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Engajamento político e compartilhamento de “memórias engavetadas” 111

3.   PEQUENAS QUEBRAS DE SILÊNCIO: VOZES E ESCRITAS FEMININAS EM

3.3.   MEMÓRIA(S) MILITANTE(S) E MEMÓRIAS DE UMA MILITÂNCIA 110

3.3.1.   Engajamento político e compartilhamento de “memórias engavetadas” 111

172 Mensagem enviada à autora, por correio eletrônico, em 29 out. 2014.

173 A constituição de acervos de documentos repressivos que comprovem as torturas, mortes e desaparecimentos

destas pessoas, bem como o diálogo com o Estado no sentido de permitir e ampliar o acesso a tais documentos e a organização de vários atos de memória foram algumas das ações deste Comitê. De acordo com Benassi (2012), o auxílio de deputados estaduais, assim como da imprensa local, se apresentou, ao longo de décadas, como fundamentais para a atuação do Comitê.

Autobiografia de Derlei Catarina De Luca, No corpo e

na alma (2002).

Foi num contexto de disputas pela memória, que se avolumou no decorrer da década de 90, que tal obra foi escrita. Neste período, o silêncio desejado pelos militares, amparado pelo desinteresse de vários segmentos da população, ainda era uma das barreiras a serem vencidas por grupos como o Comitê Catarinense Pró Memória de Mortos e Desaparecidos Políticos e o Grupo Tortura Nunca Mais. Esta foi mais uma década de intensas lutas por parte de familiares de mortos e desaparecidos políticos e de organizações de direitos humanos na busca por respostas acerca do que realmente aconteceu às vítimas e na tentativa de sensibilizar a sociedade no sentido de criar uma “vontade de escuta”, algo que passava pela questão da abertura dos arquivos da repressão. Mas, acima de tudo, foi um período em que se buscou o reconhecimento por parte do Estado no que se refere à sua participação em tais assassinatos e desaparecimentos políticos no período da ditadura.

Em 1995, diante das pressões nacionais e internacionais sofridas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso neste sentido174 e da sua concordância em elaborar um projeto de lei que tratasse destas questões, alguns militares se manifestaram publicamente de forma contrária demonstrando incômodo com a possibilidade do pagamento de indenizações a familiares de militantes políticos assassinados pela ditadura, mas também com a possibilidade de um aprofundamento das investigações acerca das condições em que se deram tais mortes. Assim, definiram (e ainda definem) as lutas das organizações de direitos humanos e de

familiares como “revanchistas”, demonstrando um sentimento de “indignação” em relação ao que atribuíram como desrespeito à lei de Anistia175, deixando evidente que entendiam que as famílias dos “seus mortos” também deveriam ser indenizadas.176 Tais contendas prosseguiram após a aprovação da Lei 9.140/95, também chamada de “Lei dos Desaparecidos Políticos”, que reconhecia como mortas aquelas pessoas desaparecidas em função das suas atividades políticas entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979 e previa a indenização para familiares.177

Algum tempo antes, mas, já num clima de batalha de memórias, Derlei De Luca escreveu uma carta-resposta178 que refutava algumas ideias contidas num artigo publicado por

Jarbas Passarinho179 na imprensa.180 Sobre a escrita desta carta, a militante afirmou: A carta para Jarbas Passarinho foi escrita em 1995.

Explico: Neste ano conseguimos aprovar a LEI 9.140/95, em que considerava os DESAPARECIDOS como mortos e o estado (sic) foi obrigado a reparar as famílias. O JARBAS PASSARINHO foi pro jornal, num artigo - não lembro o jornal dizendo que na nossa lista de desaparecidos tinha gente viva.

Escrevi para ele dizendo que sim. Era possível ter gente viva na nossa lista?

Era. Mas os mais interessados em saber se havia alguém vivo éramos nós e eu queria o nome, o telefone e o endereço da pessoa que estava viva.

Então a carta é de 1995. [...]181

175 Quanto a isto, ver reportagens na Folha de São Paulo: Exército rejeita investigação sobre mortes, de 29 de

julho de 1995; General deixa cargo por se opor ao projeto, de 23 de agosto de 1995; General quer indenização

para famílias de militares, de 25 de agosto de 1995; dentre outras.

