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Capítulo 2 – Dívida Pública e as Relações entre o Banco Central e o Tesouro

2.1. Endividamento, gastos e receitas públicas: conceitos de fluxo e estoque

Um dos elementos centrais da análise da evolução da dívida pública dos países é a compreensão de que ela envolve elementos financeiros, relativos às políticas monetária e cambial, conforme observado anteriormente, questões que envolvem a relação entre Balanço de Pagamentos, Bancos e Banco Central, sendo que esse último agente é o que exerce as decisões relativas às políticas acima mencionadas.

Ao tratar da dívida pública, devemos considerar a separação entre os conceitos de fluxos e estoques. No caso dos fluxos, o início da análise é a compreensão de que qualquer Governo efetua gastos e recebe recursos para efetuar seus pagamentos. A cada momento o Governo tem em mãos um “fluxo de recebimento” de recursos, que se confronta com um “fluxo de pagamentos de recursos” por conta de seus gastos. Quanto aos fluxos de pagamentos de recursos, é necessário entender que existem dois tipos de gastos: os “Gastos correntes reais” e os “Gastos Financeiros”. Os Gastos Correntes reais referem-se aos chamados “gastos primários”, relacionados com o andamento diário dos Governos Federal, estadual e municipal (o Governo Geral). São os gastos com funcionalismo público, com previdência, com saúde, educação, ciência e tecnologia, transporte etc. É um fluxo de gastos. Esse fluxo de gastos se confronta com um fluxo de recebimentos: os recebimentos de impostos. A diferença entre os recebimentos de impostos e os gastos correntes (do Governo Central, dos estados e municípios) nos dá o resultado primário do Governo Geral. Esse resultado poderá ser superavitário ou deficitário. No caso brasileiro, ele foi continuamente superavitário entre 2004 e 2013. Isso por que o fluxo de receitas de impostos cresceu mais do que o fluxo de despesas correntes do Governo Geral.

Quando o resultado primário é negativo (déficit), significa que os impostos não foram suficientes para pagar os Gastos, o que significa que o Governo tem que ter outra forma de pagar esses gastos. Uma das formas possíveis é usando outros ganhos que o Governo venha a ter, provenientes de seus ativos. Outra forma é emitindo dívida para pagá-los. Nesses termos, um déficit primário pode ser um dos fatores geradores de dívida pública. Um déficit primário gera uma Necessidade de Financiamento do Setor Público positiva (NFSP +).

Essa dívida pública se dá pelo lançamento de títulos de dívida que são postos em circulação pelo Tesouro Nacional e que pagam juros, variação da correção monetária ou variação cambial. Assim, uma vez que uma dívida é lançada o Governo deve pagar a cada mês o que prometeu (juros, correção monetária e ou cambial) e também deve pagar a amortização da dívida quando o prazo do título termina. A dívida uma vez lançada é um

estoque, que permanece até o seu vencimento e pagamento. Quando o Governo paga essa dívida ela sai do estoque, sendo que o estoque total (dívida total) se reduz. Nota-se que a emissão de dívida gera a necessidade de novos fluxos de Gastos pelo Governo: os gastos financeiros efetuados a cada mês. Eles compõem, então, os Gastos de Governo em conjunto com os Gastos Primários.

Dessa forma temos, portanto, que os fluxos são dados pelas receitas menos as despesas correntes primárias. Assim pode ocorrer (e muitas vezes ocorre) que o Governo tenha um resultado primário positivo, mas como tem de pagar juros, correção monetária e cambial, o resultado final (resultado nominal) da confrontação entre fluxo de recebimentos de impostos com relação aos fluxos de gastos totais (primário + gastos com juros + ajustes com câmbio e correção monetária) pode ser negativo, o que gera a necessidade de lançamento de títulos do Tesouro para pagar o fluxo de gastos. Ao Resultado final da dinâmica de fluxos de receitas e fluxo de gastos chamamos de Resultado Nominal, que pode ser um dos fatores de geração de dívida pública (estoque). Ora, note-se que o estoque de dívida depende da dívida gerada no período corrente, mais a dívida gerada em períodos anteriores que ainda não foi paga. Os juros incidem sobre a dívida bruta (estoque). Nesse sentido o volume dos juros depende do volume da dívida bruta – volume de juros recebidos pelos Ativos do Governo. Além do mais, depende do perfil dos títulos lançados e do próprio nível dos juros.

Mas resta saber se o volume da dívida depende apenas dos Gastos primários do gasto com juros gerado pela dívida mobiliária, mais correção monetária e cambial correntes. Por um lado, quanto maior o volume da dívida e da parte da dívida que paga juros e, quanto maior o juro, maior o peso desse gasto e o Governo pode ter que lançar títulos de dívida por conta desse alto nível.

Ocorre, ainda, que a dívida pública também é afetada por outros fatores, que são essencialmente financeiros e que, geralmente não são explicitados. Dentre esses fatores financeiros estão a política monetária e cambial, realizada pelo Banco Central do país e que tem relação com o diagnóstico por detrás da política de Metas de Inflação, como também com o comportamento do Sistema Bancário e do mercado de dívida pública. São esses fatores que iremos nos concentrar nesse trabalho, na medida em que eles geram um crescimento da dívida pública, sendo que o crescimento da dívida é, na maioria das vezes, diagnosticado como resultante de um excesso de gastos primários.

Essa discussão envolve a compreensão da relação entre Tesouro e Banco Central. Esse debate é relativamente pouco detalhado, sendo que na Economia Brasileira, para além dos

aspectos contábeis, envolve uma série de especificidades e de regulações próprias da Economia nacional. A discussão envolve o movimento da política cambial e monetária, além das decisões do Tesouro Nacional quanto à política de colocação/retirada de títulos públicos de circulação.

O início da discussão envolve, então, a compreensão do funcionamento do Banco Central, sua relação com o mercado de câmbio, sua relação com o Tesouro Nacional, foco desse item da monografia.