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“O encontro marcado”

No documento Junho: potência das ruas e das redes (páginas 35-38)

E

m três dias, a partir do dia 15, a necessidade, a vontade e a força do mo- vimento criou um ponto de encontro, a Assembleia Popular Horizontal (APH). O país mobilizava-se, as ruas estavam tomadas, o noticiário só falava do levante. A multidão marcou encontro.

A primeira sessão da Assembleia Popular Horizontal aconteceu no dia 18, embaixo do viaduto Santa Tereza. Difícil precisar quantas pessoas reuniram- -se. Milhares. Mais difícil ainda identiicar as origens, as bandeiras, as pautas todas. Das lideranças do movimento estudantil, das muitas siglas, perspec- tivas, vertentes ideológicas, de políticos proissionais a sindicalistas, anar- quistas, arautos do contato com extraterrestres, midiativistas, jornalistas de grandes veículos, feministas, candidatos a candidatos, movimento negro, a esquerda festiva, a “Turma do chapéu”, de curiosos, de moradores de rua, po- liciais iniltrados, feirantes, ambulantes, artistas, professores.

Em suas primeiras sessões, intermináveis informes e análises de con- juntura faziam-se ouvir, assim como uma disputa velada entre os grupos que compunham, já com alguma organização, a Assembleia. A cacofonia é a virtude da APH, por outro lado as metodologias aplicadas, diariamente dis- cutidas e modiicadas conforme os presentes as deiniam, permitiu uma di- nâmica veloz e diversa de organização e ação.

Princípios foram elencados: horizontalidade, popular, não sectarismo, não estigmatização, autonomia dos grupos de trabalho, experimental, busca de consenso, pró-atividade, transparência, Concretização/ eiciência/ produ- tividade, funcionamento em rede.11

As assembleias passaram a ser quase diárias, a profusão de acontecimen- tos exigia dinâmica, acompanhamento de informações e transmissão, a rede que já existia passou a funcionar com intensidade diante das urgências da organização das ações.

A busca pelo consenso tornou-se importante norteador das reuniões. O debate qualiicado e as divergências identiicadas deveriam esgotar-se a im de prevalecer a concordância no grupo. Por outro lado, a metodologia apli- cada era deinida momentos antes das assembleias, em um grupo de traba- lho responsável por deini-la, de forma que esse grupo só se reunia naqueles momentos antes e tratava exclusivamente da metodologia adotada naquela assembleia. Novamente, tal organização proporcionou aos participantes da APH experimentar diversas dinâmicas de funcionamento e atuação.

A partir dos princípios e da própria dinâmica do processo de junho, das ainidades e afetos, constituiu-se uma Assembleia plural dentro dos limites do que poderia ser aquele espaço na disputa política de junho. Tateávamos no afã daquela oportunidade histórica.

No dia 23, em sua segunda sessão, foram criados grupos de trabalho ou temáticos (GT): Mobilidade Urbana, Reforma Urbana, Meio Ambiente, FIFA e Megaeventos, Desmilitarização e Anti-Repressão Policial, Saúde, Educação, Reforma Política, Direitos Humanos e Luta Contra as Opressões, Democrati- zação da Mídia, Cultura, Disseminação das Assembleias e Permacultura.

Pelo nome dos grupos podemos constatar a profusão das pautas e áreas de interesse. Nenhum deles conigurou novidade nas discussões dos movi- mentos sociais. Tampouco pretendeu-se novidade, por im, a criação desses grupos possibilitou maior organização e direcionamento de ações num con- texto de acontecimentos rápidos e efervescência política.

Alguns desses grupos de trabalho, contrariando o quinto princípio da carta da Assembleia, emanciparam-se e passaram a ter, a partir de sua pauta especíica, total autonomia de ação e reivindicação. Nesse ponto especíico, a meu ver e não sem resistência, a APH atingiu seu objetivo.

nização dos atos e marchas que se sucederam a partir do dia 22 (lembrando que a primeira macha em BH aconteceu no dia 17), até a difusão das infor- mações, de tudo se tratava na Assembleia. A pluralidade também airmou-se como norteador da organização, tão importante quanto a horizontalidade. Nesse sentido todas as ações, desde a constituição de um grupo de represen- tantes para o diálogo com o poder público até a deinição dos presentes à frente das marchas, procurou atender a esses dois princípios.

As reuniões permaneceram lotadas, mas um fato mudou o local da APH. No dia 29 aconteceu o sexto Grande Ato, era um sábado pela manhã. Em re- união extraordinária dos vereadores, para a votação do projeto de lei enca- minhado pela prefeitura deinindo como se daria a diminuição dos preços da tarifa de ônibus no município, a intransigência dos legisladores belori- zontinos, a truculência da segurança da “casa” e a ação da Guarda Municipal provocou a ocupação da câmara.

#OcupaCâmara

A

partir dali, a APH transferiu-se para a câmara municipal. Todas as Assem- bleias, reuniões de grupos de trabalho, ações, atos e informações foram articuladas daquele espaço. Constituiu-se uma comissão de comunicação que centralizou as informações a serem repassadas para a imprensa. Foi organi- zada uma cozinha, doações chegaram de todas as partes da cidade. A popula- ção passava por lá para conversar sobre as reivindicações, sobre a diminuição da tarifa, sobre o porquê do movimento, sobre o que acontecia no mundo.

No começo do providencial recesso parlamentar, um piano foi colocado no jardim junto das barracas. O ato repercutiu pelo país, outras ocupações de câmaras municipais vieram e fortaleceram Belo Horizonte. Foram elabo- radas escalas de trabalho para as diversas funções e tarefas do dia a dia de uma ocupação. Pessoas de diversos grupos, coletivos, partidos, voluntários independentes, revezaram-se para a manutenção da estrutura criada para a permanência.

No dia 2 de julho, foi realizada a primeira audiência entre os ocupantes e o Ministério Público (o que passou a ser uma constante) para a construção de uma ação pública com o objetivo de abrir a “caixa preta” dos contratos de concessão, celebrados em 2008, entre a prefeitura e as concessionárias de transporte coletivo na cidade. Ação bem sucedida em 2014, pois barrou o aumento das passagens por um mês, causando um prejuízo estimado em 50 milhões de reais aos donos das empresas e colocando deinitivamente a suspeita de irregularidades e prevaricações sobre os contratos de concessão.

Depois de diversas manobras do executivo municipal e da formulação de uma pauta dentro do grupo de trabalho dos transportes aconteceu, no dia 3 de julho, a reunião na prefeitura, com a presença do prefeito e secretariado, e uma comissão de delegados representando a ocupação. As reivindicações eram claras e pontuais: revogação do aumento da passagem, incorporação da isenção do PIS/COFINS e INSS na redução da tarifa, auditoria cidadã das empresas de ônibus, passe livre estudantil.12

Dois dias depois, no dia 5, houve o sétimo Grande Ato, tendo como pauta a redução do valor da passagem de ônibus, cuja palavra de ordem foi “se o Lacerda não recua, a gente volta pra rua”. Logo depois, a prefeitura anunciou a redução da tarifa em 15 centavos, sendo a diminuição proveniente de isen- ções iscais concedidas às concessionárias.

No dia 7 de julho, depois de intensa pressão sobre o legislativo e o executivo do município, vitoriosos, os ocupantes deixaram a câmara, em marcha até a Praça Sete, ao som dos blocos “Pena de Pavão de Krishna” e “Chama o Síndico”.

No documento Junho: potência das ruas e das redes (páginas 35-38)