176 A partir de maio de 1995, esta questão foi muito noticiada em jornais como a Folha de São Paulo, por

exemplo. Neste mesmo ano, a Rede Globo exibiu uma reportagem realizada pelo jornalista Caco Barcelos cinco anos antes, mas que havia ficado guardada, sobre o cemitério de Perus, em São Paulo, que continha, em valas comuns, ossadas de militantes mortos durante a ditadura, dando maior visibilidade à questão dos mortos e desaparecidos políticos. Cabe ressaltar que este cemitério já havia sido descoberto por familiares de vítimas anos antes da realização de tal reportagem.

177 Esta lei, apesar de criar a Comissão Especial, vinculada ao Ministério da Justiça, com o intuito de analisar as

denúncias dos assassinatos nas dependências da repressão, não assumia a responsabilidade de apurar as circunstâncias das mortes e desaparecimentos, cabendo aos familiares a comprovação das suas denúncias (GONÇALVES, 2009).

178 A referida carta foi publicada em alguns jornais, segundo Derlei.

179 Além de uma carreira militar, Jarbas Passarinho também atuou na política brasileira ocupando, no período da

ditadura, alguns cargos de confiança, a exemplo de Ministro do Trabalho (1967-1969) e Ministro da Previdência e Assistência Social (1983-1985).

180 Não foi possível localizar o artigo escrito por Jarbas Passarinho na imprensa. A jornalista Louise Benassi

(2012) afirma que o texto foi publicado, em 2004, na Folha de São Paulo, algo que não procede, pois em uma entrevista concedida à historiadora Marise Veríssimo, em julho de 1995, Derlei De Luca menciona que havia escrito uma carta à Jarbas Passarinho que falava das marcas deixadas pela tortura que ela sofreu. Ao perguntar à própria Derlei sobre esta questão, ela informou que a jornalista deve ter se enganado, e que a carta foi escrita em 1995. No entanto, não se recordou em que veículo havia sido publicado tal artigo. Ao procurar na Folha de São

Paulo algum escrito de Jarbas Passarinho, neste período, que tratasse de alguma questão vinculada a tais

contendas, não foi obtido sucesso. Mensagem enviada à autora, por correio eletrônico, em 8 dez. 2014.

181 Mensagem enviada à autora, por correio eletrônico, em 8 dez. 2014. Cabe ressaltar que, apesar de não

encontrar o artigo de Jarbas Passarinho, citado por Derlei, algumas notícias da Folha de São Paulo traziam a fala de alguns militares que afirmavam que existiam desaparecidos que estavam vivos.

Trechos da carta-resposta indicam também que Passarinho, como parte integrante do grupo de defensores da ditadura (CARDOSO, 2012), minimizou a questão da tortura, e, ao mesmo tempo tratou os militantes mortos e desaparecidos como “terroristas” que haviam sofrido as consequências de uma guerra. Para Martins Filho (2002), a ideia de que a tortura é um fenômeno excepcional e não sistemático está presente em vários depoimentos de militares, bem como a justificativa, de forma eufemística, de que ambos os lados, “governo” e militantes, cruzaram certos limites. Neste sentido, uma entrevista de Jarbas Passarinho no suplemento Mais!, da Folha de São Paulo, no dia 13 de agosto de 1995, traz um pouco desta visão quando ele, ao responder sobre a questão dos desaparecidos, afirmou: “Na verdade, não foram iniciativas do Estado. O Estado respondeu à agressão armada. Era uma guerra civil não declarada.”182.

Em outro trecho, ao responder sobre a questão da tortura, afirmou que teve conhecimento desta prática por duas vezes e que chegou a informar ao presidente Emílio Garrastazu Médici, em 1971, além de falar sobre isso na televisão: “[...] num programa de TV o repórter me perguntou se existia tortura. Eu disse a ele: ‘Acho que existe, sim, mas não como política de governo, e sim, como uma deformação pessoal de quem investiga.’[...]”183. Entende-se que, em algum momento, declarações como estas causaram em Derlei De Luca um sentimento de indignação que a motivaram a se manifestar. A seguir, um excerto de tal carta, que apesar de longo, vale a pena ser trazido, como uma forma de pensar o lugar desta militante nestes embates da memória:

Ilmo. Senhor Jarbas Passarinho – Brasília DF

Há 25 anos, eu era uma jovem saudável. Jamais havia chegado sequer perto de uma arma. Fui presa pela Operação Bandeirante e, antes de perguntarem meu nome, já haviam quebrado meus dentes, pernas, costelas, mandíbula. Passei pelo tratamento clássico de pau-de-arara, cadeira do dragão, choque elétrico, palmatória. [...] Como esquecer, Coronel, se trago no corpo e na alma as marcas da tortura?

