirão Preto. Nos dias que antecederam o encontro de vereadores, a imprensa assinalava, a propósito da “projetada alta do preço do açúcar”:

“De há muito nessa cidade, os salários se encontram congelados, com exceção dos vencimentos dos funcionários municipais, os quais praticamente não tiveram aumento nestes últimos cinco anos. Assim, pelo menos em relação a esta cidade, não existem motivos para novas altas do custo de vida, as quais somente poderão ter, como conseqüência, nova corrida de salários e preços”9.

Um sinal de irritação latente da massa operária pôde ser visto na atitude tomada por oito sindicatos de trabalhadores que, na véspera da abertura do II Congresso, enviaram telegrama ao presidente da República e ao ministro do Trabalho, protestando contra a majoração do preço do açúcar10.

Os sindicatos eram os dos trabalhadores gráficos, metalúrgicos, alfaiates e os dos setores de bebidas, massas alimentícias, construção civil, marcenaria e calçados. Os sindicalistas diziam-se “alarmados com a notícia do aumento do preço do açúcar”, colocando seus interesses

8 Autos do processo 28.622-49, 1ª Vara.

9 Protesto Contra a Alta do Açúcar em Ribeirão Preto. O Estado de S. Paulo, 11.6.49, p. 8. 10 Ibidem.

“sob a proteção do presidente de todos os brasileiros, certos de que impedirá essa nova sangria da economia popular, já tão sangrada”11.

Para que se tenha uma idéia da devastação provocada nos salários pela inflação conjugada ao arrocho prolongado, é útil conhecer os valores de reajustes concedidos pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) a duas dessas categorias, nos julgamentos de dissídios que viriam a ocorrer no final desse mês de junho.

Alfaiates, costureiros e demais trabalhadores da indústria de roupas e chapéus de senhoras, por exemplo, conquistaram reajuste de 25% sobre os salários vigentes em julho de 1946, embora condicionado “à assiduidade total”. Já os marceneiros de São Bernardo do Campo obtiveram reajuste de 60% sobre os salários percebidos em julho de 1945, o que dá bem a medida da longa duração do congelamento de vencimentos12.

Por outro lado, Ribeirão Preto sempre enfrentou sérios problemas de abastecimento, como já exposto antes neste trabalho, e numa conjuntura marcada pela inoperância do Comitê Estadual de Preços13 seria de esperar-se por novas ocorrências do tipo. O racionamento, na cidade, de víveres como o óleo comestível e a farinha de trigo prosseguiu durante vários anos após o fim da guerra.

Até 1948, pelo menos, a Prefeitura tinha funcionários encarregados do racionamento e do “Serviço de Distribuição de Óleo”. Para exemplificar, pouco antes do Natal desse ano o prefeito autorizou a

11 Ibidem.

12 Concedido Aumento de 25% aos Trabalhadores na Indústria de Roupas e Chapéus de Senhora — Decisão

Proferida Ontem pelo TRT. Folha da Manhã, 24.6.49, seg. cad., p. 8. Concedido Aumento de 60% aos Marceneiros de São Bernardo. Folha da Manhã, 28.6.49, seg. cad., p. 8.

13 Crise no Comitê Estadual de Preços. Sobe a Cinco o Número de Membros Demissionários. Folha da

entrega de uma quota de óleo a Felix Montebelo, chefe de uma família de doze pessoas: “O mesmo transferiu sua residência para esta cidade, necessitando por isso o referido cartão de racionamento”14.

Apesar de todas as evidências de fermentação social e dificuldades, não havia efetivamente na cidade nenhum surto de mobilização popular contra o governo, que pudesse explicar, por si só, a mobilização do aparato repressivo comandada pelo DOPS.