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3. Capítulo – Mudanças no Cotidiano de Trabalho

3.2. Cotidiano, Lazer e Resistência: outras formas de resistência

3.2.2 Os Encontros e Festas

As estradas onde eram colhidas o látex, eram extensas e distantes das colocações. Em geral as próprias colocações eram afastadas umas das outras, dentro das matas onde se concentravam a extração da goma, onde ficava o tapiri.

268 PINTO, Ana Xavier. Ana Xavier Pinto. Depoimento [15 Novembro. 2013]. Entrevistadora: Agda

Lima Brito, Manaus: Amazonas, 2013.

269 RIBEIRO, Francisca das Chagas. Francisca das Chagas Ribeiro. depoimento [10 Fevereiro. 2014].

110 Os tapiris eram as casas, feitas de madeira e cobertas por palha, onde era feita a defumação da borracha. De acordo com Mauro Cherobimo270 as colocações eram

barracas instaladas em áreas de extração da goma e geralmente o seringueiro construía seu tapiri, o abrigo para si e sua família, não muito longe dali, para poupar tempo no processo de defumação, contudo os materiais necessários para as obras também pertenciam ao seringalista. O custo do preparo das colocações e do tapiri aumentava a dívida do trabalhador.

Essas moradias não eram necessariamente umas próximas as outras, pelo o que essas mulheres podiam, em alguns casos, ficar meses nas colocações somente com os filhos e longe dos maridos. A solidão nos seringais abriu espaço para que entre elas houvesse cumplicidade quando tinham oportunidade de se encontrarem para realizar afazeres.

O encontro para a organização de festas, a lavagem de roupa no igarapé, a reunião para desempenhar trabalhos dentro dos seringais, representavam uma oportunidade, onde estas usavam esses espaços para discutir problemas em comum e unir lazer ao trabalho. Essas oportunidades de encontro eram utilizadas para que pudessem expor seus problemas, trocar receitas, aprender rezas para seriam utilizadas em caso de necessidade271.

Ana Xavier ao delinear como aconteciam a organização das festas que ocorriam no seringal todo o sábado, nos explica que as festas eram uma forma de lazer daquelas famílias em meio as dificuldades naquelas localidades:

“Todo sábado tinha uma festa, a pessoa era pobre, mas era animado, (risos)...

Que não tinha esse negócio de ir bem vestido, ninguém não sabia o que era né, tudo tava lá, eu sei que era um caso sério o Japurá velho... não era só o Japurá não, era a beira do rio todinha... Ai era todo mundo que quisesse dançar ía, ía era tocador era de sanfona, tinha um sanfoneiro lá, que era uma beleza, risos...272

As relações das famílias, ainda que com todas as dificuldades, iam além do trabalho. Ana Xavier se enche de alegria ao lembrar daquelas festas, animadas em meio a mata, com sanfoneiros, e todos dançando descalços, sem se importar com a aparência ou com a falta dos sapatos.

270 CHEROBIM, M .—Trabalho e comércio nos seringais amazônicos .Perspectivas, São Paulo, 6:102-

107, 1983.

271 FERREIRA, Maria Liége Freitas. Mulheres no Seringal: submissão, resistência, saberes e praticas (

1940-1945). VIII Simpósio Internacional Processo Civilizador, História e Educação. Paraíba, 2004.

272 PINTO, Ana Xavier. Ana Xavier Pinto. Depoimento [15 Novembro. 2013]. Entrevistadora: Agda

111 “Eu me lembro tanto disso mana, eu lembro de muita coisa, acula, das festas que íamos todos os sábados, sapato ninguém falava não que era besteira, todo mundo ia descalço, não tinha dinheiro pra comprar sapato e todo mundo dançava e era muito, você acula vê, que Deus é bom, mas uma miséria daquele jeito, eu nunca vi na minha vida, nem pretendo ver...273

Esta fala, carregada de nostalgia nos demonstra bem como as relações que foram se estabelecendo nesses ambientes foram vitais para a sobrevivência dessas pessoas e não só no trabalho. Mas como Maria Ferreira aponta, na troca de experiências, receitas ou uma simples conversar, o importante era saber que tinham uma certa solidariedade umas com as outras274.

“Tinha festa aí no Capori, mais não era essas festas não, que tem hoje... Gargalhadas, me lembro, quando eu já fiquei grande né que tinha, Natal, São Cristovão, tinha um nome que festejava né...

Era, afastado, a gente ia em canoa, lá pras festas, a gente ia em canoa, era assim, era muito, difícil ir pra lá naqueles tempos, no meu tempo, era muito difícil.275

Francisca das Chagas, em quase toda sua entrevista se mostrou desconfiada, porém quando o assunto, chegou ao ponto das festas, ela deu uma longa risada, assim como Ana Xavier. As entrevistadas lembram com saudades daqueles momentos de festas com as comunidades. Na narrativa de Francisca das Chagas, as festas aconteciam em lugares mais afastados, no entanto a trabalhadora estava presente nessas comemorações, era uma forma de lazer dessas trabalhadoras, organizada por elas, tais como datas comemorativas como o Natal e as festas de Santos.

“Mas, o seringueiro, mesmo sendo uma mão de obra explorada na extração do látex aprendeu a ter afetividade por seu trabalho, pelo seu lugar. Destacam as pescarias que faziam, a caçada, os animais, o canto dos pássaros, as alegrias das festas nos seringais que eram sempre celebradas em alguns dias santos, como: São Sebastião, Santo Antônio, São Francisco, são Pedro, Santa Luzia, etc276.”

273 PINTO, Ana Xavier. Ana Xavier Pinto. Depoimento [15 Novembro. 2013]. Entrevistadora: Agda

Lima Brito, Manaus: Amazonas, 2013.

274 FERREIRA, Maria Liége Freitas. Mulheres no Seringal: submissão, resistência, saberes e praticas(

1940-1945). VIII Simpósio Internacional Processo Civilizador, História e Educação. Paraíba, 2004.

275 RIBEIRO, Francisca das Chagas. Depoimento [10 Fevereiro. 2014]. Entrevistadora: Agda Lima

Brito, Manaus: Amazonas, 2014.

276 ASSUNÇÃO, Sandra; SILVA, Josué; SILVA, Adnilson. Lembranças do Lugar: O ser Seringueiro em

112 No trabalho citado acima, onde os autores através das memórias de seringueiros buscam demonstrar o cotidiano de exploração, mas também as relações que vão sendo construídas por esses indivíduos, tais como o cotidiano de pescarias, festas277.

Sentimos necessidade de colocar esse breve relato sobre as festas, carregados de alegrias por partes destas senhoras, ao lembrar e que naqueles local, onde trabalharam sobre domínio de um patrão que tentava controlar de todas as formas esses trabalhadores, ainda assim, elas lembram com sorriso no rosto de quando escondiam borracha para vender para regatão, das pescaria, das festas, das conversas, de toda a experiência construída dentro das matas nos centros ou próximas dos rios Amazônicos.

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