[...] Que crime cometeu Paulo Stuart Wright? Além de não aceitar a ditadura como regime de governo? Quando Paulo Stuart empunhou uma arma?

Que crimes cometeram: Raimundo Eduardo da Silva, desaparecido em 1970; Luiz Hirata, Jorge Leal Gonçalves Ferreira, assassinados em 1971; Honestino Guimarães, Gildo Lacerda, Humberto Albuquerque, Câmara Neto, desaparecidos em 1973; José Carlos da Mata Machado, assassinado em 1973; Eduardo Collier Filho, desaparecido em 1974;

Eles não eram o que o senhor chama de terrorista. Quando eles usaram armas além de palavras? Todos morreram sob tortura nos cárceres que o senhor está defendendo.

182 Memórias do Coronel, suplemento Mais!, Folha de São Paulo, 13 ago. 1995. 183 Idem.

[...] Usando os seus próprios argumentos: vocês enterraram seus mortos. Nós queremos enterrar os nossos. Temos esse direito. Vamos continuar procurando-os e suas vidas ficarão com o legado às futuras gerações. Porque a história e a razão estão do nosso lado.

[...] Queremos enterrar nossos mortos. Queremos atestado de óbito. Queremos esclarecer as circunstâncias de suas mortes.

Do que você tem medo? (Derlei Catarina De Luca apud BENASSI, 2012, p. 40- 43)184

Derlei parte do seu caso específico, de militante que foi submetida a torturas e que traz “no corpo e na alma” as marcas das violências perpetradas pela ditadura, para chamar a atenção para assassinatos e desaparecimentos de militantes de diversas organizações que, tratados como inimigos, não tiveram a chance de serem julgados. Segundo ela, foram mortos por defenderem a “derrubada da ditadura”, não tendo os seus corpos entregues às suas famílias. Dentre as pessoas citadas, são apresentados alguns militantes com os quais conviveu na Ação Popular, e que, de acordo com a sua visão, foram tratados como “terroristas” mesmo sem nunca terem pegado em armas185, mortos sob tortura e tiveram os seus corpos “escondidos”, a exemplo de Paulo Stuart Wright e Eduardo Collier Filho.

Além de questionar as práticas dos governos defendidos por Passarinho, Derlei também chama a atenção para a impossibilidade do esquecimento que circunda a necessidade da busca por esclarecimentos destas mortes por uma questão de justiça e de exemplo para as “novas gerações”. Ao fim, afirma: “a história e a razão está do nosso lado”, o que indica a valorização da memória como história, algo que passa, inclusive pelo processo de enquadramento da memória (POLLAK, 1989), dentre outras ações, através da comprovação do envolvimento do Estado nestas mortes com a utilização de documentos produzidos pela própria repressão.

Desde a abertura dos arquivos do DOPS do Paraná, em 1992, por exemplo, Derlei já vinha juntando documentos que pudessem esclarecer algumas mortes de catarinenses, levando em consideração a atuação conjunta entre os estados do Paraná e de Santa Catarina no que se refere à repressão (BENASSI, 2012). Diante dos processos de luta que desencadearam a lei

184 Ao solicitar tal carta, fui informada por Derlei que esta havia sido publicada por alguns jornais, mas que ela

não lembrava quais. Infelizmente, não foi possível encontrar este documento na íntegra, somente um longo trecho citado por Louise Benassi no seu livro As lembranças não morrem: história do Comitê Catarinense Pró-

Memória de Mortos e Desaparecidos Políticos, enviado pela própria Derlei em um dos nossos primeiros

contatos.

185 Observa-se uma memória que separa militantes das organizações militaristas daqueles que integravam

organizações não-armadas. Os primeiros, segundo Derlei, eram chamados de “terroristas” e os últimos de “subversivos” pela repressão (DE LUCA, 2002). E apesar de existir uma diferença em termos de nomenclatura, as formas de tratamento, regado à violência, não diferiam. O próprio Jarbas Passarinho, na entrevista citada, se refere a uma militante morta sob tortura como pertencente à esquerda, salientando, contudo, que esta não era “terrorista”.

9.140/95, tratou de se mobilizar juntamente com outras pessoas do Comitê no sentido de arquivar as vidas (e também os assassinatos) de tais militantes, passando seis meses durante o ano de 1995 pesquisando documentos e arrumando arquivos (BENASSI, 2012). Neste ano, ao conceder uma entrevista à historiadora Marise Veríssimo, afirmou que priorizava as suas ações junto ao Comitê abrindo mão de outras coisas:

Eu preciso fazer móveis para o quarto, mas preciso ir a Belo Horizonte numa reunião. Vou para Belo Horizonte. Como não há dinheiro para as duas coisas, os móveis do quarto estão esperando até hoje. Nas férias eu posso ir a Lagoa da Conceição. Me enterro nos arquivos do DOPS, em Curitiba e São Paulo, lendo milhares de pastas empoeiradas buscando informações sobre meus companheiros. [...] (Derlei Catarina De Luca in: VERÍSSIMO 1998, p. 113)

A atuação desta militante junto ao Comitê Catarinense, pesquisando documentos e construindo arquivos para comprovar ao Ministério da Justiça, os casos de mortes e desaparecimentos de militantes de Santa Catarina, propiciou o contato com documentos ligados à sua própria trajetória, encontrados nos arquivos do DOPS do Paraná e de São Paulo. É possível que estes tenham ajudado a compor o seu pedido de indenização ao estado de São Paulo, em 2001.186

Tais documentos também, juntamente com os seus escritos, foram fundamentais no processo de construção do seu texto autobiográfico, enriquecendo-o no sentido da busca pela “comprovação da verdade” através do próprio material produzido pela repressão, característico do seu pacto autobiográfico. Neste caso, foram anexados, ao final da sua obra, uma foto 3x4 encontrada por ela no arquivo do DOPS do Paraná, em 1995; um relatório com informações, encontrado em 1997 no arquivos do DOPS paulista, que trazia desde a sua prisão em Ibiúna, até a sua volta do exílio, em 1979;187 dentre outros.188

186 Quando a Lei 10.726, de 8 de janeiro de 2001, que indenizava pessoas que haviam sido presas e torturadas

neste estado, inclusive aquelas que estavam vivas, foi aprovada, Derlei De Luca entrou com um pedido de indenização. De acordo com Benassi (2012), o Comitê Catarinense solicitou à OAB de Santa Catarina naquele ano que acompanhasse o andamento dos processos. Em 22 de outubro de 2004, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma lista de 50 pessoas a serem indenizadas naquele mês, dentre elas, Derlei. Como uma das exigências para o pedido de indenização era o relato dos requerentes, partes dos seus escritos autobiográficos, provavelmente, foram utilizados como prova testemunhal, bem como os documentos encontrados nos arquivos do DOPS do Paraná e de São Paulo, como provas documentais. Sobre a questão da reparação de perseguidos políticos durante a ditadura, ver Gonçalves (2009).

187 Pode-se observar, neste documento, a data referente ao ano em que este foi encontrado, 1997, e um selo de

autenticação com a data de 2 de fevereiro de 2001, período em que Derlei entrou com o pedido de indenização para o estado de São Paulo.

188 A própria capa do livro é um documento da repressão produzido pelo DOPS, em São Paulo, a 15 de fevereiro

de 1971, que contém informações sobre Derlei. Na primeira edição, o fundo é branco enquanto na segunda ele é amarelado.

Além disso, foram citados trechos de documentos em vários momentos ao longo da sua narrativa, compondo uma espécie de reconstrução cronológica dos passos da repressão no que se refere a diversas tentativas de ir ao seu encalço. Assim, paralelamente à sua trajetória, são citadas algumas medidas oficiais, a exemplo de mandados de prisão e pedidos de busca; e de artimanhas para tentar capturá-la, como um texto encontrado no arquivo do DOPS de Curitiba, segundo Derlei, escrito à mão, que informava um ponto em que ela compareceria no dia 18 de abril de 1972 e a sua respectiva senha. Também são trazidos, alguns documentos repressivos que continham informações sobre a AP, além de documentos sobre a sua prisão e a do seu marido.

Aos poucos, como um quebra-cabeça, e em períodos que sofreram várias interrupções, esta obra autobiográfica foi (re)organizada, sendo fruto de várias rememorações ao longo de um grande espaço de tempo em que Derlei revisitou alguns escritos guardados sob a forma de diários e cartas com o intuito de aprimorar o trabalho de construção da sua narrativa autobiográfica ao mesmo tempo em que se reinventava a cada dia como militante ligada aos direitos dos homens e mulheres atingidos pela ditadura.

Foi nesta perspectiva que esta militante afirmou, na introdução do seu livro, a preocupação em não deixar que os mortos e desaparecidos políticos, morressem no esquecimento, cuidando, segundo ela, para que a luta continue através das diversas tarefas que se transformaram ao longo do tempo, mas que não estão desvinculadas do processo anterior. Seguindo tal objetivo, este livro, instrumento de manutenção e compartilhamento de memórias sobre os “tempos da repressão”, é uma obra sem fins lucrativos189 que teve mais de uma edição organizada por pessoas, órgãos e instituições que acreditaram nesta proposta, a exemplo da Câmara Municipal de Criciúma, do Colégio Marista, onde Derlei trabalhava, e do médico Paulo Joaquim Alves, que apoiaram a primeira edição. Na segunda edição, do mesmo ano, por sua vez, a impressão foi realizada pelo governo do estado de Santa Catarina sendo o lançamento divulgado em jornais locais, a exemplo do A notícia,190 de Joinville. Em 2011,

189 Derlei afirmou que o livro não é vendido em livraria, geralmente é doado quando ela dá alguma palestra ou

quando alguém se interessa sobre o assunto e que poucas pessoas compraram. Mensagem enviada à autora, por correio eletrônico, em 29 out. 2014. Cabe salientar que nos primeiros contatos mantidos com Derlei, ela enviou a segunda edição da sua autobiografia juntamente com o livro da jornalista Louise Benassi, como foi mencionado anteriormente. A primeira edição, por sua vez, foi adquirida num sebo pela internet. Tal exemplar, de segunda mão, tem uma dedicatória da autora aos antigos donos, que, provavelmente, também militaram na esquerda durante a ditadura.

190 No dia 30 de março de 2003, por exemplo, em uma seção intitulada Opinião, o jornal falou de um evento

sobre o Golpe que aconteceria na Universidade do Extremo Sul Catarinense no qual Derlei estaria presente lançando o seu livro.

foi noticiado que No corpo e na alma (2002) seria adaptado para o cinema através de um filme, cujo título seria Vou voltar.191

Trata-se de uma obra que a militante dedicou ao seu filho, José Paulo, composta por 333 páginas, divididas em doze capítulos, em que é narrada a sua trajetória como militante da Ação Popular do dia em que entrou para a clandestinidade até a sua saída do Brasil e parte do seu exílio, no Chile, incluindo a experiência na embaixada do Panamá após o golpe de setembro de 1973. A partir de então, em mais um capítulo, é apresentado ao leitor um diário escrito no período em que ficou no Panamá até seguir para Cuba. Tanto o diário quanto a trajetória apresentada pelo livro se encerram com a sua ida para este país, onde pôde recomeçar a sua vida. No final, são trazidos, em anexo, os documentos repressivos, como já foi mencionado, e algumas anedotas em um capítulo extra intitulado “Histórias de rir”.

Em meio a uma narrativa detalhada em que existe uma preocupação em reconstruir o seu cotidiano como militante de forma linear, mas realizando em determinados momentos alguns saltos cronológicos através de avanços e recuos no tempo, Derlei conta a sua trajetória articulando-a ao contexto político do Brasil no período da ditadura, em especial no que se refere às ações repressivas do Estado. Ao longo do texto, então, são denunciadas prisões, assassinatos e desaparecimentos de militantes companheiros da Ação Popular e das demais organizações de esquerda ao mesmo tempo em que certos eventos/períodos de intensa emoção, centrados nas suas experiências pessoais, são compartilhados com o leitor, trazendo em si a potencialidade de causar certa comoção.

Episódios como o da sua prisão e o afastamento forçado do seu filho, este último, uma passagem para uma narrativa calcada na dor, possuem uma forte carga emocional. Em contrapartida, não é somente nos acontecimentos tristes que esta autobiógrafa se concentra. Também são apresentadas ao leitor, de forma leve e até bem-humorada, as suas andanças e